IX. OS REINOS TREVOSOS
Ao vermos de perto, ficou claro que estas
habitações nada mais eram que choupanas. Tristes de se ver, mas era
infinitamente mais triste encarar que eram os frutos da vida dos homens na
terra. Não entramos em nenhuma destas cabanas – eram por demais repulsivas por
fora, e em nada seríamos úteis agora se entrássemos. Em vez disso, Edwin
deu-nos alguns detalhes.
Alguns dos habitantes, disse, moram aqui, ou
por aqui, ano após ano – segundo a contagem de tempo da terra. Eles não tinham
o senso de tempo, e sua existência era uma indefinida permanência na escuridão,
por culpa unicamente deles mesmos. Muitos eram as boas almas que penetraram
nestes tipos de planos para tentar efetivar uma retirada das trevas. Alguns
haviam sido bem sucedidos; outros, não. O sucesso não depende tanto do
socorrista, mas mais do socorrido. Se este último não apresentar nem um
vislumbre de luz em sua mente, nem um desejo de dar um passo adiante na estrada
espiritual, então nada, literalmente nada, pode ser feito. O desejo deve sair de
dentro da alma caída. E quão baixo alguns deles caíram! Não deve se supor que
aqueles que, no julgamento dos da terra, caíram espiritualmente, tenham-no
feito tão baixo. Muitos nem caíram de fato, mas são, no cerne da questão, almas
merecedoras cujo galardão os espera aqui.
Por outro lado, há os que em suas vidas
terrenas praticaram horrores espiritualmente, apesar de que, exteriormente,
foram sublimes; cuja profissão religiosa outorgada por um colarinho romano foi
tomada como sinônimo de espiritualidade. Zombaram de Deus em suas vidas
santarronas na terra, onde viveram em vazias encenações de santidade e bondade.
Aqui se encontram, revelados pelo que são. Mas o Deus a Quem zombaram por tanto
tempo não pune. Eles punem-se a si mesmos!
As pessoas que moram nestes casebres pelos
quais passamos não eram, necessariamente, os que na terra teriam cometido algum
crime aos olhos do povo da terra. Havia muitos que, sem terem feito nenhum mal,
jamais fizeram um bem sequer a um simples mortal sobre a terra. Pessoas que
viveram sempre para si mesmas, sem um pensamento dirigido aos outros, tais
almas constantemente harpejam o refrão que jamais fizeram o mal a alguém. Mas
prejudicaram a si próprios.
Como as esferas mais altas criaram todas as
belezas daqueles reinos, aqui os habitantes destas esferas inferiores
construíram as condições intimidantes de sua vida espiritual. Não havia luz
nestes reinos mais baixos; nenhum calor, vegetação, nem belezas. Mas há
esperança - esperança de que cada espírito dali queira evoluir. É poder de cada
um, fazê-lo, e nada há em seu caminho, a não ser ele mesmo. Pode levar
incontáveis milhares de anos para elevarem-se espiritualmente em uma só
polegada, mas já uma polegada na direção certa.
O pensamento inevitavelmente veio em minha
mente, sobre a doutrina da eterna condenação, tão amada pelas religiões
ortodoxas, e dos fogos do assim chamado inferno. Se o lugar em que estávamos
agora pudesse ser chamado de inferno - e sem dúvida seria pelos teologistas -
então certamente não havia evidências de fogo, ou calor de qualquer espécie. Ao
contrário, não havia nada sem ser uma fria e escura atmosfera. Espiritualidade
significa calor no mundo espiritual; falta de espiritualidade significa frio.
Toda a fantástica doutrina do fogo do inferno – um fogo que arde, mas nunca se
consome – é uma das mais ultrajantes doutrinas estúpidas e ignorantes que foi
inventada por clérigos igualmente estúpidos e ignorantes. Quem realmente a
inventou, ninguém sabe, mas é fortemente mantida como uma doutrina pela igreja.
Mesmo o menor conhecimento do mundo espiritual revela a impossibilidade disso,
porque é contra as verdadeiras leis da existência espiritual. Isso, no que
concerne no sentido literal. Que dizer da blasfêmia chocante que isso envolve?
Quando Edwin, Ruth e eu estivemos na terra,
tínhamos que crer que Deus, o Pai do Universo, pune, realmente pune pessoas,
condenando-as a arder em chamas do inferno pela eternidade afora. Poderia haver
caricatura mais grotesca de Deus, do que aquela que a ortodoxia professa idolatrar?
As igrejas – de qualquer denominação – construíram uma concepção monstruosa do
Celeste Pai Eterno. Por um lado, fizeram d’Ele uma montanha de corrupção à boca
pequena, gastando enormes quantias de dinheiro para erigir igrejas e capelas
para Sua ‘glória’, fingindo uma contrição submissa por tê-Lo ofendido, ao
declarar que temem-No – temem Aquele que é todo Amor! Por outro lado, temos o
quadro de um Deus Que, sem a menor compunção, atira pobres almas humanas numa
eternidade do pior de todos os sofrimentos – queimar nas chamas que são
inextinguíveis.
Somos ensinados a implorar com desenvoltura
pelo perdão de Deus. O Deus da igreja é um Ser de humores extraordinários. Deve
ser continuamente aplacado. Não é certo que, ao termos implorado o perdão, vamos
consegui-lo. Ele deve ser temido – porque pode atirar sua vingança sobre nós a
qualquer momento; jamais sabemos quando Ele fará isso. Ele é vingativo e jamais
perdoa. Manda tantas trivialidades que estão incorporadas nas doutrinas e
dogmas da igreja, que logo expõe não uma grande mente, mas pequena. Fez o portal
para a ‘salvação’ tão estreito, que poucos, muito poucos estarão aptos a
atravessá-lo. Construiu no plano terreno uma vasta organização conhecida como
“a Igreja”, para ser a única depositária da verdade espiritual – uma
organização que não sabe praticamente nada do modo de vida no mundo espiritual,
mesmo assim ousa colocar leis aos encarnados, ousa dizer o que está na mente do
Grande Pai do Universo, e ousa desacreditar Seu Nome ao conferir a Ele atributos
que jamais poderia possuir. O que tais mentes bobas e insignificantes sabem do
Grande e Onipotente Pai de amor? Vejam bem! – de amor. Então, relembremos todos
os horrores que já enumerei. E mais uma vez. Encaremos isso: um céu com tudo
que é lindo; um céu de mais belezas que a mente de um homem poderia
compreender; um céu do qual tentei descrever um mínimo fragmento, onde tudo é
paz, benevolência e amor entre os companheiros. Todas essas coisas são
construídas pelos habitantes destes reinos, e são sustentadas pelo Pai do Céu
em Seu amor pela humanidade.
Que dizer dos reinos inferiores – os lugares
trevosos que agora estamos visitando? É por os estarmos visitando que comecei a
falar desta maneira, porque ao estar nesta escuridão conscientizei-me da única
grande realidade da vida eterna, que as esferas mais altas dos céus estão ao
alcance de todas as almas mortais, isto é, nascidas na terra. A potencialidade
para a progressão é ilimitada, e é o direito de cada espírito. Deus não condena
ninguém. O Homem condena-se a si mesmo, mas não o faz eternamente, dá um
repouso, e é quando se move para adiante, espiritualmente. Todos os espíritos
odeiam os planos inferiores pela tristeza que há lá, e por outra razão. E por
esta razão, grandes organizações existem para ajudar cada alma que ali habita a
sair de lá, em direção à luz. E este trabalho continua através dos tempos
incontáveis, até que a última alma seja trazida para fora destes lugares
horrendos, e finalmente tudo esteja como o Pai do Universo queria que estivesse.
Temo que isso tenha sido uma longa
digressão, portanto, voltemos às nossas viagens. Devem se lembrar a minha
menção aos muitos perfumes e cheiros celestiais que vêm das flores e que
flutuam no ar. Aqui, nestes reinos inferiores, acontece justamente o contrário.
Nossas narinas primeiramente foram invadidas pelos odores mais asquerosos,
odores que nos lembraram o cheiro de carniça na terra. Eram nauseantes, e temi
que fossem insuportáveis para Ruth – e sem dúvida para mim, mas Edwin
advertiu-nos para que tratássemos isso da mesma forma com que mascaramos a
baixa temperatura – simplesmente fechando nossa mente a isso – e ficaríamos
quase sem pensar em sua existência. Apressamo-nos a fazer isso, e obtivemos
sucesso perfeitamente. Não é somente a ‘santidade’ que tem seu odor!
Em nossos passeios através de nossos reinos,
podemos aproveitar todas as incontáveis delícias e belezas, juntamente com as
alegres conversas de seus habitantes. Aqui, nos planos trevosos, tudo é deserto
e desolado. O grau bastante baixo de luminosidade lança uma névoa por toda
região. Ocasionalmente, podíamos ver de relance faces de alguns infelizes,
enquanto passávamos. Alguns eram, indubitavelmente, maldosos, mostrando a vida
de vícios que tiveram na terra; alguns revelavam a miséria, a avareza, a besta
bruta. Havia pessoas aqui de todas as camadas sociais da vida terrena, desde os
tempos atuais, até lá para os séculos passados. E aqui há uma conexão com nomes
que podiam ser lidos naquelas verdadeiras histórias das nações na biblioteca
que visitamos em nosso plano. Edwin e seu amigo disseram-nos que ficaríamos
intimidados com o catálogo de nomes, bem conhecidos da história, de pessoas que
estavam vivendo aqui nas profundezas, nestas regiões infestas – homens que
perpetraram vilanias e atos maldosos em nome da sagrada religião, ou pela
ganância desprezível por bens materiais. De muitos desses infelizes não se
podia aproximar, e ficariam assim – talvez por inúmeros séculos mais – até que,
por sua própria vontade ou esforço, movam-se avidamente na direção da luz do
progresso espiritual.
Podíamos ver, conforme andávamos, bandos de
almas parecendo dementes a caminho de algum intento maldoso – se pudessem achar
o caminho para tanto. Seus corpos externavam as mais repulsivas e horríveis
malformações e distorções, o reflexo absoluto de suas mentes malvadas. Muitos
deles pareciam velhos, e disseram-me que, apesar de que talvez tais espíritos
estejam ali por muitos séculos, não era a passagem do tempo que mexera em suas
faces, mas suas mentes doentias.
Nas esferas mais elevadas, a beleza das
mentes rejuvenesce as feições, tira os sinais dos problemas e sofrimentos da
terra, a apresentam aos olhos o estado físico do desenvolvimento físico que, no
período de nossas vidas na terra, chamávamos de ‘flor da idade’.
Os vários sons que ouvíamos combinavam com
os arredores medonhos, desde roucas risadas enlouquecidas, até o grito agudo de
alguma alma atormentada – tormento infligido por outros tão malvados quanto ele
mesmo. Uma ou duas vezes, vieram falar conosco uns mais corajosos que estavam
ali em alguma tarefa de ajudar estes mortais aflitos. Ficaram felizes em nos
ver e conversar conosco. Podíamos vê-los na escuridão, e eles podiam nos ver,
mas estávamos invisíveis para os demais, já que providenciamos essa mesma
proteção para os planos tenebrosos. No nosso caso, Edwin estava tomando conta
de todos nós coletivamente, como recém chegados, mas aqueles cuja vida é
dedicada ao socorro tinham, cada um, seus meios próprios de proteção.
Se qualquer sacerdote – ou teólogo – pudesse
ao menos vislumbrar as coisas que Edwin, Ruth e eu vimos por aqui, nunca mais
diria, enquanto vivesse, que Deus, Pai de Amor, condena qualquer mortal a tais
horrores. O mesmo sacerdote, vendo esses lugares, não condenaria ninguém a ele.
Seria ele mais bondoso ou misericordioso que o Pai de Amor? Não! É o homem que
se qualifica para este estado de existência depois que passa ao mundo
espiritual.
Quanto mais eu via dos planos trevosos, mais
percebia quão fantasioso é o ensino da igreja ortodoxa à qual pertenci quando
na terra, sobre o local denominado inferno eterno, a ser governado por um
Príncipe das Trevas, cujo único desejo é trazer todas as almas ao seu domínio,
e de quem não há como escapar, uma vez tendo adentrado em seu reino. Haveria
uma entidade como esse Príncipe das Trevas? Deveria haver, concebivelmente, uma
alma infinitamente pior que todas as outras, talvez fosse chamado assim, e por
isso seria considerado o verdadeiro Rei do Mal. Edwin nos contou que não existe
a menor evidência de tal personagem. Houve os de esferas mais elevadas que
vasculharam cada polegada dos reinos inferiores, e não descobriram tal ser.
Também houve os que têm sabedoria prodigiosa, e que positivamente afirmaram que
a existência de tal personagem não tem fundamento, de fato. Sem dúvida, há
muitos que, coletivamente, são muito mais maldosos que seus companheiros de
escuridão. A idéia de que um Rei do Mal exista, com a função direta de fazer
oposição ao rei dos Céus, é estúpida; é primitiva, senão bárbara. O Diabo, como
um indivíduo solitário não existe, mas uma alma malvada pode ser chamada de
diabo e, neste caso, há muitos e muitos diabos. É essa fraternidade, de acordo
com os ensinos da ortodoxia da igreja, que constitui o único elemento do
regresso do espírito. Podemos dar risadas pelos absurdos de tais ensinamentos.
Não é novidade alguns maravilhosos e ilustres espíritos serem chamados de
diabo! Ainda mantemos nosso senso de humor, e nos diverte bastante, algumas
vezes, ouvir algum pastor estúpido, cego espiritualmente, pregar que sabe sobre
as coisas do espírito, das quais ele é, na realidade, totalmente ignorante. Os
espíritos têm costas largas, e podem suportar o peso de tal lixo falacioso sem
sentir nada a não ser pena destas almas cegas.
Não é minha intenção em dar mais detalhes
destes reinos trevosos. Pelo menos, não agora. O método da igreja de
aterrorizar as pessoas não é o método do mundo espiritual. É bastante que
enfatizemos as belezas do mundo espiritual, e tentemos mostrar algo das glórias
que esperam cada alma quando sua vida terrena terminar. Fica a cargo de cada
um, individualmente, este lindo reino ser atingido mais cedo, ou mais tarde.
Consultamo-nos uns aos outros, e decidimos
que seria bom retornarmos ao nosso reino. E assim fizemos nosso caminho de
volta às terras de névoa, passamos por ali rapidamente, e mais uma vez chegamos
ao nosso celestial plano, com o ar cálido e balsâmico a nos envolver. Nosso
novo amigo dos reinos trevosos deixou-nos aí, depois de expressarmos nossos
agradecimentos por seus bondosos serviços.
Pensei que era bem tempo de ir até minha casa dar uma espiada, e pedi
que Ruth e Edwin me acompanhassem, já que não queria estar sozinho, nem ficar
separado de suas companhias agradáveis. Ruth não tinha visto minha casa ainda,
mas tinha imaginado – como disse – como ela seria. E pensei que um pouco de
fruta do jardim seria agradável depois de nossa visita – curta como o
pensamento – aos reinos inferiores.
Tudo em casa estava em perfeita ordem – como
eu a tinha deixado para ir aos nossos passeios – como se houvesse alguém
permanentemente tomando conta dela. Ruth expressou sua aprovação para tudo o
que viu, e congratulou-me a respeito da escolha da casa.
Em resposta às minhas perguntas quanto à
agência invisível responsável pela ordem na casa durante minha ausência, Edwin
respondeu-me fazendo uma pergunta: o que havia para perturbar a ordem da casa?
Não pode haver poeira, porque não há decadência de nenhuma forma. Não pode
haver sujeira, porque aqui, no mundo espiritual, não há quem a cause. Os
cuidados caseiros, que são tão familiares e tão cansativos no plano terreno,
aqui não existem. A necessidade de prover o corpo com comida foi abandonada
quando abandonamos nosso corpo físico. Os adornos da casa, como quadros e
tapeçarias, jamais precisam de renovo, porque não perecem. Perduram até que
desejemos dispensá-los por outras coisas.
Então, o que sobra que requeira atenção? Temos, portanto, apenas que
sair de nossas casas deixando portas e janelas abertas – nossas casas não têm
trancas e podemos retornar quando quisermos – para encontrar e ver que tudo
está como deixamos. Podemos achar alguma diferença, alguma melhora. Podemos
descobrir, por exemplo, que algum amigo apareceu enquanto estivemos fora, e
deixou-nos algum presente, algumas flores maravilhosas, talvez, ou algum outro
toque de carinho. Por outro lado, descobrimos que nossa própria casa
convida-nos a sermos bem-vindos, renovando nosso sentimento de estarmos ‘em
casa’.
Ruth passeou sozinha por toda a casa – não
temos formalidades estúpidas por aqui, e ofereci a ela que fizesse da casa como
sua o quanto quisesse, e que fizesse o que lhe agradasse. O estilo antigo da
arquitetura apelava por sua veia artística, e ela deleitou-se com os antigos
painéis de madeira e os entalhes – o entalhe era meu adorno – de épocas
passadas. Ela chegou até a minha pequena biblioteca, e ficou interessada em ver
meus trabalhos entre os outros nas prateleiras. Um livro, em particular,
atraiu-a, e estava folheando-o quando cheguei. Só o título já revelava muito
para ela, como disse, e então pude sentir sua suave simpatia chegando até mim,
quando ela soube qual era minha grande ambição, e ofereceu-me toda a ajuda que
pudesse dar no futuro, quanto à realização desta ambição.
Assim que ela completou a revisão da casa,
seguimos para a sala de estar, e Ruth fez a Edwin uma pergunta que estive
querendo fazer há algum tempo: Em algum lugar tem mar? Se havia lagos e rios,
então talvez houvesse mar! A resposta de Edwin encheu-a de alegria: Claro,
temos a praia – e é linda também! Ruth insistiu em ser logo conduzida até lá e,
com a guarda de Edwin, partimos.
Logo estávamos passeando ao longo de um
lindo trecho de campo aberto com a grama parecendo um tapete de veludo verde
sob nossos pés. Não havia árvores, mas havia vários tufos de lindos arbustos,
e, claro, cheio de flores nascendo por toda parte. Finalmente, chegamos a uma
ladeira e sentimos que o mar deveria estar além dela. Uma caminhada curta nos
trouxe até o topo do campo gramado, e então o mais glorioso panorama oceânico
descortinou-se diante de nós.
A visão era simplesmente magnificente.
Jamais esperei ver tal mar. Sua coloração era a mais perfeita reflexão do azul
do céu acima, e mais, refletia uma miríade das cores do arco-íris a cada menor
onda. A superfície da água estava calma, mas sua calma de forma alguma
implicava que a água estivesse sem vida. Não há coisas como água estagnada ou
sem vida por aqui. De onde estávamos, podia-se ver ilhas de tamanho
considerável à distância – ilhas que pareciam muito atrativas e que deveriam
ser visitadas! Abaixo de nós havia uma faixa estreita de praia, onde podíamos
ver pessoas sentadas à beira da água, mas não havia sinais de estar lotada. E
flutuando sobre esse mar soberbo, perto, à mão – alguns mais distantes – havia
os mais lindos barcos, apesar de eu achar que não estou fazendo justiça
chamando-os meramente de barcos. Iates seria mais apropriado. Imaginei quem
seria o proprietário dessas finas embarcações, e Edwin disse-nos que poderíamos
tê-las, se desejássemos. Muitos dos proprietários moravam ali, não tendo outra
casa senão o seu barco. Não fazia diferença. Poderiam viver ali sempre, pois
aqui temos um eterno verão.
Uma curta caminhada por uma estradinha
sinuosa trouxe-nos à arenosa beira do mar. Edwin informou-nos que era um oceano
limpo, e que em nenhum lugar era muito fundo, comparando-se com os mares
terrestres. Sendo impossíveis as tempestades de vento por aqui, a água estava
sempre suave, e como todas as águas deste reino, tinha uma temperatura agradável
que não fazia os banhistas sentirem frio, ou mesmo arrepios. Era, claro,
perfeitamente flutuante, não tendo nenhum elemento ou característica que
ferisse, mas, ao contrário, era sustentador vital. Tomar banhos em suas águas
era experimentar uma perfeita manifestação de força espiritual. A areia sobre a
qual estávamos andando não dava nenhuma má impressão associada com as praias do
plano terrestre. Não cansava andar nela. Apesar de que tinha toda a aparência
de areia como sempre a conhecemos, ao trato era firme em consistência, apesar
de macia ao toque das mãos. De fato, esta qualidade peculiar fazia parecer um
gramado bem tratado ao se andar, de tão próximos que eram os grãos. Enchemos as
mãos de areia, e deixamos que corresse pelos dedos, e grande foi a nossa
surpresa ao vermos que não as deixava arenosas, mas ao toque aproximava-se a um
macio e suave pó. Ao ser examinada bem de perto, era sem dúvida sólida. Era um
dos fenômenos mais estranhos que eu já tinha visto até então. Edwin disse que
era por termos feito, neste caso em particular, um exame mais minucioso daquilo
a que fôramos apresentadas até então. Acrescentou que se tivéssemos escolhido
fazer um escrutínio cuidadoso de tudo o que víramos, fosse o chão por onde
andamos, a substância de que era feita nossas casas, ou mil e um outros objetos
que perfazem o mundo espiritual, estaríamos vivendo um contínuo estado de
surpresa, e teríamos tido a revelação de que tínhamos apenas uma pequena idéia
– mas somente uma pequena idéia – da magnitude da Grande Mente – A Maior Mente
do Universo – que sustenta este e todos os outros mundos. Na verdade, os
grandes cientistas do plano terrestre descobrem, quando vêm morar no plano
espiritual, que eles têm um mundo completamente novo sobre o qual começar um
novo curso de investigações. Começam como se fosse do nada, mas com suas
experiências terrenas por trás. E que alegria têm, em companhia de seus colegas
cientistas, ao sondar os mistérios do mundo espiritual, ao coletar os dados,
comparar o novo conhecimento com o antigo, registrá-los para o benefício de
outros e dar os resultados de suas investigações e descobertas. E, para tanto,
eles têm os recursos ilimitados do mundo espiritual para usar. E há alegria em
seus corações.
Nosso pequeno experimento com a areia levou-nos
a colocar nossas mãos no mar. Ruth mal esperava para testar se era salgada, mas
não, para sua surpresa. Até onde pude observar, ela não tinha gosto de nada!
Era um mar mais em virtude de sua grande área e as características das terras
adjacentes, do que outra coisa. Em
outros aspectos, assemelhava às águas dos regatos e lagos. Em aparência geral,
o efeito era totalmente diferente aos oceanos terrestres, devido, entre outras
coisas, ao fato de que não havia um sol para dar sua luz de um lado somente,
para causar a mudança de aspecto conforme a direção da sua luz mudasse. A
emanação de luz da grande fonte central de luz no mundo espiritual, constante e
imutável, dá-nos um dia perpétuo, mas não se deve achar que esta constância e
imobilidade da luz signifiquem uma terra monótona ou sem mudanças – ou um local
beira-mar. Há mudanças acontecendo o tempo todo; mudanças de cor como jamais o
homem sonhou – até que venha para o mundo espiritual. Os olhos de um espírito
podem ver tantas coisas lindas no mundo espiritual que os olhos dos encarnados
não podem – a menos que sejam dotados com a visão espiritual.
Queríamos muito visitar uma das ilhas que
podíamos ver à distância, mas Ruth sentia que seria uma boa experiência viajar
sobre o mar numa destas finas embarcações que estavam perto da praia. Mas
surgiu uma dificuldade – isto é, parecia que podia surgir – quanto ao barco.
Se, como eu tinha entendido, estes eram particulares, deveríamos primeiramente
conhecer algum dos proprietários. Edwin, entretanto, podia ver o quanto Ruth
queria andar sobre as águas, e logo explicou a posição exata - para sua alegria
sem limites.
Parecia que um destes barcos elegantes
pertencia a um amigo dele, mas, por outro lado, poderíamos ser bem vindos a
bordo em qualquer um deles, apresentando-nos – se quiséssemos observar esta
formalidade, já que era desnecessária – a quem encontrássemos a bordo. Já não tínhamos recebido, onde quer que
tivéssemos ido, aquela recepção amistosa e a segurança de que éramos
bem-vindos? Então, não deveria haver qualquer obstáculo, no caso dos barcos no
mar, à fundamental regra de hospitalidade que vigora no mundo espiritual. Edwin
dirigiu nossas atenções para um lindo iate que estava ancorado perto da praia.
De onde estávamos, parecia que era dos mais cuidados – nossa opinião depois foi
confirmada. Era construído em linhas graciosas, e a grande proa prometia grande
poder e velocidade; parecia muito igual a um iate da terra, isto é,
externamente.
Edwin enviou uma mensagem ao proprietário, e
em resposta recebeu um convite instantâneo, extensivo a todos nós. Portanto,
não gastamos mais tempo, e vimo-nos no deck deste lindo iate, sendo
cumprimentados com grande alegria por nosso anfitrião que, imediatamente,
levou-nos para apresentar-nos à sua esposa. Ela era muito agradável, era
bastante claro de se ver que os dois formavam um casal perfeito. Nosso
anfitrião podia ver que Ruth e eu estávamos bastante ansiosos para conhecer o
barco, e sabendo pelo Edwin que não éramos antigos no mundo espiritual, teve
mais prazer em nos mostrar.
Nossas primeiras observações de perto
mostraram-nos que muitos dispositivos e ajustes que são essenciais nos barcos
da terra aqui eram ausentes. Este agregado indispensável, a âncora, por
exemplo. Não havendo ventos, marés ou correntes nas águas espirituais, uma
âncora torna-se supérflua, apesar de que nos disseram que alguns proprietários
de barcos têm-nas meramente como enfeites, e porque não sentem que seus
veleiros estariam completos sem elas. Havia espaço sem limites no deck, com uma
grande quantidade de cadeiras longas muito confortáveis. Embaixo do deck havia
salões e espreguiçadeiras. Eu podia ver que Ruth estava desapontada porque não
achava nenhuma evidência de motor que impulsionasse a embarcação, e ela
concluiu naturalmente que o iate era incapaz de movimento independente.
Compartilhei de seu desapontamento, mas Edwin tinha no olhar uma centelha
indicando que devia ter me dito que as coisas nem sempre são o que parecem ser,
no mundo espiritual. Nosso anfitrião havia recebido nossos pensamentos, e
imediatamente levou-nos ao tombadilho. Qual foi nosso espanto quando vimos que
estávamos, gentil e lentamente, nos afastando da praia! Os outros riram
alegremente da nossa confusão, e corremos para a lateral para observarmos nosso
curso na água. Não havia erro nisso, estávamos nos movendo, e ganhando
velocidade conforme seguíamos. Retornamos para ao tombadilho e pedimos uma
rápida explicação desta aparente feitiçaria.