CAPÍTULO IV
JNANA YOGA — O CONHECIMENTO ESPIRITUAL
O homem pode libertar-se da ilusão do "eu pessoal", e alcançar a união com a Essência Divina, pelo conhecimento interno de si próprio, isto é, pela iluminação interior. Esta fôrça aumenta com a prática, quando se cumpre o dever com abnegação.
1. Continuou a falar Krishna: "Já na mais remota antiguidade dei esta doutrina da união com o Eu Divino a Vivasvat(l). Ele a ensinou a Manu (2), e este a transmitiu a Ikshvâku, o fundador da dinastia solar.
2. De Ikshvâku passou esta doutrina a outros, e era conhecida pelos Rishis (3); no decorrer dos tempos, entretanto, caiu em esquecimento o sentido espiritual, conservando-se apenas a letra. Tal é a sorte da Verdade entre os homens.
(1) Vivasvat é o Sol Espiritual ou a Mente Divina no principio do mundo. (2) Manu se deriva da raiz sãnscrita man, pensar. Aqui se refere ao Filho do Sol e Pai da Raça atual. (3) Rishis são os Reis Sábios ou Patriarcas. 55
3. A ti, agora, que és meu amigo dedicadíssimo, quero de novo explicar esta doutrina, que é o mais profundo segredo e a mais velha verdade."
4. Disse Arjuna: "Como devo compreender-te, 6 Senhor, quando dizes que ensinaste a Vivasvat? Êle viveu no princípio do Tempo e tu nasceste há poucos decênios" (1).
5. Respondeu Krishna, o Verbo Divino: "Muitos foram já os meus nascimentos, e muitos também foram os teus, ó Arjuna. Eu sou consciente deles todos, mas tu não o és.
6. Escuta este mistério. Eu sou superior a nascimento; sou inato e eterno, sou o Senhor de todas as criaturas, pois tudo emana de Mim: mas também nasço, gerado por meu próprio Poder.
(1) Compare-se o Evangelho segundo São João, cap. VIII, vers. 57 e 58: "Disseram-lhe os judeus: "Ainda não tens cinqüenta anos, e viste Abraão?" Disse-lhes Jesus: "Em verdade, vos digo que, antes que Abraão fôsse feito, eu sou".
7. Sempre que o mundo declina em virtude e justiça; sempre que imperam o vicio e a injustiça, venho Eu, o Senhor, e apareço no meu mundo em forma visível, nascendo e vivendo como homem entre os homens.
8. A minha influência e doutrina destróem o mal e a injustiça, e restabelecem a virtude e a justiça. Muitas vezes, já apareci assim, e muitas vezes aparecerei ainda.
9. Quem me reconhece em minha encarnação, quem me conhece em minha Essência, não precisa reencarnar-se mais, ao deixar o seu corpo mortal, e vem morar comigo em meu reino de Bem-aventurança.
10. Muitos já vieram assim a Mim, tendo-se libertado do mêdo, ódio, ira e paixão. Quem a Mim se dirige com firmeza e em Mim fixa a sua mente, é purificado pela chama sagrada do Amor e da Sabedoria e, livre da atração dos objetos terrenos, torna-se semelhante a Mim, e entra em minha Vida Espiritual.
11. Eu acolho prazenteiro todos os que me procuram e honram, qualquer que seja o caminho que sigam, porque todos os caminhos, tôdas as formas religiosas, embora de denominações diferentes, a Mim os conduzem. 57
12. Até aqueles que adoram os Devas (1), e lhes pedem recompensa por suas ações, encontram o que procuram, pois no mundo dos homens toda ação produz o seu fruto.
13. Mas Eu sou o Criador da humanidade inteira, em todas as suas fases e formas. De Mim procedem as quatro castas (2), com as suas qualidades e atividades distintivas. Sabe que Eu sou o Criador delas, se bem que, em Mim mesmo, sou imutável e sem qualidades.
14. Em minha Essência, sou livre dos efeitos das ações e não tenho desejo nenhum de obter recompensas ou gozar os frutos das minhas obras; pois essas coisas são produzidas por meu Poder e não têm influência sobre Mim. Em verdade, digo-te que quem é capaz de achar a solução desse enigma e me percebe como Eu sou em minha Essência, fica livre dos efeitos das ações.
15. Os sábios antigos que conheceram esta verdade, praticavam ações sem esperar re-
compensa, e assim alcançaram a Liberdade. Segue também tu o seu exemplo.
(1) Devas: o mesmo que Anjos. (2) As quatro castas que representam as quatro classes de atividade humana, são: os Brâmanes (sábios), os Kshattriyas (guerreiros), os Vaisyas (comerciantes) e os Sudras (operários).
16. Poderás dizer que, às vezes, até os sábios não podem definir o que é a ação e o que é a inação. Eu t'o explicarei, e te ensinarei em que consiste a ação que te libertará do mal e te tornará livre.
17. É preciso distinguir estas três coisas: ação (isto é, reta ação), inação (ou abstenção) e má ação. É difícil discernir-se o caminho da ação.
18. Quem se adiantou de tal maneira, que é capaz de ver ação na inação, e inação na ação, pertence aos sábios de sua raça, e permanece em harmonia enquanto pratica ações.
19. As suas obras são livres dos vínculos de esperanças egoístas, e sua atividade é purificada das espumas dos desejos, pela chama da sabedoria. Tal homem merece o nome de Sábio.
20. Tendo renunciado aos frutos das suas ações, está sempre contente e confia na fôrça divina do seu interior, e assim está em inação, ainda que trabalhe, porque não age para a sua pessoa, mas deixa agir por si a fôrça Divina.
21. Não espera lucro, não receia perda; de nada depende, e conserva os seus sentidos sob o domínio da razão. Assim é senhor do seu sentir e pensar, um rei poderoso no reino interior da alma
22. Está contente sempre com tudo o que o dia lhe oferece; não se deixa alterar por ventura nem por desventura; é livre da inveja; conserva o ânimo igual e o coração afável, tanto no sucesso como no insucesso; faz sempre o melhor que pode, porém, sem se apegar à obra. Assim, vive puro e imaculado entre os impuros e pecadores.
23. As obras do homem que matou em si todo o apego e mantém sua mente firme na sabedoria, são como inexistentes para éle; tudo êle faz no espírito divino, conforme a vontade de Deus, e assim, cada uma de suas ações é um sacrifício no altar do Amor Divino.
24. Deus é Amor; Deus mesmo é o sacrificador e o sacrifício; Êle é o fogo e o alimento do fogo. Deus em Deus oferece sacrifício a Deus, e assim vem a Deus quem, oferecendo sacrifício, n'Êle pensa.
25. Há muitos devotos que invocam os deuses inferiores; outros adoram o Princípio Divino só no fogo do Amor.
26. Outros há que oferecem à Divindade sacrifícios de abnegação, renunciando ao que agrada o ouvido, a vista e os outros sentidos; outros dirigem a Deus preces e hinos pios e elevam ao Altíssimo os corações ardentes.
27. Muitos depõem no altar do coração os prazeres da vida, alimentando o fogo místico de renunciação, pelo qual se lhes comunica a Luz do conhecimento.
28. Outros renunciam à riqueza e fazem votos de penitência e obediência, ou dedicam-se ao estudo e à procura da verdade, meditando no silêncio.
29. Outros praticam a respiração sagrada, e pondo em harmonia o hálito interior e o exterior, dominam a aspiração e a expiração pelo poder da vontade.
30. Outros praticam abstinência e jejuns e esforçam-se por sacrificar a vida material, totalmente, à vida espiritual. Todos estes oferecem sacrifícios, ainda que de diferentes modos; e todos obtêm méritos pelo espírito sacrificial das suas observâncias.
31. Há muita virtude e mérito na moderação e no domínio de si mesmo; e esta é a causa por que os sacrificadores se aproximam de Mim. Sim, aqueles que se alimentam espiritualmente com a parte espiritual do sacrifício que a Deus oferecem, entram em união com Deus. Mas quem nenhum sacrifício oferece, não acha mérito neste mundo nem no outro.
32. Assim vês que há muitas formas de sacrifício e adoração, ó Arjuna, Se compreende-res isto, chegarás a ser livre de erros.
33. Melhor, porém, do que o sacrifício de objetos e coisas, é o sacrifício oferecido pelo saber. 0 saber ou conhecimento perfeito em si mesmo é o coroamento de todas as ações.
34. Ao saber perfeito, ao conhecimento da Verdade chegarás, adorando, servindo e investigando. Os sábios que possuem a sabedoria interior estão prontos a ajudar aqueles que procuram a Verdade.
35. Quando tiveres adquirido a Sabedoria, serás livre de confusão, dúvidas, má compreensão e erros; pois verás que tudo o que existe no grande Todo, forma uma só vida, e, por conseguinte, é contido em Mim e em ti mesmo.
36. Ainda que tivesses sido o maior pecador dentre os homens, a nave do conhecimento da Verdade te conduzirá sem perigo pelo mar dos pecados.
37. Como a chama reduz a lenha a cinzas e o vento dispersa estas, assim a Verdade converte em cinzas o resultado das más ações que cometeste em ignorância e erro.
38. Não há, no mundo, outro agente de purificação igual à chama da Verdade Espiritual. Quem a conhece, quem a ela se dedica, será purificado das manchas da personalidade, e achará o seu Eu Real.
39. 0 conhecimento da Verdade é dado àquele que vive na força da fé, e domina o eu pessoal e as impressões dos sentidos. Quem atingiu este conhecimento e esta Sabedoria, entra na Paz Suprema, no Nirvana.
40. Mas o ignorante e o descrente não podem achar nem o começo do caminho que à Paz conduz. Sem fé não é possível felicidade e paz, nem neste mundo, nem em outros.
41. Livre dos vínculos das ações é o homem que, mediante o Conhecimento Espiritual, cor-
tem os nós que o ligavam aos frutos das ações, e cujas dúvidas e ilusões todas ficaram destruídas pela Luz do Saber.
42. Levanta-te, pois, em teu poder, 6 príncipe, empunha a espada refulgente do conhecimento espiritual e corta todos os vínculos das dúvidas e ilusões que prendem o teu coração e a tua mente. Eleva a Mim a tua alma e executa a Ação que te é determinada."