II.
PASSAGEM PARA A VIDA ESPIRITUAL
O processo real de desenlace
não é necessariamente doloroso. Durante minha vida na terra, eu havia
testemunhado muitas almas passando pela fronteira ao espiritual. Tinha tido a
chance de observar com os olhos físicos as batalhas que acontecem quando o
espírito almeja libertar-se para sempre da carne. Com minha visão psíquica
também presenciei o espírito sair, mas em lugar algum pude descobrir - isto é,
nas fontes ortodoxas – o que exatamente acontece no momento da separação, nem
fui capaz de conseguir alguma informação sobre as sensações experimentadas pela
alma que desencarna. Os escritores dos livros de textos religiosos não nos
dizem nada de tais fatos por uma razão muito simples – eles nada sabem.
O corpo
físico muitas vezes parecia estar sofrendo demais, por uma dor real ou por uma
respiração artificial, ou mesmo asfixiante. Por causa disso, tais passagens
tinham a aparência de serem extremamente dolorosas. Será que seriam assim? –
era a pergunta que sempre eu fazia a mim mesmo. Fosse qual fosse a verdadeira
resposta, nunca pude realmente acreditar que o processo físico verdadeiro da
“morte” fosse doloroso, ainda que assim aparentasse. Eu sabia que teria, um
dia, a resposta à minha pergunta, e sempre desejei que, pelo menos, minha
passagem não fosse violenta, por mais que pudesse ser. Minhas esperanças foram
realizadas. Meu final não foi violento, mas foi dificultoso, como foram tantos
que testemunhei.
Eu tive o
pressentimento de que meus dias na terra estavam chegando a um fim próximo
somente um pouquinho antes de minha passagem. Havia um peso em minha mente,
algo semelhante a uma sonolência, enquanto estive acamado. Muitas vezes senti a
sensação de sair flutuando e lentamente retornar. Sem dúvida, durante tais
períodos, aqueles que cuidavam do meu bem estar físico tiveram a impressão de
que, se não passasse realmente, estava caminhando rapidamente para isso.
Durante os intervalos de lucidez que tive, não experimentei sensações de
desconforto físico. Podia ver e ouvir o que acontecia em torno de mim, e podia
“sentir” a tensão mental que minha condição estava ocasionando. Mas ainda tinha
a sensação da mais extraordinária animação em minha mente. Eu sabia, com
certeza, que minha hora de passar chegara, e estava pleno de ansiedade para ir.
Não tinha medo, nenhum receio, nenhuma dúvida, nenhum arrependimento – até
então – por sair assim do mundo terreno. (Meu arrependimento chegaria mais
tarde, mas disto falaremos na ocasião correta). Tudo o que eu queria era ir-me
de vez.
Repentinamente,
senti uma grande vontade de me levantar. Não tive qualquer sensação física,
tanto como nos sonhos as sensações físicas são ausentes, mas eu estava
mentalmente alerta, entretanto meu corpo parecia contradizer tal condição.
Imediatamente a este ímpeto de me levantar, percebi que realmente estava
fazendo isto. Eu, então, descobri que os que estavam em torno de minha cama não
pareciam ter percebido o que eu estava fazendo, já que não fizeram o menor
esforço em me acudir, nem tentaram me proteger de forma alguma. Ao me voltar,
percebi então o que acontecera. Vi meu corpo físico deitado sem vida sobre a
cama, mas aqui estava eu, meu eu real, vivo e bem. Por um minuto ou dois,
fiquei observando, e o pensamento do que fazer em seguida dominou minha mente,
mas a ajuda estava próxima. Eu podia ainda ver bem claramente o quarto em torno
de mim, mas havia uma certa névoa nele, como se tivesse sido preenchido com
fumaça muito bem distribuída. Olhei para mim mesmo, imaginando o que estaria
usando como roupa, porque havia obviamente acabado de me levantar de uma cama
de enfermo e não estive em condições de me mover para longe dali. Fiquei
extremamente surpreso ao ver que usava minha roupagem usual, como a que usava
quando me locomovia livre e saudavelmente em minha própria casa. Minha surpresa
foi momentânea, já que pensava comigo mesmo, que espécie de roupagem esperava
que usasse? Certamente que não seria alguma coisa diáfana. Tal costume é
normalmente associado à idéia convencional de um anjo, e eu não necessitava
assegurar-me de que não era um deles!
O
conhecimento do mundo espiritual que pude obter pelas minhas experiências
instantaneamente veio em meu auxílio. Eu soube rapidamente da alteração que
ocorrera em minha condição; soube, em outras palavras, que havia “morrido”.
Soube, também, que estava vivo, e que afastara de mim minha última doença a
ponto de ficar em pé e olhar em torno. Em nenhum momento fiquei preocupado, mas
estava ansioso pelo que aconteceria em seguida, já que aqui eu estava,
totalmente imbuído de minhas faculdades mentais, e, sem dúvida, sentindo-me
"fisicamente" como jamais me sentira antes.
Apesar de
ter levado certo tempo para ser contado, para que fosse passado o maior número
de detalhes possível, todo o processo deve ter levado apenas alguns minutos na
contagem de tempo da terra.
Tão logo gastei este breve tempo para olhar em torno de mim e apreciar meu novo estado, vi que estava acompanhado por um antigo colega – um sacerdote – que havia passado para esta vida alguns anos antes. Cumprimentamo-nos afetuosamente, e percebi que se vestia como eu. Novamente, isso não me pareceu estranho, porque se ele estivesse vestido de outra forma, eu teria sentido que algo estava errado, já que eu somente o havia visto com as vestimentas clericais. Ele expressou seu grande prazer ao me ver novamente, e de minha parte antevi a ligação de muitos fios que haviam sido rompidos com sua “morte”.
Nos
primeiros momentos permiti que ele fizesse todo seu discurso; eu ainda não
havia me acostumado à novidade das coisas. Pois você deve se lembrar que eu
havia acabado de me levantar da cama por uma doença terminal, e que na retirada
do corpo físico eu havia também retirado de mim a moléstia, e a nova sensação
de conforto e a liberação dos males do corpo eram tão gloriosas que levou uns
momentos para que eu compreendesse totalmente. Meu velho amigo pareceu saber
logo a extensão de meu conhecimento, que eu estava consciente de ter passado
para cá, e de que tudo estava bem.
E aqui deixe-me dizer que toda a idéia de um “tribunal” ou de “dia do juízo” foi totalmente varrida de minha mente no real processo de transição. Era tudo normal e natural demais para sugerir a pavorosa provação que deveríamos passar depois da “morte”. As concepções de “julgamento” e “inferno” e “céu” pareciam hoje impossíveis. Indubitavelmente, elas eram totalmente fantasiosas, agora que me via vivo e bem, “vestindo minha mente verdadeira”, e, de fato, vestindo minhas roupagens habituais, e diante de um velho amigo, que apertava cordialmente minhas mãos, cumprimentando-me dando suas saudações, demonstrando exteriormente – e neste caso – genuínas manifestações de ter prazer em me ver, tanto quanto eu tinha prazer ao vê-lo. Ele, em si, apresentava muito boa vontade ao estar ali, dando-me as boas vindas como, no plano terrestre, dois velhos amigos fazem depois de longa separação. Isto, em si, foi suficiente para mostrar que todos os pensamentos de ser conduzido a um julgamento eram inteiramente ridículas. Nós dois estávamos tão alegres, tão felizes, tão despreocupados e tão naturais, e eu, por mim, esperava excitado por qualquer forma de revelação prazerosa sobre este mundo novo; e sabia que não poderia haver ninguém melhor que meu velho amigo para dá-la a mim. Ele disse-me que me preparasse para um número imensurável de surpresas as mais agradáveis, e que ele havia sido enviado para encontrar-se comigo em minha chegada. Como ele já sabia o limite de meus conhecimentos, assim sua tarefa era mais fácil.
Tão logo
pude dominar minha língua, depois de nosso primeiro colóquio, percebi que
falamos como sempre o fizemos na terra, isto é, simplesmente usamos nossas
cordas vocais e falamos, quase como usualmente. Não requeria pensar, e
realmente não pensei em nada. Meramente percebi que era assim. Meu amigo então
propôs que, já que não tínhamos necessidade nem éramos chamados a estar nas
imediações do meu passamento, poderíamos seguir adiante, e ele me levaria para
um “lugar” muito agradável e que havia sido aprontado para mim. Ele fez a
referência a um “lugar”, mas apressou-se em explicar que, na realidade, eu
estava indo para a minha própria casa, onde me sentiria imediatamente “em casa”.
Sem saber, então, como se procedia, ou, em outras palavras, como faria para
chegar lá, coloquei-me inteiramente em suas mãos, e era precisamente para isto,
ele me disse, que ele estava ali!
Não pude resistir ao impulso de me virar e dar uma última olhada ao quarto de minha transição. Ainda apresentava a aparência enevoada. Aqueles que inicialmente estiveram ali haviam saído, e pude me aproximar da cama e olhar para “mim mesmo”. Não fiquei nada impressionado pelo que vi, mas os restos de meu corpo físico pareciam bem plácidos. Meu amigo então sugeriu que fôssemos então, e estando de acordo, movemo-nos dali.
Conforme
partimos, o quarto gradualmente tornou-se mais enevoado, até que, sumindo de
minha visão, finalmente desapareceu. Até então, eu tinha o costume, como é
usual, de usar minhas pernas num passeio simples, mas em vista de minha última
moléstia e pelo fato de, consequentemente, eu precisar de um período de
descanso antes de me exercitar mais, meu amigo disse-me que seria melhor que
não usássemos os meios costumeiros de locomoção – nossas pernas. Então ele
pediu que segurasse sua mão firmemente e não tivesse medo de nada. Eu poderia,
se quisesse, fechar os olhos. Talvez fosse melhor, disse ele, que assim eu
fizesse. Peguei seu braço e deixei o resto com ele, como havia dito. Logo
experimentei a sensação de flutuar, como nos sonhos físicos, apesar de que este
era bem real e desprovido de qualquer dúvida a respeito de segurança pessoal. O
movimento pareceu tornar-se mais rápido conforme o tempo passava, e eu ainda
mantinha meus olhos fechados. É estranha a determinação com que se fazem as
coisas por aqui. No plano terrestre, se circunstâncias similares fossem
possíveis, quantos de nós teriam fechado os olhos em plena confiança? Aqui não
havia sombra de dúvida de que tudo estava bem, de que não havia nada a temer,
que nada de mal poderia acontecer, e que, acima de tudo, meu amigo tinha
controle completo da situação.
Depois de
um intervalo, nossa progressão de alguma forma pareceu diminuir, e pude sentir
que havia algo sólido sob meus pés. Disseram-me que abrisse meus olhos. Assim
fiz. O que vi foi minha antiga casa, onde havia morado no plano terrestre;
minha velha casa – mas com uma diferença. Era melhorada de uma forma que não
sou capaz de fazer em sua contrapartida terrena. A casa em si foi
rejuvenescida, como me pareceu num primeiro olhar, mais que restaurada, mas
foram os jardins em torno dela que me atraíram a atenção mais firmemente.
Pareciam
ser mais amplos, e estavam num estado da mais perfeita ordem e arranjo. Mas com
isso não quero dizer a ordem comum a que estamos acostumados a ver nos jardins
públicos no plano terrestre, mas que eles eram magnificamente mantidos e
cuidados. Não havia crescimento desordenado ou emaranhados de folhagem ou ervas
daninhas, mas a mais gloriosa profusão de flores maravilhosas, arranjadas de
tal forma a mostrarem-se em absoluta perfeição. Das flores em si, quando fui
capaz de observá-las mais acuradamente, devo dizer que jamais vira algo
parecido, nem suas réplicas sobre a terra, de tantas que havia lá, em plena
florescência. Numerosas pareciam ser de antigas florescências familiares, mas
de longe, na maioria pareciam ser completamente novas no meu parco conhecimento
sobre flores. Não foram apenas as flores em si e sua inacreditável variedade de
colorações soberbas que captaram minha atenção, mas a atmosfera vital da vida
eterna que elas emanavam, como eram, em todas as direções. E conforme alguém se
aproximava de qualquer grupo em particular de flores, ou mesmo de qualquer um
botão, parecia que emanavam grandes correntes de poder energizante, que elevava
espiritualmente a alma e lhe dava força, enquanto os perfumes celestes que exalavam
eram tais, que nenhuma alma vestida em seu manto de carne jamais experimentou.
Todas estas flores eram vivas e respiravam, e eram, como informou meu amigo,
incorruptíveis.
Havia
outro fato espantoso que percebi quando delas me aproximei, era o som de música
que as envolvia, fazendo suaves harmonias conforme correspondiam exata e
perfeitamente com as cores lindas das flores em si. Temo que eu não seja
suficientemente culto, musicalmente, para poder lhe dar uma explanação técnica
do som neste fenômeno maravilhoso, mas espero trazer a você alguém com
conhecimento neste campo, que seja capaz de aprofundar a explicação com mais
precisão. Basta por agora, então, dizer que estes sons musicais estavam em
consonância com tudo o que havia visto até então – que era muito pouco – e que
em todos os lugares havia harmonia perfeita.
Eu já
estava de tal forma cônscio do efeito revitalizante deste jardim celestial que
fiquei ansioso em conhecer mais dele. E assim, na companhia de meu velho amigo,
sobre quem eu me apoiava para ter informações e aconselhamentos, andei pelas
alamedas do jardim, pisei a primorosa grama, cuja elasticidade e maciez faziam
o passeio comparável a um “passeio nas nuvens”; e tentei compreender que esta
superlativa beleza era parte de minha própria casa.
Havia
árvores esplêndidas para serem vistas; nenhuma delas era mal formada como
estamos acostumados a ver na terra, mas não havia sinal de uma estrita
uniformidade de padrão. Simplesmente, cada árvore estava crescendo sob
condições perfeitas, livre de rajadas de ventos que dobram e torcem os galhos
novos, e livre de ser atacada por insetos e das muitas outras causas de
deformidades das árvores da terra. Como as flores, também eram as árvores: Elas
vivem para sempre, incorruptíveis, sempre cobertas com sua manta de folhas de
todos os tons de verde, e sempre emanando vida a todos os que se aproximam
delas.
Eu observei
que elas não pareciam ter o que normalmente chamaríamos de sombra abaixo delas,
tampouco não parecia haver sol escaldante. Parecia que havia uma radiação de
luz que penetrava em cada canto, mas mesmo assim não havia indício de planura.
Meu amigo contou-me que toda luz vinha diretamente do Doador de toda luz, e que
esta luz era divina como Ele, e que banhava e iluminava a totalidade do mundo
espiritual onde viviam os que tinham espiritualmente olhos para ver.
Percebi,
também, que um calor confortável invadia cada polegada do espaço, um calor tão
constante quanto perfeitamente sustentado. O ar tinha uma imobilidade, mas
havia uma leve brisa perfumada – o mais verdadeiro zéfiro – que de forma alguma
alterava o delicioso bálsamo da temperatura.
E aqui, deixe-me contar aos que não se importam muito com ‘perfumes’ de nenhuma espécie: Não se desapontem quando lerem estas palavras, e saibam que não seria o céu a vocês, se houvesse alguma coisa que não gostassem. Esperem, digo eu, até que testemunhem estes fatos, e sei que então terão outra opinião sobre eles.
Tenho
mencionado tudo com bastantes detalhes porque estou certo de que há muita gente
que quer saber sobre tudo isto.
Fiquei assombrado
pelo fato de não haver nem sinal de muros, sebes ou cercas; na verdade nada,
até onde pude ver, que demarque onde começa ou termina. Disseram-me que tais
coisas, como limites, não eram necessárias, porque cada pessoa sabia
instintivamente, sem sombra de dúvida, exatamente onde seu jardim terminava.
Não havia, portanto, nenhuma intrusão nos terrenos de outros, apesar de serem
todos abertos a qualquer um que quisesse atravessá-los ou por ali ficar. Eu era cordialmente bem vindo onde quer que
eu fosse, sem medo de estar me intrometendo na privacidade de outrem.
Disseram-me que eu deveria descobrir que essa era a regra por aqui, e que não
deveria agir diferentemente a respeito dos outros que passeassem em meu jardim.
Eu descrevi exatamente meus sentimentos daquele instante, pois desejava, ali e
naquela hora, que todos os que quisessem pudessem visitar meu jardim e apreciar
suas belezas. Pessoalmente não tinha conotação de propriedade, apesar de eu
saber que era meu, para ser “assumido e cuidado”. E é precisamente essa a
atitude de todos aqui – possuir algo e compartilhar ao mesmo tempo.
Ao
observar o maravilhoso estado de preservação e todos os cuidados com os quais o
jardim era mantido, perguntei ao meu amigo sobre o gênio que cuidava dele tão
assiduamente e com estes resultados tão esplêndidos. Depois de responder à
minha pergunta, ele sugeriu que, como eu era recém-chegado ao mundo espiritual,
seria bom que eu repousasse, ou eu não conseguiria cumprir minha visitação,
afinal. Propôs, portanto, que eu encontrasse um local agradável – usava tais
palavras em termos comparativos, porque tudo por ali era mais que agradável –
onde poderíamos nos sentar e então ele me exporia uma ou duas das muitas
questões que se apresentaram a mim no curto espaço de tempo desde que eu havia
passado a ser espírito.
Passeamos,
portanto, até encontrarmos um local muito bonito, entre os ramos de uma árvore
magnífica, de onde visualizávamos uma boa parte da paisagem do campo, cujo
verde tão rico ondulava diante de nós e se estendia para longe. Todo o cenário
estava banhado de um glorioso e celestial brilho do sol, e percebi que havia
muitas casas, de muitos estilos, pitorescamente situadas, como a minha, entre
árvores e jardins. Deitamo-nos na relva macia, e me espreguicei profundamente,
sentindo-me como se estivesse na mais fina das camas. Meu amigo perguntou-se se
eu estava cansado. Eu não tinha a sensação normal de cansaço terreno, mas de
alguma forma ainda sentia a necessidade de um relaxamento corporal. Ele
contou-me que minha última doença era a causa desta minha vontade, e que se eu
quisesse poderia passar por um estado de sono completo. Absolutamente, não
sentia necessidade disso naquele instante, e disse-lhe que preferia ouvi-lo
falar. E ele começou.
“Aquilo
que o homem semear”, disse, “ele colherá”. Estas poucas palavras descrevem
exatamente o grandioso processo eterno pelo qual tudo o que você vê aqui,
realmente diante de você, foi concretizado. Todas as árvores, as flores, os
bosques, também as casas que são os lares felizes de gente feliz – tudo é o
resultado visível de “tudo que o homem semear”. Este plano, onde eu e você
habitamos agora, é o plano da grande colheita, cujas sementes foram plantadas
no plano terrestre. Todos os que aqui habitam conquistaram por si mesmos precisamente
a habitação que receberam através de seus atos na terra.
Realmente eu estava percebendo muitas coisas, a principal delas, e que me tocava mais intimamente, era a atitude adotada, totalmente errada, pela religião em relação ao mundo espiritual. O fato verdadeiro estava ali onde eu estava, constituído de uma completa refutação de tanta coisa que pensei e sustentei durante minha vida sacerdotal na terra. Eu podia ver volumes de ensinos ortodoxos, credos e doutrinas desaparecendo, porque não têm base, porque não são verdadeiras, e porque não têm uso nem no eterno mundo espiritual nem para o grande Criador e Sustentador dele. Agora podia ver claramente o que antes era nebuloso, que a ortodoxia é feita pelo homem, mas que o Universo é dádiva de Deus.
Meu amigo continuou a descrever quem eu encontraria morando nas casas que podíamos ver de onde estávamos deitados, toda sorte de pessoas e condições; pessoas cujos pontos de vista religiosos também eram variados quando estavam na terra. Mas um dos grandes fatos da vida espiritual é que as almas são, no instante que passaram para a vida espiritual, exatamente as mesmas do instante anterior. Os arrependimentos do leito de morte não contam, já que a maioria deles nada mais é do que covardia nascida do medo do que está por acontecer – um medo do inferno teologicamente erigido, arma útil no arsenal eclesiástico e que talvez tem causado mais sofrimento por sua vez que muitas outras doutrinas errôneas. Os credos, então, não fazem parte do mundo dos espíritos, mas porque as pessoas levam com elas todas as suas próprias características ao mundo espiritual, os partidários fervorosos de alguma religião continuarão a praticá-la no mundo espiritual até o tempo em que suas mentes tornem-se espiritualmente iluminadas. Temos aqui, como amigos me informaram, - encontrei muitos deles por aqui – comunidades inteiras ainda praticando sua antiga religião terrena. O fanatismo e os preconceitos estão ali, religiosamente falando. Eles não prejudicam, exceto a si mesmos, desde que mantenham tais assuntos entre si. Não há coisas como fazer adeptos, por aqui.
Se fosse o
caso, então, suponho que nossa própria religião estivesse bem representada
aqui. Realmente, estava! As mesmas cerimônias, o mesmo ritual, as mesmas velhas
crenças, tudo é levado adiante com o mesmo zelo desperdiçado – em igrejas
erigidas a propósito. Os membros destas comunidades sabem que desencarnaram, e
pensam que parte de suas recompensas celestiais é continuar com suas formas de
adoração feitas por homens. Assim continuarão até que venha o tempo de um
despertar espiritual. Nunca haverá pressão sobre essas almas; sua ressurreição
mental deverá vir por si mesmos. Quando acontece, experimentarão pela primeira
vez o significado real de liberdade.
Meu amigo prometeu que, se eu quisesse, poderíamos visitar algumas corporações religiosas mais tarde, mas, sugeriu, haveria muito tempo e seria melhor que, antes de mais nada, eu me acostumasse à nova vida. Ele havia deixado sem resposta, até então, minha pergunta sobre quem seria a alma gentil que cuidava tão bem de meu jardim, mas leu meu pensamento não pronunciado, e voltou ao tema.
Tanto a casa como o jardim, disse-me, eram a colheita que fiz por mim mesmo durante minha vida na terra. Tendo ganhado o direito de possuí-los, eu os construí com a ajuda de almas generosas que usam suas vidas no mundo espiritual em atos de bondade, servindo aos outros. Não somente era seu trabalho, mas ao mesmo tempo era-lhes verdadeiro prazer. Freqüentemente tal serviço é assumido e cumprido por aqueles que, na terra, eram especialistas nisso, que amavam o que faziam. Aqui podem continuar com sua ocupação sob certas condições que apenas o mundo espiritual pode oferecer. Tais tarefas trazem-lhes recompensas espirituais, apesar de que o pensar em recompensas não está nas mentes de quem as cumpre. O desejo de servir aos outros sempre se sobrepõe.
O homem
que ajudou a tornar realidade este lindo jardim era um amante da jardinagem no
plano terrestre, e, como pude ver por mim mesmo, também era um expert. Mas uma
vez que o jardim era criado, não havia a necessidade da labuta incessante para
mantê-lo, como nos grandes jardins da terra. É a constante deterioração, as
pressões das tempestades e dos ventos, e várias outras causas que demandam
trabalho na terra. Aqui nada deteriora, e tudo o que cresce o faz sob as mesmas
condições nas quais existimos. Contaram-me que o jardim praticamente não
requeria atenções, como as que conhecemos, e que nosso amigo jardineiro ainda o
manteria sob seus cuidados se eu assim o desejasse. Longe de apenas querer
isso, expressei meu desejo de que ele realmente o fizesse. Expressei minha
gratidão pelo seu lindo trabalho e desejei poder encontrá-lo para
transmitir-lhe meus sinceros agradecimentos e apreciações. Meu amigo explicou
que isso era simples, e a razão por que eu ainda não o tinha encontrado era o
fato de ser recente a minha chegada e ele não se intrometeria até que eu me
sentisse em casa.
Minha
mente voltou-se novamente à minha ocupação enquanto estive na terra, a condução
do serviço diário e todas as outras obrigações de um pastor da Igreja. Como
tais ocupações, no que me concernia, não eram mais necessárias, confundia-me
imaginar que futuro imediato estaria reservado para mim. Fui novamente
relembrado de que teria tempo suficiente para ponderar sobre tal tema, e meu
amigo sugeriu que eu descansasse e o acompanhasse em algumas visitas de
inspeção – havia muito o que ver e muita coisa que eu consideraria mais que
surpreendente. Havia também inúmeros amigos que esperavam encontrar-me depois
de longa separação. Ele acabou com minha ânsia de começar ao pedir que
descansasse primeiro, e para tal propósito, que melhor lugar, se não a minha
própria casa?
Segui seu conselho, portanto, e voltamos para casa.