O CÉU MARAVILHOSO
Capítulo VII
É
a desencarnação algo de milagroso ou misterioso, ou existe o
mistério para alguma coisa, na Emanação de Deus?
Primeiramente,
Emanação de Deus é aquilo que de Deus deriva, e ninguém mais é
Emanador sem ser Ele. O mais é questão de Leis, Elementos e Fatos,
e importa conhecer a Verdade e ir deixando de parte os conceitos
estultos ou religiosistas, isto é, as superstições acumuladas
durante os milênios infantis da Humanidade.
Durante
os dias que estive em estudos, vagando escoteiro ou em companhia de
Vicentina, por todos os recantos da região-moradia, onde tinha
direitos de movimentação, foi-me possível encontrar o irmão
Prudente, espírita a seu modo durante a parte final da encarnação.
Como
a Doutrina da Verdade contém tudo, mas ainda revela somente o que
está ao alcance da Humanidade, vamos dizer que cada um é espírita
a seu modo e nada mais, pois os lastros do passado e a falta de
evolução marcam profundamente as pessoas, não lhes permite subir à
vontade ou depressa a montanha da Sabedoria. E Prudente assistia
sessões, tomava passes, pedia consultas médicas espirituais e lia
seus livros, enquanto continuava dizendo que a vida devia ser vivida
a modo terreno, porque a matéria era a matéria e todos a ela
estavam sujeitos, etc.
Como
tantos outros espíritas, que repetem as palavras de Jesus, sobre ser
a Verdade quem livra, mas vivem de acordo e a favor das mentiras do
mundo, o irmão Prudente assim também foi conduzindo a encarnação.
Cada qual tinha o direito de ter sua religião, o seu meio-de-vida,
as suas opiniões, etc. A Lei de Deus e a Modelagem do Cristo eram
para certas horas, não para outras, e a Revelação que adverte,
ilustra e consola, era muito boa enquanto ilustrava e consolava, mas
já era meio incômoda quando advertia.
E o
irmão Prudente saiu da carne pensando maravilhas sobre si mesmo,
aguardando uma chegada triunfal nos altos planos de Luz e Glória,
simplesmente porque tinha suas tintas de conhecimento sobre Deus e a
Emanação. Entretanto, ao ver-se doente e bisonho, depois da
desencarnação, passou a andar acabrunhado, sem coragem para falar,
não raro sendo colhido em resmungos menos recomendáveis.
– Trate
de travar conversa com ele – ordenou-me Vicentina – e procure
desviar as suas atenções para outros campos e outros níveis, pois
do contrário terá que ser removido para lugar menos agradável
ainda. Ele achava que conhecer algumas verdadezinhas era tudo, para
merecer aqui galardões ofuscantes, enquanto realmente, por aqui, as
produções nos domínios do Bem é que conferem vantagens. E como o
Bem é feito de um misto de Bondade e Honestidade, porque a isso
conduzem o Amor e a Sabedoria, quem disso não tiver em alto grau,
para altos planos jamais irá.
E
olhando-me bem, como a reclamar algo de muito importante, observou:
– Lembre-se
de que somos irmãos em Origem, Processo Evolutivo e Sagrada
Finalidade, em princípio, mas aqui estamos representando, neste
grau, a Divina Autoridade. Fale como irmão, mas observe como
verdadeiro mestre... Use doçura até certo ponto, mas lembre o fel
da Verdade para aqueles que se revoltam contra Ela, ou que usam de
malícias, torcendo ou pretendendo torcer os fatos.
E
foi por isso que fui encontrá-lo, cabisbaixo, sentado à beira de um
lago. E conversar não foi difícil, porque não falar nos objetos de
suas mágoas era o modo ideal de fazê-lo. A conversa foi rumando no
sentido das belezas da região, foi quando ele disse, admirado:
– O
senhor acha isto uma beleza?!... Isto parece a crosta, está cheio de
gente doente, medíocre, mal-cheirosa, rabujenta!...
– Sim
– retruquei – mas com esplêndidos pavilhões hospitalares,
escolares, educativos, etc. De minha parte, irmão, fiquei encantado
com o Salão dos Mapas Diagramáticos, e acho o lugar apropriado para
quem, como nós, não merece nada melhor...
E
como notei que ele passou a me olhar com desprezo, rumei a conversa
para os lados da geografia local, dizendo:
– Para
quem não fez por merecer mais e melhor, repare na beleza das
árvores, dos lagos, das flores!
– Que
mau gosto o seu! – resmungou ele.
Pensei
um bocado e saí-me com esta:
– E
se o irmão, por desprezar estas paragens, revelando com isso
rebeldia às leis de Deus, fosse remetido a lugar ainda inferior,
quem sabe até horrível?
– E
por cima ainda é maldoso?!... – tornou ele, saindo apressado dali.
Sentindo-me
fracassado na tarefa, procurei Vicentina e disse-lhe:
– Minha
irmã, fui um fiasco... Não soube falar e o nosso irmão Prudente
saiu correndo de perto de mim!
Ela
revelou um sorriso algo triste, depois fez um silêncio meditativo.
– Lastimo
o que fiz – disse a ela – por lhe causar tristeza.
Ela
reagiu, levantou a cabeça e informou:
– Não
é por você que estou triste, mas por ele, que depois de dar tanto
trabalho, ainda se revela assim rebelde contra a Justiça Divina. É
pena, meu irmão, que criaturas ditas religiosas venham para estes
lados com essas manias de grandeza, e chegando aqui, ao se terem como
realmente são, em lugar de se envergonharem de si próprias, passam
a insultar os bem-feitores com seus imprudentes procedimentos.
– Ainda
bem, Vicentina, que não tive tanta culpa...
Ela
abanou a cabeça e esclareceu:
– Você
ajudou, num passado remoto, a adulterar os textos evangélicos, e
esse pobre irmão, o Prudente, é um filho de sua falta, em parte.
Ele foi um dos primeiros papas, um filho da falsa interpretação, e
nisso se resume a sua parte nas falhas que ele ainda revela. A mania
de grandeza é a desgraça de muita gente, lembre-se bem.
Lembrei-me
do texto evangélico que recomenda a Pedro conduzir os seus
companheiros, e perguntei, bastante aflito:
– Que
diz do direito de ser, ou de haver a instituição papal?
– Jesus
salientou que entre os da Doutrina do Caminho não haveria príncipes
ou mandões, como os há para o reino do mundo, e que a Revelação
Consoladora ficaria como alicerce instrutivo. Se outras afirmativas
existem, são elas contraditórias, e em Jesus não houve
contradição. É muito fácil compreender onde está a falta de
honestidade, pois não?
– Mas
ele, na sua última encarnação, foi espírita! – aduzi.
Com
espanto, Vicentina perguntou-me:
– E
você ainda acha, meu querido irmão, que ser espírita é apenas ler
alguns livros, escutar longos discursos falazes, tomar passes, pedir
consultas médicas espirituais, ou ser fanático sectário um tanto
mais moderno?
E
com isso ficamos a nos olhar, por alguns segundos talvez, porém um
longo tempo em tal estado de alma, até que Vicentina disse:
– Bem,
meu irmão, a Ordem Divina continuará sendo eternamente a Ordem
Divina e quem deve mudar são os filhos de Deus que se encontram,
ainda, em processo evolutivo. Vamos levar esse informe ao chefe do
serviço informativo, para que sejam tomadas as devidas
providências...
– Vão
remeter o irmão Prudente para outro lugar? – interrompi.
Conclusivamente
Vicentina informou:
– Nós
não podemos ficar com quem não queira ficar conosco, porque isso
implica em trabalhos perdidos e maus exemplos espalhados. Se ele se
julga sabido, deve compenetrar-se da responsabilidade que decorre do
conhecimento de causa. E se ignora o seu passado, ou as matrizes do
mal atual, nós podemos ensinar o quanto podemos e, para mais, não
temos culpa de suas falhas e manias. No seio do Cosmo, tomando parte
ativa na Vida, cada um de nós tem que assumir a responsabilidade de
suas ações individuais, em face das conseqüências coletivas que
engendram. E aos indolentes ou rebeldes, que pode oferecer a Justiça
Divina?
E
dias depois, diante de uma comissão deliberadora, tivemos o irmão
Prudente sentado no banco dos interpelados. Como procedeu ele, em
face dos conselheiros e em face de si mesmo? É desnecessário dizer
que primeiramente apresentou as suas razões, os seus direitos, para
depois ceder, quando lhe falaram na ida imediata para um lugar
ensombrado e mal-cheiroso, servindo de companhia para outros tantos
rebeldes.
Nem
sempre isto prevalece, mas quando assim ocorre, há alegria para
todos. E a escolha é acompanhada de uma oferta de trabalho, pois a
inatividade jamais é permitida. Ademais, sendo cada qual um Cristo
em elaboração, deve compreender que a melhor maneira de lá chegar,
o mais depressa possível, é auxiliando a cristificação de seus
irmãos. Esta regra é a matriz das regras e não sofre contestação.
E estando num plano como o nosso, onde os espíritos são devedores
ou simplesmente involuídos, e os perispíritos grosseiros e até
mesmo defeituosos, como admitir os indolentes? Embora um plano de
pouca Luz e minguada Glória, já é um lugar de ordem e de trabalho,
por ser de compreensão.
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Um
dos momentos de mais jovialidade foi aquele enfrentado poucos dias
depois de minha chegada ao mundo espiritual. Como todos podem
imaginar, aqueles que por aqui aportam pensam que são os preferidos
de Deus, por causa de seus respectivos credos, de suas concepções
de vida, etc. Julgam que irão ficar entre um Deus individualizado e
um Cristo petrificado, olhando ora para um e ora para outro, e os
dois dispensando-lhes sorrisos de assentimento, enquanto os outros
crentes ou crédulos, ou coisa que o pareça, ficam lá no vale das
sombras, entregues aos diabinhos, que sobre eles exercem
malignidades, por conta de um chefão, um adversário que as mentiras
humanas forjaram e pretenderam impingir ao próprio Deus.
É
formidável o que se observa, em cada semblante uma expectativa, uma
ansiedade, e, com o tempo, muitas desilusões religiosistas, porque
as pessoas são representadas pelas obras de Bondade e de
Honestidade, e jamais por causa de seus respectivos credos ou
sectarismos.
No
mundo, com as suas cascas, ou seus rótulos, aturavam-se por educação
e por interesses materiais, mas tinham por certo que, nos domínios
da Morte, as coisas seriam diferentes, porque Deus os recolheria com
festas e quitutes celestiais, enquanto aos tolos, os crentes de
outras terras e de outros Iniciados, Profetas ou Mestres, o Pai
Divino indicaria o reino das trevas eternas.
Parece
impossível que os fanáticos religiosistas não consigam pensar, ao
menos pensar, que nenhum Iniciado, Profeta ou Mestre, conseguiu
prevalecer na Terra inteira, até ao presente; e que a Humanidade
esteve e está dividida entre as mais e as menos remotas montagens
religiosistas, e até mesmo clericais, e que o Senhor Deus é Pai de
todos, nunca tendo sido Pai de uns e padrasto de outros, Emanador
Infinitamente Justo de todos, e não Justo para uns tantos fanáticos
e injusto para outros tantos fanáticos, ou fanáticos de outros
coloridos, etc.
Com
os meus conhecimentos de Espiritismo, tinha comigo o mal de não
haver feito bom uso do mesmo, rompendo com as tradições, custasse o
que custasse, e, assim, ajudar a evoluir, a mudar a triste compleição
do planeta, que cheira a ignorância e atraso. Todavia, fora isso,
respirava outros ares, vivia em plano bastante livre, longe de
escravizações a panelinhas quaisquer. Mas os cinco homens que
estavam comigo, dois católicos, um protestante, um espírita e um
budista, eles ainda estavam curtindo suas expectativas, aguardando a
hora de serem, respectivamente, chamados especialmente por algum
tribunal julgador.
E
como é de poderem supor, suas reservas ainda estavam de pé, uns
conversando com os outros, mas cada qual evitando atacar o ponto
vulnerável, a predileção de Deus por uns e contra os outros. E
como cada qual apresentava a sua marca de sofrimento, de atraso
evolutivo e de incontida ansiedade pela solução do fato, as coisas
tomavam um aspecto ora pungente, ora cômico e ora ridículo, porque
o mínimo que um dissesse, parecendo favorecer o seu esquadrão
faccioso, os outros se revelavam entre admirados e assustados, até
mesmo com mostras de revolta e disputa, assim como se estivessem na
carne, no palco das ignorâncias e dos comercialismos formalistas.
O
fato é que em todos faltava respeito aos Dez Mandamentos e à Divina
Modelagem do Cristo, mas em obras e não em discursos e ginásticas
idólatras. Também ao espírita faltavam as boas obras, pois o mais
tudo ele sabia, como eu também não desconhecia, mas tinha os
porquês negativos no passado e no presente.
Com
o reino do Céu, que é uma questão de realidades essenciais, ocorre
o mesmo que com a alimentação das pessoas, pois falar num tratado
de culinária não é comprovança de que se tenha o que comer. Assim
se passa com todas as necessidades fundamentais, que com teorias ou
aparências não podem ser satisfeitas.
A
Lei de Deus, que um dia terá que ser executada a rigor, pois os do
contra jamais herdarão a Terra dos futuros ciclos, é uma medida de
obras, para com Deus e para com o próximo, nada indicando como
religiosismo ou ginásticas facciosas e até ridículas. O Cristo
Modelo, por Sua vez, tendo as legiões espirituais ao Seu redor, foi
parar no meio das gentes, procurando servir ao máximo, atraindo com
isso o ódio dos empresários de maquinações religiosistas ou
trevosas. E a Revelação, o trabalho das legiões espirituais, que o
Cristo tinha sem medida, e no que batizou a Humanidade, está sujeita
aos empórios de ignorância e mediocridade, que são os sindicatos
exploradores do mercado religiosista?
Quando
a coisa parecia estar no auge, querendo pegar fogo, porque entre o
protestante e o católico se havia formado uma barreira
intransponível, enviei o pensamento a Vicentina, conforme havíamos
combinado, e ela dentro de segundos ali aportou, sempre sorridente e
feliz, porque não tinha recalques ou traumas a curtir, pois era e é
um espírito novo ou sem marcas evolutivas superiores, mas é um
verdadeiro depósito de simplicidade, isenção de culpas, e fartos
conhecimentos iniciáticos.
Assim
que chegou, saudou a todos e comentou:
– Está
sobrando Amor e Sabedoria entre vocês? Já conseguiram tornar-se
modelos de Bondade e Honestidade? E se nisso estão falhos, que
adianta andarem turrando conceitos e preconceitos formalistas e
divisionistas?
Como
todos calassem, porque ela irradiava uma autoridade indiscutível,
aproximou-se do mais idoso, pois ali todos ainda estávamos com as
marcas todas da farda carnal usada na última passagem pela Terra, e
aconselhou-o:
– É
o mais marcado pelos recalques religiosistas, sem dúvida, mas é
também o que mais pode fazer pela orientação dos demais. Convido-o
a dirigir os demais, na visita aos pavilhões de estudos, pelo prazo
de uns trinta dias terrenos. Por lá encontrará servidores capazes,
que os ajudarão em tudo quanto for possível.
E
olhando para todos eles, com acentuada severidade, observou:
– Quem
se julgar acima desta ordem, pode pronunciar-se desde já, que
tomaremos as devidas providências, remetendo-o aos lugares de menos
Paz e menos Luz. É hora de saberem desta realidade: se mereceram vir
para esta região, e nesta região para este departamento, isso
equivale apenas a um merecimento-premissa, uma oportunidade que lhes
é concedida, para que, segundo a boa vontade aplicada, poderem obter
condições de melhora. Já foram tratados do corpo e agora devem
começar o tratamento da Mente.
O
tal irmão idoso, meio assustado, perguntou:
– Mas
eu, bondosa irmã, nada entendo de tais questões!... Como poderei
guiar, se não sou conhecedor?!...
Vicentina
adiantou:
– Os
mapas e os servidores locais ajudá-lo-ão. Basta que tenham vontade
de ler e de discutir os assuntos. E não queiram, por aqui, fazer
aquilo que é comum aos escravos de tabelinhas sectárias da crosta:
não queiram ensinar a Deus, mas sim queiram aprender com Deus!
Sujeitem aquilo a isto, e não isto àquilo, entendem?
O
velhote quis beijar-lhe a mão, e ela respondeu-lhe aquela frase do
Anjo Relator do Apocalipse, que está no capítulo final do mesmo
Apocalipse. Ele afirmou que seguia os mandamentos da igreja romana,
que não conhecia bem a Bíblia e que iria procurar conhecer agora,
pois haviam-lhe dito sobre as bibliotecas, etc. E Vicentina
acrescentou:
– Entre
os que não conhecem a letra, e os que nada mais sabem sem ser
fanatizar-se pela letra, divide-se a quase totalidade dos encarnados.
E por isso, como vocês mesmos dão provas, depois de serem muito
mais vividos do que eu, por aqui ainda estão, nas condições de bem
rotulados e mal essencializados. Procurem, portanto, ler a Bíblia de
Deus, a Emanação, observando as leis regentes dos fenômenos, em
seus mínimos detalhes. Lembrem-se de que Deus não faz discursos,
porque Suas leis se bastam...
E
como tinha dito o suficiente, apanhou-me pela mão e, com imensa
alegria, corremos ao encontro de nossa querida mãe, que vinha a nós,
rodeada de uma vintena de criaturas muito belas e muito felizes, bem
se via que gente de outros planos, gente portadora de outros
gabaritos vibratórios.
Ao
chegarmos, disse minha mãe, apresentando as companheiras:
– Somos
de um mesmo plano e desempenhamos função em lugares diferentes, e
por isso, porque o trabalho nos separa, de tempos a tempos nos
reunimos, para conversar e distrair.
Como
naqueles dias eu ainda usasse as roupas de clérigo, as suas amigas
fizeram-me perguntas alusivas à troca de vestes, e eu respondi que
ficava por conta de meus chefes, para o que fosse melhor fazer.
– Isso
– disse minha mãe – é secundário, se usar como vestimenta, sem
o caráter que tem na crosta, que é instrumento de forçamento
psicológico ou idolatria. E na hora certa, pode estar certo, tudo
acontecerá.
Não
se falou mais na questão, porque ao dizer ela que na hora certa tudo
aconteceria, um tom de autoridade de fato marcou a sua palavra,
dispensando comentários quaisquer.