Zainer ali estava, absorto e pálido, frente ao cadáver de Rosália,
sua querida esposa. Havia dois anos que se casaram, sem que pudessem
ter tido um pouco de paz e de ventura, pelo fato de Rosália ser
doentia, supersticiosa e dada a certas atitudes esquisitas. Isto,
pelo menos, conforme o modo de entender de Zainer, que nunca se dera
ao trabalho de conhecer alguma coisa das verdades espirituais.
Naquela
tarde, depois de tanto sofrer, Rosália expirara; e ao partir
dissera, com voz sumida, porém cheia de certeza:
–
Meu querido, eu voltarei... Ainda falarei contigo... Adeus.... Adeus,
por agora...
Atordoado,
sem nada compreender, Zainer saíra e fora noticiar a morte de
Rosália aos parentes; moravam perto, pois eram sitiantes vizinhos,
parceiros de partilha da herança deixada pelos pais de Zainer.
–
Rosália faleceu!... – disse, ao entrar portas a dentro da casa de
seu irmão mais velho.
O
irmão envolveu-o num apertado abraço e procurou confortá-lo:
–
Sê forte, meu irmão, que tudo na vida é passageiro. Somente a alma
vive eternamente, porque é espírito, porque é partícula de Deus.
Sê forte, que outros dias virão, diferentes, quando vocês terão
as contas ajustadas e os dias felizes para serem vividos.
Zainer
fitou bem o irmão, sem nada dizer, porém saturado de enigma, feito
à imagem da perplexidade. E o irmão, vendo-o assim, disse-lhe:
–
Fala, meu irmão, que os pensamentos devem ser expostos, sempre que
se tornem veículos de motivos superiores. Nunca fizeste nada a bem
de melhores conhecimentos... Nunca deste atenção aos problemas do
espírito... Entretanto, as leis de Deus vigoram e se cumprem,
independentemente de nossas cogitações, sejam favoráveis ou não.
Zainer
fitou o semblante sereno do irmão, indagando:
–
Se assim é, que elas se cumprem independentemente do nosso querer ou
não, para que cogitar de tais problemas?
Félix
respondeu-lhe, com bondade:
–
Para sofrer menos, pelo menos por isso... Devo dizer, porém, que
além disso, temos nós, os filhos de Deus, obrigação de conhecer e
usar bem as leis do Senhor. Quanto sabes tu de agricultura, meu
irmão?
Zainer
explicou:
–
Tudo quanto nossos pais nos ensinaram.
–
E não achas que muito valem as lições que eles nos legaram?
–
Creio que representam tudo, pois temos sabido plantar e colher, com o
que estamos vivendo, aumentando a família e cooperando com a nossa
parte a bem da felicidade alheia. Talvez que não saibamos reconhecer
toda a importância do quanto conhecemos, de tanto usar de tudo de
modo prático. Depois que o conhecimento se torna comum, se faz uso e
não mais se tem exato discernimento de sua quantia e valias.
–
Muito bem, irmão Zainer. O vício, bom ou ruim, tira de nós a noção
de quantias e valores, porque transforma tudo em automatismo.
Podemos, entretanto, reconhecer a importância dos conhecimentos,
desde que lembremos das épocas de preparação da terra, do plantio,
das chuvas, da capinagem, da colheita e dos trabalhos de embalagem e
venda. Além do mais, entram de permeio mil e uma particularidades ou
minúcias, coisinhas que nem levamos em conta, porque nem sequer
delas tomamos conhecimento, visto serem por demais concernentes à
vida e suas rotinas.
–
E daí? – perguntou Zainer, com olhar aflito.
Félix
encolheu os ombros, como quem faz sinal de conclusão, elucidando:
–
Assim como devemos aprender a jogar com as leis do meio material em
que vivemos, para efeito de aumentar os proventos do trabalho árduo,
sob o sol, a chuva, o frio e tudo mais, assim mesmo devemos procurar
conhecer as leis espirituais, a fim de extrair aquelas vantagens
emancipadoras de que temos notícia. Não é por acaso que se existe,
movimenta e se percebe a necessidade de luta contra o Mal e em favor
do Bem. Quem não entende das verdades do espírito é como se fosse
um barco sem governo, pronto a se rebentar contra as rochas, atirado
pela braveza das águas encapeladas.
Aturdido,
Zainer murmurou:
–
Eu nada entendo... Eu nunca dei atenção a essas coisas...
O
irmão falou-lhe, com ternura:
–
Agora vamos tratar de enterrar tua mulher... Isto é, o corpo, já
que o espírito não foi feito para ser enterrado. Logo mais, se
quiseres, poderemos entrar em contato, para fins de estudo. Afinal,
sempre foste convidado... Como eras do contra, nunca mais falamos
contigo a tais respeitos. Em matéria de verdades espirituais, cumpre
a cada um tomar medida e talho, porque a Lei ensina que a cada um
será dado conforme suas realizações.
Houve
silêncio, porque Zainer emudeceu e Félix entrou quarto adentro, a
fim de avisar os seus, que ainda dormiam, porque era domingo. Ao
voltar, veio em companhia da esposa e filha, banhadas em lágrimas.
–
Vão para lá – disse Félix à mulher e à filha – que eu irei
avisar os demais em companhia de meu irmão.
Quando
em caminho, Zainer comentou:
–
Bem, eu creio na imortalidade da alma...
Félix
argumentou, convicto:
–
A alma é imortal, evolutiva, responsável, comunicável, e habita os
mundos, além de ser reencarnável. Aliás, Zainer, a reencarnação
é a válvula redentora e evolutiva do espírito. Portanto, se você
sabe apenas, ou pressente, que a alma seja imortal, está em grande
porcentagem de falha. Tem um ponto a favor e cinco contra. É por
isso que sempre fez objeções a tais problemas.
–
Acho que ninguém é obrigado a aceitar aquilo que lhe não cabe no
poder conceptivo presente. Por isso é que sempre fui do contra.
–
Nós todos temos muito jeito para defender nossas próprias
convicções, ou pelo menos a versão que mais nos convém. No fundo,
Zainer, o que se passa é coisa muito diferente; é que julgamos ter
muito mais para ensinar a Deus, do que poderá ter Deus para nos
ensinar. Quanto mais se sabe, tanto mais se honra o Senhor e tanto
mais se cultivam na vida as leis que nos trazem vantagens; e quanto
mais se ignora, tanto mais se acredita que Deus tenha necessidade de
nossos conselhos e advertências. Isso é comum, é regra geral, não
se passa apenas com você. Eu tenho a minha história para contar...
Também fui como você ainda o é.
–
Quem te fez mudar? – perguntou-lhe Zainer.
–
Você sabe – disse-lhe o irmão – que nossos pais foram
imigrantes holandeses, gente de boas tradições e acostumada às
melhores leituras. Nós, porém, com o tempo fomos perdendo a
tradição e o gosto pelos melhores informes, dada a luta árdua com
o meio rude onde viemos parar. Tudo em nós se foi brutalizando, tudo
em nós se cristalizou na rudeza dos modos e do tratamento. Um dia,
porém, depois de mortos nossos pais, recebi em casa a visita de
velho amigo deles, homem que tornara à Holanda, sendo na volta
portador de alguns livros muito interessantes. Os livros vinham de
nossos bisavós e com destino a nossos pais; como estavam mortos,
recebi os livros e procurei lê-los, encontrando informes vários
sobre o mundo espiritual e alguns modos de tentar com ele a comunhão.
Achando interessantes algumas experiências, dei-me a experimentar,
até que obtive resultados. Primeiro, comecei a ouvir pancadas,
depois fui observando sombras, até que um dia passei a ver
distintamente alguns espíritos.
–
Nossos parentes?
–
Apenas nossa mãe, sendo os outros desconhecidos. Um deles fora o
antigo dono da casa, quando comprei a sitiola ao lado e para lá
mudamos. Com este me vi em apuros, porque ele berrava que a casa lhe
pertencia, impondo que dali saíssemos. E como isto não podia ser,
andou fazendo tropelias, até que nossa mãe o encaminhou, em
companhia de um grupo de amigos. Para resumir, Zainer, afirmo que
temos colhido grandes benefícios, não materiais e sim espirituais,
com as práticas espíritas.
Por
aquelas alturas da conversa, chegavam ao sítio do irmão, estacando
a troca de idéias. Pouco depois, saíram todos, rumando ao domicílio
de Zainer, a fim de providenciar o enterramento de Rosália. Minha
função, como parente desencarnado, e designado pelos superiores
para ficar junto de Zainer, era auxiliar na medida do possível,
deixando correr os acontecimentos. Ali havia, entre Zainer e Rosália,
fatos antigos a prendê-los, velhos assuntos a serem tratados. Ela
nascera em Portugal, ele no sertão de um Estado brasileiro, ficando
o destino, por eles traçado, encarregado de uni-los e fazê-los dar
andamento no caso a ser solucionado.
Ensina
o Evangelho que aquele que com ferro fere, com ferro será ferido; e
a lei de reencarnação nada mais faz do que ofertar meios e
recursos. Isto, bem sabemos, independente do modo de pensar das
criaturas. Porque aquilo que é por Deus, não fica sujeito ao
infeliz cogitar do homem; é e tem execução.
Extraído do Livro: NOS DOMÍNIOS MARAVILHOSOS DA PSICOMETRIA
Extraído do Livro: NOS DOMÍNIOS MARAVILHOSOS DA PSICOMETRIA