CAPÍTULO IX
O
trabalho cristão é lidar para fazer Cristos. É descer, apanhar aqueles que se
encontram nos caminhos da treva e da morte e recolocá-los na trilha da Verdade
que liberta. Nem é mais nem é menos, porque é apenas isso.
Ficar
nas alturas, sem olhar e trabalhar para levantar os que se encontram em baixo,
isso não é recomendável. Todavia, nenhum trabalho é profícuo, sem que seja
harmônico, sem que venha a refletir obediência para com a Lei de Harmonia
Universal. A Lei e a Justiça não existem por acaso.
Submergir na treva é
arrancar dela aqueles que se encontram prisioneiros; e o cântico libertador, o
trabalho das legiões que servem à Doutrina, vinha em linguagem simples e não
velada, desde muito antes de João Evangelista figurar a Jerusalém sem portas, a
Humanidade liberada a viver num mundo de Luz, de Paz e de Poder! João viu a
Jerusalém brilhante, como Pitágoras viu a Grécia imortal:
“Quem é Apolo? O Verbo do Deus Único, que
eternamente se manifesta no mundo. A Verdade é alma de Deus, a Luz é o seu
corpo.
Se os sábios, os
videntes, os profetas, o vêem; os homens não vêem mais que a sua sombra. Os
espíritos glorificados, que nós chamamos de heróis e semideuses, habitam essa
Luz, às legiões, em esferas inumeráveis.
Eis o verdadeiro corpo
de Apolo, o sol dos iniciados, e, sem o calor dos seus raios, nada de grande se
faz sobre a terra. Como o ímã atrai o ferro, assim nós atraímos pelo
pensamento, pela oração, pelas nossas ações, a inspiração divina.
Cabe a vós
transmitirdes à Grécia o Verbo de Apolo, e a Grécia resplandecerá duma Luz
eterna”.
Esse
um dos hinos libertadores, essa uma proclamação evolucionista, pois que outras
muitas existiram antes, em datas remotíssimas, a fim de preparar, aqui e acolá,
a sementeira para o Cristo Planetário, para a Divina Demonstração, a fim de que
todos tivessem em Quem se amolgar.
As
tradições cantam, em seus hinos de sabedoria e de fé, muitas encarnações do
Verbo de Deus, no curso das etapas terrícolas; Apolo é um dos avatares
cantados; mas o certo, que se pode afirmar, é que na Divina Função de Cristo,
somente veio uma vez, para fazer três revelações:
1 – Levar para a praça
pública o Conhecimento dos Mistérios, tornando todos os filhos do Pai Divino
herdeiros da Graça e da Verdade;
2 – Derramar do
Espírito sobre toda a carne, numa demonstração de após morte, de ressurreição,
e que jamais fora visto antes, e demonstração que foi o Pentecostes, o modelo
das sessões espíritas;
3 – Revelar em Si
mesmo a medida integral, a Origem, o Processo Evolutivo e a Finalidade do
espírito, pelo fato de expressar o espírito divinizado, a comandar a matéria,
por tê-la sublimado através do Seu corpo astral cristicamente brilhante.
A
Verdade pode ser vista, pelos homens, como dizia Pitágoras, em forma de sombra;
mas, repita-se, não é sombra nem jamais poderá ser modificada pelo homem! O que
se passa, o que não poderá deixar de se passar, é que ela desce para o homem,
na razão direta em que o homem pode subir para ela.
Quem
entra na Terra vê-se limitadíssimo; quem sobe para o rés da Terra pode vê-la
como se fosse plana; e quem se afasta da Terra, e tanto mais vai se afastando,
perdê-la-á de vista, como pequeníssima estrela que desaparece na profundeza do
Cosmo!
Na
ordem inversa acontece, para aquele que vai penetrando na Verdade, que se deixa
por ela penetrar; aos poucos vai se elevando, vai se infusando, vai se tornando
Verdade!
E
para que os homens possam ir subindo, em si mesmos se integrando na Verdade,
importa que mestres, profetas e arautos façam o seu trabalho, entreguem a eles
a mensagem verdadeira, indiquem o caminho a seguir, o objetivo a ser atingido.
Onde
estão os homens? Em que paragens, em que condições se encontram os homens? Que
fazem os homens? Por que o fazem?
Certamente
que nos mundos, no espaço e no tempo, visto como habitam o plano relativo, pois
a marcha é de baixo para cima que deverá ser feita.
Lotados
na Terra, na Terra trabalhamos. E os homens da Terra se encontram na carne ou
fora da carne, mais para cima ou mais para baixo. Sempre mônadas espirituais em
processo evolutivo, sejam melhores ou piores, vivam nas trevas do erro e do
crime ou brilhem nas esferas de Luz!
Foi
para baixo que nós fomos, recolher a quem se achava numa região da subcrosta,
agrilhoado aos erros e às tormentas que para si engendrara. Como já devem ter
lido, cada qual se traslada, ao desencarnar, por especificação vibratória; e
Justino, em que pese o nome, estava bem desajustado perante a Lei de Harmonia.
Os
três foram preparados para descer, assim como na ordem inversa haviam sido
preparados para subir. Para cada meio o seu instrumental específico, a sua
armadura fluido-vibratória, por disposição mental.
E
na hora certa fomos descendo, penetrando nos abismos da subcrosta, enveredando
na direção dos muitos prantos e ranger dos dentes... Gritos, lamentos, fedores,
blasfêmias, evocações terrificantes!... Tudo de permeio, tudo de mistura, assim
como no pólo oposto se mesclam, se misturam as Graças, as Luzes e as
Glórias!... Em matéria de Céu ou de tormenta, quem define é a ordem vibratória,
é a lei das intensidades... Entendendo a lei das intensidades, pode-se dizer
que estão entendidas as demais. Porque entre a treva e a Luz a diferença é, em
essência, de ordem intensiva. A treva deprime e a Luz acelera!
Justino
foi apanhado e conduzido ao local apropriado a ser auscultado; e como estivesse
deformado em parte, em seu corpo astral, foi preciso tratá-lo de modo também
específico.
Um
dos companheiros alvitrou:
–
Vamos perguntar-lhe se quer admitir a Verdade; se ele quiser, podemos
conduzi-lo a um Centro, cujos elementos são próprios a tais aplicações.
E
a pergunta foi feita:
–
Justino, você quer admitir a Verdade? Lembre-se de que foi terrível feiticeiro,
tendo usado mal de certos poderes, elementos e virtudes, por isso mesmo caindo
nos abismos da subcrosta. Aceite a Verdade e tudo faremos para beneficiá-lo.
Justino
perguntou, entre despeitado e lastimoso:
–
Qual Verdade?... Qual?... Tudo não é Verdade?!...
Ele,
que vivera para a verdade relativa e em sua feição criminosa, quando muito
poderia dela falar; e como os tolos sempre pretendem que são espertos, ele fazia
o seu papel, julgando que com isso teria a lucrar, talvez pensando que iria
modificar a Ordem Divina. O companheiro, que estava cursando para ser
instrutor, respondeu-lhe:
–
Justino, a Verdade é a escola, é o instrumento de discernimento; por ela vai o
filho no encalço do Pai Divino. Por isso mesmo, a Verdade se apresenta com as
duas facetas, sempre revela os dois pólos, a natural ambivalência que os
conceitos de Bem e Mal demonstram. Através da Verdade, lembre-se, o filho vai
descobrindo tudo quanto existe, e, pelo Conhecimento, pela Ciência, decide
tomar a estrada certa, o caminho que conduz à divinização.
Justino
encarou-o enigmático, com aquela cara bastante deformada, mais parecendo um
lobo do que um homem, e resmungou:
–
Como é isso?... A Verdade não é tudo, o Bem e o Mal, sem ter mais o que ser,
sem ter a quem dar satisfação?!...
Manso
e amigo, falou-lhe o companheiro:
–
Se você quiser vir conosco, pelo fato de aceitar a Verdade, pelos caminhos da
Verdade nós o faremos ir ao encontro do Pai Divino, que está nos fundamentos de
tudo e de todos. A Verdade ensina, e pelos ensinos faz ir ao encontro de Deus,
que é o Céu, que está no íntimo de cada um.
Encolhendo
os ombros nus e pelados, Justino murmurou:
–
Não sabia dessa versão sobre a Verdade!...
O
companheiro disse-lhe:
–
Em Deus a Verdade é integralmente Luz, Glória e Poder; mas na Emanação ela se
apresenta ambivalente ou bipolar. É pela força dos contrários que a providência
faz os espíritos conhecerem o caminho do Céu. Se você conhecesse filosofias, eu
diria como disse Platão: “O que é verdadeiro, bom e belo, conduz ao que é
Divino.”
Justino
meditou e perguntou:
–
Então existe o que é verdadeiro e o que não presta?...
Houve
riso nos semblantes, porque passou pelas mentes um pensamento irônico; é que um
homem que se julgou sabido por muitos títulos, jogando com certas leis,
ativando determinados recursos, nem sequer sabia que no plano relativo a
Verdade é dialética ou bipolar, tanto contém o Bem como o Mal, porque a sua
função é ir demonstrando o rumo certo a ser tomado pelo filho de Deus.
O
companheiro explicou-lhe:
–
Justino, saiba isto – nos domínios relativos, a Verdade é reveladora da lei dos
contrários. Isso já era conhecido desde remotos dias, muito antes da vinda do
Cristo ao plano carnal. Por isso mesmo, observe que tomando pouca água se mata
a sede, enquanto que muita água mata por afogamento; que, usando bem um pouco
de arsênico se tem nele poderoso fortificante, enquanto o muito arsênico
envenena; que o fogo tanto serve para cozinhar e aquecer, como serve para
devastar e causar os maiores prejuízos. Tudo é bom ou mau, Justino, segundo o
uso que se der, no plano relativo. Importa, conseguintemente, saber discernir
para saber usar.
Justino
cismou, abanou a cabeça e balbuciou:
–
Jesus não respondeu a Pilatos, quando este lhe fez a pergunta... Aquilo me
intrigou muito... Cheguei a pensar coisas feias, a descrer de tudo!...
Aproveitou
o companheiro a ocasião e rebateu em cheio:
–
Aos que se julgam sabidos, deixa-se que a própria vida os ensine! Jesus está a
cavaleiro do Reino do Mundo, está esperando Pilatos em Sua Luz, Glória e Poder,
enquanto os Pilatos estão marchando para Jesus com muita lentidão, respondendo
pelo crime de presunção, de onde surtem outros muitos crimes. Não se iluda,
Justino, que contra a Ordem Divina é impossível lutar e vencer. Se quiser
discutir com os homens, faça-o; mas não se iluda, pensando altercar com o Pai
Divino.
Justino
desmanchou-se em pranto, colhido que foi pelas próprias emoções; e nós fizemos
a nossa parte, conduzindo-o a um Centro, porém de Umbanda. Isto é, de
verdadeira Umbanda, onde somente pontos cantados havia, sem haver idolatria
alguma, sem haver o uso de fetiches.
Entregamos
Justino ao grande chefe, ao tutelar do Centro, ao mestre dos caboclos, daqueles
pretos velhos que com tanta simplicidade sabiam e sabem amar a Deus e a Jesus,
como ainda não sabem fazê-lo, muitos daqueles que se julgam donos da Excelsa
Doutrina...
Ademais,
a escala evolutiva é vastíssima; e para
cada matiz de grau, há lá o modo de poder servir, dentro da Lei de
Harmonia. E Justino, que fizera muita coisa feia, usando leis boas, teria ali o
meio próprio, onde ir aplicando bem as boas leis, para se rearmonizar com a
Grande Lei de Harmonia. A medicação fora justa. Fica aqui o nosso preito de
estímulo aos pretos velhos, que tendo os corações voltados para o Bem, vão
aplicando seus trabalhos conforme suas possibilidades. Lá temos visto, brancos
opacos e pretos brilhantes, altos dignitários clericais sendo comandados por
humildes e luminosos ex-escravos!...
Deus
seja louvado, sempre e sempre, porque Suas leis não reconhecem rótulos nem
aparências, desejando de Seus filhos acima de tudo Amor, muito Amor!...
MORAL, AMOR E REVELAÇÃO
MORAL, AMOR E REVELAÇÃO