LEI GRAÇA E VERDADE
Subiu o discípulo ao monte, dias depois, possuído pelo desejo de reencontrar o grande Mensageiro. Sua alma fremia de gozo e expectação, refletindo-se em seu coração, que pulsava desordenado, e no seu pensamento, que vivia nos páramos de anseio incontido.
Todo ele, verdadeiramente, estava em rebuliço emocional.
Ao topar o cimo do monte, repontava no Oriente a lua em crescente. Havia paz e quietude nos ares; havia mundos faiscantes nas alturas; havia estremecimentos na alma do discípulo. Preso de comoção, por se achar no local onde pela primeira vez tivera a sua grande visão, sentiu-se ele opresso, acanhado e submisso.
— Meu DEUS, — bramiu, — eu não sei se Te mereço! Perdoa, SENHOR, se eu estiver errado, a minha ousadia... Mas, DEUS meu, Tuas verdades me encantam e dominam.
Sentou-se, recostou-se numa rocha e orou. Aos poucos a escuridão cedeu, seus olhos espirituais começaram a ver e sua emoção cresceu. Estava em face da imensidão, tinha diante de si o espaço repleto de mundos lucilantes.
Dentro de si, havia uma interrogativa ansiosa:
— Onde estás, grande Mensageiro?!
E rebuscava com seu olhar espiritual, a estrela que devia ser o Mensageiro sublime, mas nada via vindo do alto.
— Aqui estou! — disse-lhe alguém, ao lado.
O discípulo olhou e viu um homem simples, comum, sem luzes e sem cores, sem a gloriosa presença do grande Mensageiro.
— Onde está o Mensageiro? — perguntou.
— Aqui. Sou eu mesmo. — respondeu-lhe o espírito, com serenidade.
Diante de mal disfarçada decepção do discípulo, volveu o espírito:
— Acaso não me queres?
— Aquele era brilhante, glorioso, musical...
Feito à imagem da bondade, replicou-lhe o novo Mensageiro:
— Como queres crescer, sem auxiliar? Pensas mais em ti mesmo do que nos outros. Não percebes que devo trabalhar, para crescer também? Ou é falso que tens sofrido pelos erros e pelas dores do mundo?
— Que me podes oferecer? Pareces um homem vulgar, um espírito sem LUZ!
Sorriu o espírito, elucidando:
— Que importa a ti o meu brilho, se não me é possível reparti-lo contigo? O de que tens necessidade, lembra-te é de Conhecimento e de Trabalho. A LUZ nunca é mais do que o reflexo das realizações íntimas; e as realizações íntimas representam o Conhecimento do trabalho, vivido. Se me queres brilhante, procura brilhar também. É impossível que o faças, porém, sem respeitar nos outros a necessidade de esforços colaboradores. Se me deres a oportunidade de ensinar, dar-te-ei a de conhecer, e teremos feito uma obra digna de irmãos; isto é, digna de filhos de DEUS. Porque aquele que não respeita, nas suas necessidades, a necessidade alheia, não procede como bom filho de DEUS.
O discípulo passou a fitá-lo com redobrada observação e respeito, sem dizer o que quer que fosse. Compreendeu que o novo Mensageiro o apanhava em cheio, através de seus próprios interesses e desejos, proposições e necessidades. Percebeu, enfim, que a retorta da vida o cercava de obrigações, na proporção direta em que se julgava referto de direitos.
— Pensas bem! — exclamou o novo Mensageiro.
— Penso, — confessou o discípulo, — que depois de tanto viver e aprender algumas verdades, das inumeráveis que perfazem a VERDADE INTEGRAL, ainda me resta aprender muita coisa...
— Venha comigo. — disse-lhe o Mensageiro.
— Onde iremos?
O Mensageiro abanou a cabeça, observando:
— Pergunta menos e age mais. Se, porém, desconfias de mim, fica.
O discípulo calou e seguiu-o. Foram ter a uma região astral, nas proximidades da crosta, e num salão imenso, cheio de cadeiras ocupadas. Havia ruídos, conversas, etc.
— Um salão de conferências? — perguntou o discípulo.
— Religiosas. Apenas religiosas. — respondeu o Mensageiro.
— Qual a religião desta gente?
O Mensageiro explicou:
— Saiba, desde já, que ninguém aqui tem uma Religião ou pertence a uma seita, como acontece no mundo carnal. Somos todos grandes desiludidos religiosos, desejosos de acertar os passos... Viemos do mundo cheios de formalismos, carregados de títulos e de honrarias, escravos de rituais e de sacramentos... Porém vazios de VERDADE, desprovidos de AMOR e de CIÊNCIA. É por isso que estamos estagiando por aqui, nesta escola da VERDADE. Estamos, realmente, fazendo um curso de limpeza intelecto-moral, de acento profundamente religioso.
— Entendo...
O Mensageiro prosseguiu:
— Trate de fazer idéias e obras, antes que seja tarde. Ninguém reencarna para fazer blague com o programa evolutivo, mas é certo que dá em fazer, encontrando o fracasso ao findar a jornada. Consoante já lhe disse, nesta colônia vivem e se refazem milhares de titulados do mundo religioso. O CÉU não andou pelas concepções que esposamos, não validou nossas hierarquias postiças, deixou de parte a nossa bagagem de pompas exteriores.
— Compreendo...
O Mensageiro não lhe deu atenção:
— Nós fizemos confusão entre os valores potenciais e as formas rituais; demos atenção e trabalho aos rigores do protocolo, servimos à liturgia, encaramos com respeito a hierarquia. Não estivemos tratando da alma à custa de empregar os bens do mundo material, de fazê-los servir, de eliminar a ignorância e as muitas outras misérias da Humanidade. Pelo contrário, criamos o formalismo e a ele entregamo-nos, obrigando a isso todos quantos vinham a nós. E muitas vezes, em muitos casos, a peso de vida e morte! Enquanto DEUS, que é infinitamente ÍNTIMO, quer de nós o conhecimento das leis e a prática do bem entre irmãos, que temos feito?
— Quanta grandeza nos Profetas hebreus!... — lembrou o discípulo.
— Sim, — anuiu o Mensageiro, — eles foram sempre partidários da iluminação interior! Não davam importância aos engodos da idolatria, condenavam os salamaleques rituais, reprovavam tudo quanto era postiço. Entretanto, bem o sabemos, o clero levita, organizado à base de formalismos e de comércio, deu-lhes sempre muitas e várias preocupações, inclusive martírios e mortes! Ao tempo em que viveu o PORTADOR DA GRAÇA, apenas restavam dos Profetas poucos Cenáculos, nas fronteiras do Egito e beirando o Mar Morto. Realmente, como temos aqui aprendido, a Escola Essênia tinha dois pontos fundamentais de ordem religiosa: o AMOR e a CIÊNCIA, empregando a Revelação como instrumento de pesquisas espirituais.
— Falou em ter aprendido aqui: refere-se a esta casa?
— Sim; a esta escola da VERDADE. Aqui vêm pregar missionários de outras esferas, e o fazem à margem de sectarismos. Procuramos em DEUS o que é nosso e em nós o que é de DEUS. Tudo, portanto, à base de conhecimentos e práticas, sem o menor intento de adulações repugnantes. DEUS, aqui, deve ser amado em Suas leis e realidades fundamentais. E nós devemos, uns aos outros, a maior soma de colaboração sincera. Apenas colaboração sincera. Assim como não podemos ser realmente úteis através de paliativos e atitudes postiças ou fingidas, assim também não podemos amar a DEUS à custa de formalismos pagãos, de gestos e curvações grotescos. Repare que as paredes estão decoradas com flores e que ninguém está fantasiado de religioso. O exterior, aqui, nunca é usado para encobrir as misérias interiores, assim como usávamos no mundo... Sim, estamos aprendendo a ser sinceros, reais; porque fora disso não é possível atingir a elevação espiritual.
Enquanto falava chegavam dois seres. Ele explicou:
— São os dois expositores de hoje. Antes que comecem a falar, quero rematar a minha assertiva. Como lhe dizia, quem pratica fantasias no mundo, e pensa com isso estar certo, ao se passar para estes lados fica apenas com as fantasias... Os que aqui estão presentes, tiveram por prêmio as fantasias criadas e usadas, nada mais! As esferas superiores ainda não são para nós. Voltaremos ao mundo carnal, ensinando e aprendendo maiores verdades, para merecermos melhores esferas celestiais.
— Maravilhosa verdade! — exclamou o discípulo — Ainda bem que em DEUS não prevalecem as aparências de culto, mas sim a realidade íntima!
O Mensageiro sorriu, anunciando:
— Realidade íntima! Espiritualidade realizada na intimidade individual, à custa de esforços nos domínios do AMOR e da CIÊNCIA, a fim de que se consiga melhor sintonização com a UNIDADE DIVINA e se possa mais e melhor servir. Presta atenção, observa com justeza, porque tu és um dos nossos, que reencarnou para ensinar e aprender como se ama a DEUS em Espírito e Verdade.
— Eu sai desta colônia de aprendizes?!...
— Simplesmente... Calemo-nos, que o pregador vai ser apresentado.
Subiu um dos dois à tribuna, anunciando:
— Recomeçaremos hoje, conforme fora anunciado, o programa instrutivo. Sabeis que estamos apresentando as lições que foram enviadas ao mundo carnal, através de Grandes Missionários. A finalidade é, já o dissemos, fazer lembrar, em resumo, as verdades reveladas aos homens. Embora situando seus Arautos no mapa das eras, dos ciclos, dos tempos e dos diferentes povos, teremos de respeitar a VERDADE ÚNICA, que serviu de LUZ e de CAMINHO a todos os Grandes Mestres que Deus enviou, marcando a longa estrada humana através dos tempos.
Olhou compassivamente para os presentes, salientando:
— Tendes procurado DEUS no exterior, e muitas vezes para efeito de comércio e sustentáculo de privilégios mundanos. Para isso, foram inventados instrumentos de ordem material e idólatras, meios de encenar o erro, a fim de fazê-lo passar como se fosse a própria VERDADE. Se estais aqui, porque os vossos erros não foram tão grandes, outros há que estão em melhores condições, assim como milhares de outros fazem estágios nas trevas exteriores, purgando faltas e crimes tremendos. É de bom alvitre, portanto, que se façam seleções criteriosas, na rebusca da VERDADE, a fim de que, em seu nome, não se oficialize a mentira e o logro. Porque, verdadeiramente, quem erra para si mesmo comete tremenda falta, ao passo que, fazer errar a terceiros, quanto maior crime não significa?
Fez nova pausa, amenizou a voz e, em tom confidencial, concluiu:
— Vamos ouvir o primeiro expositor da recapitulação; e levemos em mente, que há muito erro em se afirmar que todas as religiões são boas, porque contêm o germe da VERDADE. Tal afirmativa oficializa a mentira e o logro em nome da VERDADE, chegando ao extremo ridículo de impô-lo à custa de coações várias, até mesmo de martírios físicos, como no caso da Inquisição e outros. Demais, tomando por base Jesus Cristo, o DIVINO PORTADOR DA GRAÇA, poderemos justificar o seu martírio, pelo fato de ter sido levado a termo pela Igreja do Seu tempo, de Sua nação e de Sua Pátria?
O assessor terminou ali, naquela fria e irretorquível pergunta. Desceu da tribuna e deu lugar ao expositor do dia. Este subiu com dois livros debaixo do braço. Ao estar a postos, relanceou o olhar e saudou a todos com palavras fraternais, como se tivesse falando a íntimos.
A seguir, repetiu:
— Para nós, que temos errado em Doutrina Religiosa, nada mais justo que estudar as consecutivas Revelações. Isto, irmãos, para não pretendermos justificar os nossos erros, alegando a falta de melhores instruções da parte de DEUS. Porque sabemos, por nós mesmos, que temos fechado os ouvidos aos Grandes Mestres, para fazermos da VERDADE o motivo de nossas especulações menos respeitáveis. O cetro que devia servir apenas para conhecer e amar a DEUS, servindo-O pelas obras de AMOR e de CIÊNCIA, tem sido usado para estabelecer, garantir e impor o erro e a idolatria, o paganismo e a exploração da ignorância!
Apanhou o livro, um grosso volume, começando a ler; eram citações em torno dos primórdios da Humanidade, quando os homens deviam ser fatalmente medrosos, supersticiosos, idólatras, fetichistas, etc. Afirmando datar a comunicabilidade dos espíritos desde remotíssimos tempos, afirmou que os mesmos espíritos não podiam falar e ensinar, sem ser aquilo que os homens de então pudessem compreender. Como aconteceu com Jesus, que tinha muito mais a dizer, mas não disse, porque as inteligências ainda não poderiam assimilar tais ensinos.
Depois de ler e historiar as primeiras etapas do homem sobre a Terra, expondo os possíveis conceitos sobre DEUS, o AMOR e a CIÊNCIA, em conformidade com a sua natural inferioridade, encaminhou as atenções para os Vedas, que o autor do livro dizia serem os primeiros reveladores com radicais caracteres de organização. Antes, afirmou, tudo eram verdades bisonhas, medíocres, isentas de caráter universal, sem o mais leve resquício de organização doutrinária. Segundo narrativas antiquíssimas, empolgavam as primeiras mulheres sacerdotisas e os primeiros feiticeiros ou fanáticos, crentes em pedras, em árvores, em animais, em astros, em espíritos familiares de baixíssimo teor espiritual, etc.
Com os Vedas, segundo o autor do livro, vieram os primeiros iluminados e fizeram obra de acendrada organização doutrinária. Em linhas gerais ressaltou as lições védicas, observando a grandeza doutrinária, o DIVINO MONISMO exposto, mas em sentido esotérico, de portas fechadas. A VERDADE era para poucos... O grande número ficava entregue aos desmandos da idolatria, do paganismo e das explorações de variada ordem.
Avançou pelo Budismo, fazendo referências a dezenas de Budas, que se sucederam no curso dos milênios, restaurando a Doutrina e avançando conforme as possibilidades do tempo. Tiveram sempre a UNIDADE DIVINA por base; a LEI por juiz; a JUSTIÇA por execução; o AMOR e a CIÊNCIA como instrumento de libertação total; e a REVELAÇÃO como órgão instrutivo. Tudo, porém, em caráter de ocultismo, para que as criaturas menos conscientes não fizessem mau uso do que merecia todo o respeito imaginável.
Fez entender que Henoc, o MAIOR PATRIARCA dos povos hebreus primitivos, tendo viajado pela Índia a mando espiritual, trouxe de lá o primitivo essenismo, ou vedismo, fundando a ORDEM DOS ESSÊNIOS, ou Escola de Profetas de Israel, como veio a se chamar mais tarde. Escolhiam, através de estudos e severíssimas observações, os que deviam ser os profetas. Estes deviam portar-se da melhor maneira, fossem casados ou solteiros, a fim de serem dignos das melhores e mais perfeitas mensagens espirituais. Lembrou o VELHO TESTAMENTO, cheio de repetidas referências a respeito, isto é, repleto de mensagens espirituais, através de elementos nazireus ou escolhidos. Não raro, disse, os pais recebiam mensagens referentes aos futuros nascituros, razão pela qual, desde o ventre materno, já se destinavam ao ministério da Revelação. Tudo, porém, em caráter reservado ou de portas fechadas. A ORDEM ESSÊNIA foi sempre a mais rigorosa em matéria de sigilo a ser mantido.
Depois de falar em alguns nomes de vanguarda, cujos feitos se acham nos livros do ANTIGO TESTAMENTO, deu a exposição da noite por encerrada.
Foi então que o discípulo reparou o quanto era elevado o número de encarnados ali presentes, conduzidos por Mensageiros espirituais. E viu que alguns estavam mal, fracos e incapazes, por causa de transvios na vida de encarnados...
— DEUS, — explicou o Mensageiro, — cumpre a Sua parte, coloca-os defronte ao ensino necessário. Se vão corresponder ou não, isso é com eles. Demais, sabemos que sempre existirão fracassos, que não são poucos os que se deixam envolver pelos interesses do reino mundano.
E momentos depois, não foi sem algum sobressalto a lhe surpreender a alma, que o discípulo deu acordo de si, ali onde houvera deixado o corpo, recostado numa rocha, nas alturas de um monte e no seio estuante da noite esplêndida. Por isso volveu-se a Deus pela oração ensinada pelo Cristo, pedindo que fosse liberto das tentações.
Princípio Sagrado ou Deus
Extraído do Livro: Lei Graça e Verdade
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