O CÉU MARAVILHOSO
Capítulo IV
Capítulo IV
Volitamos
rente ao solo, porque Vicentina assim o desejou, para que eu pudesse
observar a paisagem, o casario e a movimentação das pessoas, umas
felizes, parecendo irradiar vida prazerosa, e outras apresentando as
características dos convalescentes de variada ordem. Isto é, gente
que parecia sofrer de lesões físicas e gente que se curvava a
pensamentos pungentes.
– Isto
parece um vasto hospital, com médicos e servidores, e com doentes e
alguns parentes visitantes – disse eu.
– Com
alguma ressalva – aduziu ela – é apenas isso. E como irá
observar, é maravilhoso estar aqui, desde que não merecendo mais do
que isto. Porque se para cima é cada vez mais celestial, para baixo
é cada vez mais infernal, trevoso, malcheiroso e horripilante, com
aspectos de compressão moral realmente tétricos.
– Compressão
moral de aspecto tétrico?...
– Sim,
pois o mal-estar físico, diremos, ou sobre o corpo, como o temos por
aqui, não é tudo em matéria de sofrimento; o pior é o mal de
ordem moral, aquele sentido de abandono eterno que tanto faz sofrer o
espírito. E isto, como não é difícil compreender, se impõe pelas
reações da Lei de Harmonia, em virtude das graves faltas de ordem
moral.
Vivamente
interessado, de novo interroguei:
– Nos
estudos teologais, sempre julguei difíceis de aceitar, ou gravemente
forçadas, as soluções convencionais da religião, pretendendo
resolver o problema através das graças e dos escapulários, desde
que concernentes aos pecados não mortais. Como agora você fala em
compressões de ordem moral, fazendo penar faltas acima de tudo de
ordem moral, gostaria que me dissesse algo mais.
Imediatamente
Vicentina respondeu:
– O
que primeiro fere a Ordem Divina é o conceito erradíssimo de pecado
mortal, pois toda e qualquer desarmonia terá que sofrer o processo
de rearmonização, custe mais ou custe menos, para o espírito, a
centelha espiritual, continuar a sua marcha autocristificadora.
Quanto às compressões de ordem moral, elas derivam principalmente
de faltas cometidas por aqueles que já conhecem ou reconhecem as
leis de Deus, a obrigação de viver de acordo com elas.
– Poderia
dar uma prova disso, um exemplo demonstrativo?
Vicentina
sorriu com intenção e apontou-me:
– Meu
querido irmão Bento, você mesmo irá sofrer desse mal, e muitas
vezes, em virtude da chancela dos erros que cometeu, adulterando
textos e, após, como na última encarnação, ter tido o
conhecimento suficiente para repor no lugar a Doutrina do Caminho, e
não o ter feito por causa dos interesses criados. Sabendo que o
catolicismo romano é a corrupção da Excelsa Doutrina do Caminho,
que Jesus edificou sobre o cultivo da Lei de Deus, da Sua Divina
Modelagem e da Generalização da Revelação, por que, ó meu irmão,
nada fez pela Verdade? Você, que atravessou noites a fio debruçado
sobre os textos referentes ao Batismo de Espírito, que chegou a
elaborar um caderninho de notas sobre o que diz o Livro dos Atos, por
que não rompeu com a mentira e não lutou pela Verdade?
Atônito,
inquiri:
– Você
sabe disso?!...
– E
há alguém que viva na crosta, e não seja observado, em sua
conduta, pelos responsáveis deste lado? – volveu ela, de pronto,
como de costume.
– Então,
por que não me tangeram a fazer o melhor possível?!...
Abanando
a cabeça em sinal de desaprovação, esclareceu:
– O
Céu, para com isto querer dizer a Administração Superior, coloca o
espírito diante do fato... Dá-lhe oportunidades de conhecimento de
causa e liberdade e aguarda que o mesmo tome as devidas iniciativas,
para ter o mérito das mesmas e recuperar-se das faltas,
preparando-se assim para os lances progressivos comuns e necessários,
que o entregarão um dia ao glorioso Grau Crístico ou de Uno com o
Divino Centro Gerador de tudo e de todos, ao qual chamamos Deus.
Compungido,
balbuciei:
– Então,
minha irmã, o fato de conhecer o Espiritismo foi programa oferecido
pelo Céu, para me dar a oportunidade de reparar erros do
passado?!...
– Apenas
isso... E comece a observar, em si próprio, aquilo que qualificamos
de compressão de ordem moral, a punição de acento puramente
intelecto-moral, para forçar o espírito aos devidos intentos
recuperadores. E se bem quiser pensar, é bom lembrar que a idade dos
fatores ideológicos é a melhor, a mais propícia para os grandes
investimentos próprios a bem das realizações eternas. Isto é, são
estas questões, estes estágios nestes campos de meditação, que
marcam o espírito com os sinais indeléveis da maturidade
espiritual.
– Isto
tudo é muito profundo – intervim.
Dando-me
uma sacudidela no braço, perguntou-me Vicentina:
– E
iremos ao Grau Crístico em termos de superficialidades?
Calei-me,
porque sentia o coração opresso, porém satisfeito de poder
aprender semelhantes lições, Vicentina, entretanto, perguntou-me:
– Quer
registrar uma afirmativa corrente por aqui, de uns tempos a esta
parte?
– Quero
e muito! – respondi, enquanto fiquei aguardando o que iria ouvir.
– Por
aqui, Bento, de uns tempos para cá, circula este dito: “O Reino do
Céu jamais será dos ignorantes, covardes e hipócritas”.
Não
precisei pensar, para admitir:
– Só
assim é justo que seja, em face de uma Justiça Divina que é
simplesmente Justiça Divina. E com isto, Vicentina, posso afirmar
que as igrejinhas dos encarnados, todas elas, deverão mudar e muito,
se quiserem realmente funcionar conforme a Lei de Deus, a Modelagem
de Jesus Cristo e a Generalização da Revelação. Porque a Verdade,
o Amor e a Virtude, pelo que vi por lá, valem apenas como rótulos e
nada mais, ou como figuras-de-fachada, para servir de chamarisco aos
fregueses dos diferentes redutos de fanáticos sectarizados, de
fariseus mandonistas.
– Realmente,
meu irmão, bem pouca gente é da Verdade, do Amor e da Virtude.
Muita gente é de fanatismos religiosistas. Muitos repetem as
palavras de Jesus, sobre ser a Verdade quem livra, mas a maioria vive
para o seu engodo sectário e retrógrado. A mania de dizer que cada
um deve ter a sua religião, ou engodo sectário, é quanto basta
para provar que a Verdade é quem liberta o espírito, mas é também
quem acusa os assanhamentos do bolso, do estômago, do sexo, do
orgulho e do egoísmo, esses instrumentos de uso forçado, e que
aplicados em termos de abuso, como é comum na crosta, terminam
custando tremendas dores.
– Não
entendi bem... Como é mesmo?
Vicentina
repetiu:
– Nenhuma
força deve ser eliminada, e sim bem aplicada. Quem poderá jamais
enfrentar o processo evolutivo, através dos mundos e das vidas, sem
ter que usar os fatores já mencionados? Portanto, quem se for
conscientizando, que domine os recursos, em lugar de se escravizar a
eles. Não se trata de negar o direito de personalidade, como querem
certos falsos conceitos ocultistas, mas sim de construir uma
personalidade divinizada, uma condição individual que seja o puro
reflexo da Soberana Vontade de Deus.
– Esta
questão é muito importante! – exclamei, interessado.
Vicentina,
revelando conhecimento vasto e profundo, repetiu:
– O
Divino Centro Gerador, Sustentador e Destinador de tudo e de todos,
nunca pretendeu a aniquilação de filho algum, mas sim confere o
direito de ser um reflexo de Suas Divinas Virtudes. É através de
Seus Filhos Verbos, ou evoluídos a esse ponto, que Ele mesmo conduz
os Mundos e as Humanidades. Ora, como poderia assim fazer, contando
com filhos transformados em nulidades individuais, em criaturas sem
personalidade?
– Isto
– intercalei – faz que me sinta face-a-face com o Emanador que
tenho dentro de mim mesmo, e que me chama para o Seu Divino Seio,
para me transformar em Autoridade, em Funcionário Seu!
– Nem
é outra a realidade. Você irá observar, nos maiores da
espiritualidade, quando vierem a nós transmitir mensagens, e
mensagens que muitas vezes são eles mesmos ou o efeito de suas
manifestações, que eles são indivíduos fortíssimos em
personalidade, precisamente porque já são bastante unos com o
Princípio Divino Onipresente, de Quem dão testemunho ou refletem a
Divina Autoridade. Importa saber que não basta ter Deus por Pai, mas
sim que Ele nos quer realizados em Verdade, Amor e Virtude, a fim de
podermos ser os Seus Arautos, os Seus Verbos perante as Humanidades
em crescimento.
Eu
me sentia enlevado por aquelas palavras, ou pela questão, e por isso
estava distraído quando Vicentina apontou para o centro da cidade,
onde um dos pavilhões tinha a forma de um triângulo perfeito, tanto
dos lados como na verticalidade.
– Um
prédio em forma triangular? Ou é piramidal?
– Triangular
na forma e piramidal no sentido – disse ela sorrindo – porque é
o pavilhão máximo em matéria de ensinamentos. é ali que se
encontra o Salão dos Mapas Diagramáticos. E é triangular por ser o
triângulo o sinal iniciático do espírito, enquanto o aro o é da
matéria...
– Já
ouvi dizer isso... Diga-me algo sobre a questão – interrompi.
– O
aro é o símbolo da matéria ou do Cosmo, que se refaz sempre, que
sempre finda e sempre começa, porque é a ferramenta do espírito. E
o triângulo é o sinal da Sabedoria Divina, desde os remotos tempos
Búdico-Védicos, porém tempos que, bem o sabemos aqui, herdaram
ensinos de tempos ainda muito mais remotos. E se o pavilhão é
triangular, o Salão dos Mapas Diagramáticos também o é, por ser o
que ensina tudo, a começar do Divino Centro Gerador, que é Deus.
– Tudo
em termos de mapas ou desenhos?
– Sim,
que representam Matrizes Doutrinárias, ou Leis, Elementos e Fatos. O
que os mapas demonstram por fora, é aquilo que a Emanação tem por
dentro e por fora, seja o espírito ou a matéria. Para o espírito,
que é o realmente importante, os desenhos mostram a Origem, o
Processo Evolutivo e a Sagrada Finalidade.
E
assim trocando idéias, descemos ao solo e demos entrada no pavilhão.
Como Vicentina era muito conhecida, antes de chegar ao salão tivemos
que parar dezenas de vezes, para apresentações, votos de
boas-vindas, etc