Feita uma nova sessão, na residência da senhora Alzira, meu pai comunicou-se, havendo feito algumas considerações. Tendo-lhe feito eu saber que na volta carreava impressões desagradáveis, informou-me:
– É vantajoso que isso ocorra; assim você fica certo de que naquelas paragens a vida transcorre em ambientes de graves compressões emotivas. Já não sofrem certas dores e gozam da graça do trabalho fraterno; mas, como sente, ainda sofrem dores psíquicas, tristezas agudas. Todavia, como a Terra é diferente na ordem vibratória, e o seu grau hierárquico é algum tanto superior, a impressão que traz é mais forte. Eles, como inferiores e acostumados, sentem menos, embora a coisa aperte de quando em quando.
Falei-lhe sobre a grandiosa visão dos planos espirituais, dizendo ele:
– Assim como viu com referência ao mundo terrestre, que se subdivide em planos e subplanos, a começar do centro do bloco, ou da esfera sólida, assim se passa com os demais mundos, havendo fenômeno similar para os sistemas planetários e para as galáxias, e assim por diante. Sempre há uma unidade que serve de base, para todas as realidades fenomênicas do Universo. É o que cumpre saber e atender, pois cada um de nós é apenas parte e relação, tomando vantagens ou caindo em agravos, segundo as concepções e os atos praticados. Ora, como pode ajuizar, em tudo isso reinam, servindo de alicerce, o Amor, a Justiça, a Sabedoria e a Harmonia; como poderia ser que o crime representasse vantagem? Desde os primórdios instrutivos a Humanidade recebeu Leis e Mandamentos. A Índia dos Budas, que somaram quase trinta, não sabe ao certo de quando data o seu Decálogo. E os Mandamentos foram transmitidos para quê?
– Para ensinar que todos devemos respeito à Ordem Universal, pois ela reflete aquilo que se diz ser a Vontade de Deus.
– Justamente, meu filho. Quem desarmoniza fica devendo harmonia. E não poderá ter paz, aquela paz condizente com o seu grau de evolução, antes que reponha o seu estado vibratório. Resumindo, tudo é questão de vibração, de intensidade vibratória. O mais evolvido é mais intenso, o menos evolvido é menos intenso e mais denso. Levando em conta, como tantas vezes temos lembrado, que Deus reside no Infinito e no íntimo de cada um de nós, a grande questão está, então, no desdobramento das virtudes espirituais. E chegaremos de novo ao local de erro, que é a ignorância, de onde surgem crimes de variada ordem, começando pela idolatria. A Lei de Deus, como sabem, ordena a que se não cometam erros, começando por não admitir idolatrias. Entretanto... Bem, temos errado muito, meu filho, estando agora eu a render graças, pelo pouco que venho alcançando. Já disse que venho também de tremendas faltas, de lugares tenebrosos, lentamente subindo na escala das regiões e das esferas. Se eu conseguir reunir alguns elementos, fazendo-os reencarnar em boas condições, terei ganho uma lascazinha de Céu a mais. Conto com a sua ajuda, pois as suas orações e trabalhos muito me auxiliam... Tenho trazido alguns elementos para vocês doutrinarem, elementos de que necessito, porque foram companheiros de crimes e faltas.
– Conte conosco, pois temos gosto em servir – prometi-lhe.
– Existem fenômenos que decorrem de leis fundamentais, sendo pouco flexíveis, como a morte, por exemplo. Temos rogado pela vida... Temos rogado a Deus e a Jesus, pela sua paz e pela saúde de todos, mormente pela vida desta irmã, pois o seu tempo está findo, está transbordando, bem o sabemos.
Só de pensar na desencarnação da senhora Alzira, um manto de tristeza e de saudades envolveu-nos. Ela era uma luz brilhante, radiante. Quem se lhe chegasse ao alcance de sua pessoa, certamente sentiria a grande alma que era. Indo-se ela, fatalmente que seria para altas regiões, pois sua mente e seu coração planavam desde muito nas mais altas esferas do pensamento. Ela viria, certamente, ao encontro das amizades; mas ninguém teria o direito de pretender sua atenção contínua, já que outras atribuições lhe seriam dadas pelo plano Superior. Havia momentos de lucidez visual, em que eu enxergava tudo ao redor; pois ela brilhava de maneira tal, que era impossível encará-la!
Quando meu pai se foi, disse que viria um espírito sofredor, através de minha mãe. Quando veio, gemente e lastimoso, rogou preces, muitas preces, catadupas de preces.
– Sabes, então, que és desencarnado? – perguntei-lhe.
Esbravejando, respondeu:
– Estou pedindo preces e não perguntas!
– Nós queremos aprender. Tuas palavras servirão de advertência.
Ele retrucou, veemente:
– Façam preces por mim. Se eu melhorar, darei palavras e mais palavras, advertências e mais advertências.
Fizemos oração, com o máximo de concentração possível.
Daí a pouco, disse ele, amuado:
– Agora estou melhor... Mas a tortura volta!... Volta!...
– Por quê? Sabes dizer por quê?
Abanou a cabeça, custou bem, para a seguir informar:
– É muito fácil reconhecer as faltas... Mas não é fácil repará-las!... Eu vivo, como se fosse uma alma danada, rogando preces e mais preces... Fui simplesmente feiticeiro, mas sem dar conta disso. Meus guias mandavam fazer tais e tais coisas, cobrar tanto e tanto, e eu seguia a linha por eles indicada. Fiz muitos despachos e ganhei muito dinheiro... Mas a vida findou-se, não tendo eu conseguido paz em parte alguma. Sinto uma secura na alma, nas profundezas de mim, como se me faltasse a vida, como se brasas me estivessem liquidando, de dentro para fora, numa voragem de fogo e de torturas! É quando rasgo pela Terra, qual fantasma em desespero, rogando preces e mais preces!... Sempre encontro quem faça orações, quem me diga palavras de consolo, quem até chore por mim... Entretanto, passa o mal por algumas horas... Depois volta, medonho e cruel, apavorante!... Volto a correr pela Terra, volto a rogar!... Sempre assim, sempre assim! Meu Deus, eu sei que devo muito!... Piedade, Senhor!... Piedade!...
Convoquei meu pai, que vindo novamente, comentou:
– Noventa por cento daquilo que ele diz está errado. Ninguém é feiticeiro sem saber, nem é tão fácil conhecer e reconhecer as faltas; também não é certo o que diz sobre os guias, pois foi ele quem os obsedou, com o seu forçamento mental, fluídico e acional. A única verdade é que ele sofre tremendamente.
– Então, papai, ele está mentindo?
– Não está mentindo, mas está muito enganado. Ele sofre a tangência de suas obras, porém de maneira para ele sem explicação. É esquisito, pois quem se esmerou em artes danadas, covardes e traiçoeiras, agora se revela ignorante de leis até bem rudimentares. Observem que traiu a Lei, traindo-se a si próprio, por longos anos; teria sido inconscientemente? Reparem que convocou elementos da pior espécie, talvez todo o tempo em que exercitou o mediunismo; seria sem o devido conhecimento de causa? Esfolou animais, inocentes irmãos, para seus despachos; e não teria certeza do que estava praticando? Cobrou altas contas pelos tristes e repelentes serviços de macumba; teria sido sem querer?
– Devemos ou não pretender auxiliá-lo, papai?
– Sim, com todo o carinho possível; entretanto, reconheçamos primeiro a supremacia da Lei! Ensinar, explicar, incutir pensamentos de contrição. Nunca, porém, julgar a Lei e a Justiça por causa das faltas de quem quer que seja. Devemos desculpas e perdões uns aos outros; acima de tudo, porém, devemos observar os ditames da Lei e da Justiça!
O espírito bramiu, queixoso:
– É o primeiro que me acusa, ao invés de ter piedade!
Meu pai falou-lhe, com brandura:
– Antes de ser um irmão, sou agora um servo consciente de Deus. Jamais poderia trair a Lei e a Justiça, justificando o crime. Tiveste piedade de tuas vítimas? Deixaste de cobrar os teus horrendos serviços? Imaginaste na inocência dos pobres animais esfolados? Consideraste a prisão criminosa a que sujeitaste os pobres irmãos inferiores, com as tuas amarrações fluídicas? Percebeste a gravidade das invocações hediondas, forçando ao erro aqueles que já estavam sobrecarregados de faltas?
– Desgraçado de mim!... Estou perdido!... – bramiu o pobre, torturado.
Meu pai prosseguiu:
– Ninguém está perdido, ninguém é desgraçado. Apenas, irmão, tens obrado o mal e deves ressarci-lo.
– Não sabes o quanto sofro! – tornou o infeliz, desesperado.
– Eu sei, porque também penei nas trevas as mais tremendas dores e os piores assaltos de angústia. Devo repetir, entretanto, que todos os atos são relativa e simplesmente conseqüentes. Deveriam dar-te as glórias, pelo fato de teres cometido muitas faltas gravíssimas ao mesmo tempo? Empregaste mal os próprios poderes, ao mesmo tempo que atraíste infelizes irmãos à prática de piores crimes. E como pensaste, a respeito dos miríades de elementais que empregaste mal, insinuando malvadezas incontáveis? Sabes o que acontece a um animal, a um espírito ainda simples e ignorante, quando é feito objeto de imantações feiticeiras?
Gemia o infeliz, sem articular palavra; meu progenitor prosseguiu:
– Demais, cumpre saber, somos centelhas envolvidas em várias espécies de matéria. Começando das mais tênues expressões fluídicas, vamos incorporando outras e outras modalidades de matéria, que parecendo estarem em profusão, realmente estão separadas e distintas, cumprindo suas funções. Pouco importa que sejam as do corpo físico ou perispirital, pois tudo é envoltório, tudo comprime e faz sentir a presença. Quem tantos crimes comete, e comete o crime de forçar ao crime, de induzir ao erro, por certo se forra de matéria doentia, fedorenta e dolorosa! Assim é que estás, infeliz irmão, mesmo depois de teres estado em lugares de inenarráveis tormentas. Andaste muito, correste mundo, procurando fazer mal e ganhar dinheiro... Agora corres mundo procurando lenitivos, rogando um Pai Nosso pelo amor de Deus!... Repara o quanto a Lei é simples... Tens visitado os lugares ermos, as praias, os recantos solitários, as esquinas e os bosques; tens estado em todos os lugares onde andaste operando mazelas, imantando objetos, criaturas e infelizes almas atrasadas, além de inconscientes elementais.
– Pára!.. Valha-me Deus!... – bradou o infeliz, cheio de revolta.
Feito breve silêncio, logo após meu pai esclareceu:
– Não estou acusando, pois eu não poderia acusar. Também invoquei o Senhor para obrar a iniqüidade; também arrastei a minha tormenta pelos vales tenebrosos do subsolo!... Aos poucos, um dia, percebi que estava subindo, melhorando, ganhando esperanças... Quanto custou para sentir algumas fugidias esperanças!... E mais tarde, bem mais tarde, prepararam-me para a primeira reencarnação. Não te falo como juiz, mas como irmão que já pecou muito e resgatou, não tudo, porém o suficiente para servir com bastante ponderação ao Poder Supremo que a todos rege e encaminha. Estás revestido de um corpo horrível, cheio de marcas e vincos terríveis, que significam dores agudas, desesperos e angústias de morte. Entretanto, podes crer, estás melhorando sensivelmente, embora devagarzinho, lentamente. É que, aos poucos, estás modificando a mente e reformando o teu adensado e vincado corpo perispirital. A limpeza não poderá ser repentina, é claro, uma vez que as faltas foram longas, pertinentes e conscientes... Sim, muitas vezes pensaste na Lei, no reverso da medalha, nas conseqüências posteriores... Todavia, entregue aos caprichos de alguns espíritos desequilibrados, professos do mal, tiveste medo, foste covarde, continuaste o trabalho insano, malfazejo e cruel.
– Por Deus!... Pára!... – berrou o infeliz, num estertor.
Meu pai prosseguiu, sem lhe dar a menor atenção:
– Nossos pensamentos movimentam elementos e forças formidáveis. Os diferentes estados da matéria substancial; os diferentes graus espirituais que por afinidade vibratória se confinam; as cadeias mentais e o equilíbrio moral; tudo se movimenta, ao redor do homem, segundo como na intimidade se prontifique a pensar e a agir. Destarte, interior e exteriormente, valores se movimentam, construindo um estado de ser e estar compatível com a moral empregada. Como pretender melhoras, sem ser pelo refazimento? E refazer como, sem ser pelo trabalho?
– Trabalho!... Trabalho!... Trabalhar como, se estou em desgraça?!...
– Queres trabalhar? – perguntou-lhe meu pai.
– Eu sei que necessito trabalhar!... Eu sei... – respondeu, torturado.
Agindo com autoridade, falou-lhe meu pai:
– Temos para ti ordens a cumprir; deves compreender, porém, que os trabalhos serão da mesma ordem, mas na razão inversa. Formarás na falange dos que lutam contra a magia negra. Recuperarás dos erros do passado, amparando as vítimas de males semelhantes. Entretanto, observa bem, é muito comum haver quem descambe novamente, por força de injunções circunstanciais. É preciso muita cautela, para não destrambelhar, a fim de não tomar medidas que exorbitem daquilo que a Lei determine e ratifique.
Gemente, concordou:
– Dêem-me trabalho!... Saberei como pensar, saberei obedecer!...
Ordenou-lhe meu pai:
– Faça uma oração, mas uma oração que valha pela mais firme concentração em Jesus Cristo. Procura produzir o melhor contato mental.
Houve silêncio; moviam-se apenas lábios da senhora por quem ele falava. E ao cabo de segundos, ergueu-se ele, proferindo palavras de gratidão a Deus e a Jesus.
Meu pai, todavia, enunciou-lhe:
– Terás contas a prestar, algum dia, deste adiantamento. Lembra-te, que é apenas adiantamento. Porque, afinal, tens reconhecido as faltas e rogado ao Céu pela tua redenção. Afora o que pagaste sofrendo horrores infernais, terás agora a grata oportunidade dos reparos em serviços de fraternidade, amparando as vítimas do mesmo mal em que te exercitaste. Vem agora comigo, que te entregarei ao chefe sob cujas ordens irás trabalhar.
O pobre espírito delirava de satisfação, rendendo graças a Deus, quando se retirou, para acompanhar meu pai, indo a caminho de sua redenção pelo trabalho.
Antes de se irem, avisou-me o meu progenitor, da possibilidade do encontro, à noite, com aquele irmão. É difícil fazer compreender, até onde tais acontecimentos significavam maravilhosos eventos para mim. Não pense alguém, por fazer cálculos, que o desdobramento de um espírito encarnado lhe seja fenômeno correspondente à vida livre, como sucede com a libertação carnal. Entretanto, como a libertação carnal também não é completa, porque para isso seriam precisos formidáveis recursos evolutivos, e bem pouca gente assim a Terra hospeda freqüentemente, devo dizer que é das faculdades a que mais conforta e revigora o viajor da carne. Porque, digam como quiserem os exegetas da hermenêutica doutrinário-mediúnica, até grandes médiuns de outras faculdades padecem de ausências de fé, em muitos transes da vida. O desdobramento consciente é a grande arma de combate contra certas fraquezas e desfalecimentos. Em compensação, podemos garantir, representa apreciável soma de responsabilidade. Como tese ou regra geral, afirmamos que há sempre muito de adiantamento nas questões facultativas; mais tarde ou mais cedo, todos teremos de responder pelo uso feito com todos os bens da vida; acima de tudo, porém, por aquilo que diremos serem as máximas virtudes espirituais.
Saibam aqueles que o desejarem, que a mediunidade é, de fato, nos fundamentos, lei de relação, força de entrosamento ou contato, observando porém a lei das gradações vibratórias, em todos os reinos, em todas as espécies, em todas as famílias, variando talvez ao infinito quanto aos indivíduos. A mediunidade está em tudo, embora em cada meio opere em conformidade com as leis regentes específicas. Quando atinge o plano hominal, naturalmente que observa o princípio que se fundamenta no alicerce intelecto-moral. Isto quer dizer, que essa lei de relação age consoante a evolução dos elementos em seus respectivos meios, havendo portanto, para efeito discernitivo, que considerar os fatores seguintes, pelo menos: gênero, espécie e família, individual e socialmente, sejam elementos materiais ou espirituais. Porque, afinal de contas, em plano algum da chamada Criação, os indivíduos vivem e agem distintamente. Há sempre o regime de interinfluência, motivando abalos e choques ou entendimentos e sintonizações harmônicas, em todos os planos da vida. E nos planos hominais, notemos bem, ainda restam as questões chamadas delegadas, os casos de adiantamentos facultativos. E, infelizmente, devemos dizer que grande é o número dos que malbaratam as vantagens naturais e as graças facultativas. Isto é, não aproveitam o que é próprio e não honram o que é por graça. Não é preciso comentar os resultados, pois as conseqüências são concludentes.
Se todas as criaturas compreendessem, de uma vez para sempre, que a Lei, através da Justiça, fornece punições e dádivas e que nem o mais arguto espírito encarnado, contando com sublimes faculdades, talvez pudesse chegar a conhecer ao certo, até onde vão os seus recursos naturais ou por evolução, e onde começam a prevalecer as graças facultativas; digo, pois, que muitas criaturas agiriam com a maior prudência, a fim de não se darem a usos comprometedores.
Compreendamos, num lance de raciocínio, que Deus envolve a criatura em verdadeiro ambiente de recursos, oferecendo-lhe, muitas vezes, ainda por cima, graças em adiantamentos, a fim de que se experimente nalguns ramos de atividade. Qual é a criatura que leva a sério a sua responsabilidade? Qual virá a ser o grau de culpa, em virtude dos maus usos feitos? Bem sabemos que poucos são os que se recomendam pelas obras. O grande número faz como bem entende, muitas vezes nem sequer percebendo que há uma responsabilidade em tudo e para tudo.
Naquela mesma noite, conforme a palavra de meu pai, fiz oração e roguei a Deus a graça de um feliz desdobramento. E mantive a palestra alvitrada por meu pai com aquele infeliz irmão que usara suas faculdades, e mais as graças facultativas, para fins condenáveis ou inversos à Lei de Deus.
Ele era um homem louro, bastante alto, meio encurvado, apresentando na fisionomia as marcas de grandes tristezas em mescla com algumas esperanças. Ainda se descobriam, em seus olhos, as expressões de pasmo e horror, desconfiança e medonhos traumas íntimos, coisas naturalmente trazidas daquelas tristes regiões onde estivera. Sua voz era rouca, sufocada, impressionava bem mal.
Abordando-o, procurei fazê-lo com bondade, lembrando que ser cristão é saber, compreender, perdoar e auxiliar nos rumos da Verdade libertadora.
– Então – disse-lhe – estamos sempre defronte aos trabalhos redentores.
Em tom bastante humilde, murmurou:
– Aqui estou com o meu catecismo... Diz ele que o cérebro e o coração deviam ser melhor aproveitados, a fim de conseguirmos mais, sofrendo menos. Infelizmente, porém, descambamos para fora da Lei, criando situações difíceis para mais tarde. Foi o que fiz, pondo a perder o que era produto de minha evolução e aquela partezinha que houvera rogado por graça, como adiantamento.
– Todavia, não se acha defronte aos labores ressarcitivos?
Não havendo dado resposta, porque naturalmente meditara no tempo perdido com as más obras, também nada lhe disse mais, estando disposto a não mais lhe falar. Foi ele, no entanto, quem a seguir comentou:
– Tenho meditado a valer sobre a vida e seus envolvimentos favoráveis. Verdadeiramente, Deus rodeia a criatura de vantagens múltiplas, para que ela tenha o necessário e até mesmo a sobra. A Natureza em geral fornece à criatura elementos fantásticos de aproveitamento, além de sábias lições de ordem e mecanismo, onde o fator Moral se revela pujante. A criatura, no entanto, esquece até mesmo o que é mais evidente, como soem ser os valores telúricos, indo a ponto de menosprezar ao que é de acendrado teor espiritual. Usa estupidamente o Céu e a Terra; emprega a Verdade para efeitos mentirosos; cultiva o ódio em nome do Amor e lança a desgraça por conta da Harmonia!
Colocou a mão direita espalmada sobre o peito, exprimindo:
– Sinto o peito em fogo!... Dói-me a alma inteira!...
Senti que o pobre sofria, porque sua aura me invadiu num instante, trasladando-me suas angústias de espírito e dores corporais. Assaltado por aquela tormenta, veio-me à idéia o desejo de auxiliá-lo, pelo que ofereci, compadecido:
– Em que poderei auxiliá-lo? Sei que sofre horrores...
Erguendo a cabeça de maneira a causar pena, rogou:
– Ore por mim... Mas ore com sentimento, porque só o Amor é realmente grande!... Você disse, enquanto estive comunicando, que se o inferno contivesse um pouco de piedade, certamente deixaria de ser inferno. Digo que é uma grande verdade, verdade que fala através de minhas feridas espirituais. Rogo, pois, que faça preces por mim. Quando os pensamentos bons chegam a mim, sinto que é como se milagroso bálsamo caísse do Céu em cima de minhas chagas e purulências.
Como estivesse ele defronte a mim, recostado numa parede, pedi que ficasse em silêncio durante alguns segundos, com a mente voltada a Jesus crucificado, meditando no imenso ato de renúncia. Enquanto isso, disse-lhe eu, iria fazer uma rogativa de todo respeitosa, desejando a melhora possível, nos pródromos da Lei e da Justiça.
– Confesso minhas culpas – emendou ele, em tom penitente.
– É uma grande coisa reconhecer os erros; pense em Jesus crucificado, vamos ver o que virá.
Aos poucos senti que algo superior vinha sobre mim, em forma de ondas que iam e vinham; eram sublimes descargas energéticas, que eu sentia passarem por mim e irem ao encontro do pobre irmão, beneficiando-o, possivelmente.
Quando se findava a operação de auxílio, vi que ao lado dele apareceu uma senhora ou irmã, criatura de grande esplendor espiritual, porém revelando no semblante os sinais da tristeza piedosa. Permanecendo quieta, apontou para ele, que não podia vê-la por causa das deficiências psíquicas ou vibratórias, indo embora sem nada dizer, mas esboçando agradecido sorriso. Compreendi que ela bem poderia estar simbolizando a piedade, naturalmente a piedade que eu lhe ficaria a dever.
– Acha que adiantou alguma coisa? – perguntei-lhe.
Ele sorriu, um sorriso entremeado de felicidade e de amargura, proferindo:
– O Amor seria capaz, algum dia, de nada significar?
– Bem, mas o senhor sabe que estamos em face da Lei e cumprindo desígnios judiciários. Além do mais, agi por mim mesmo, sem ordem alguma superior.
Ainda com vago sorriso nos lábios, considerou:
– Se eu, agindo por mim nos domínios do Mal, obtive fatos conseqüentes de subida gravidade, merecendo os infernos de variada ordem e especificação, por que razão o senhor, agindo por si nos domínios do Bem, teria o direito de duvidar do Amor de Deus? Sei que estamos em face da Lei, para todos os efeitos e sempre; é notório, entretanto, que a piedade atinge altas expressões dirimentes, além de estar acima de cogitações. Isto é, humanamente ela deve ser executada, ficando as reações conseqüentes a cargo de melhores alturas, daquilo que chamaria de Tribunal Divino.
– Agiu muito mal, uma vez que pode pensar tão bem! – observei.
Contrito, aclarou:
– O delírio de poder me engoliu... Todos os enganados pelos espíritos ruins se acreditam fortes e poderosos. O fascínio dos fracassados do mundo espiritual é arma insidiosa, capciosa, difícil de ser vencido. Eles garantem condições de força e de poder, ativando recursos de que podem e sabem lançar mão, até o final da comédia. Depois, como sucedeu comigo, sumiram, abandonaram-me! Ao abrir os olhos para o mundo espiritual, primeiro vi Céus e maravilhas, caindo a seguir num tremedal fantástico, tremedal que a seguir fez treva, dores e angústias que pareciam não ter fim! Eu sei que me fizeram ver o que poderia ter ganho, todas aquelas glórias inenarráveis, todo aquele imenso cabedal de sublimes recursos espirituais, para enfim fazerem-me receber o justo, apenas o merecido, a fim de eu mesmo aprender o discernimento das verdades de Deus.
– Formidável lição! – exclamei.
Ainda sorrindo amargamente, comentou:
– Formidável!... Pois se custam trabalhos as más práticas, por que não aproveitar o trabalho em nobres ações? Se empregamos o cérebro e o coração a fim de obras comprometedoras, por que não usá-los conforme os ensinos da Lei? É de fato formidável a lição; mas não seria melhor aprendê-la de outro modo? Você, de acordo com o que me disseram, e tudo faz crer pelas faculdades de que goza, não está aprendendo acima de tamanhos sofrimentos e tão significativa perda de tempo?
– Concordo que a dor seja um recurso, não porém o único; acima do sofrimento devem encontrar-se a Inteligência e o Amor.
Imediatamente advertiu:
– Pois eu tenho a mais plena certeza, meu senhor, que a Inteligência e o Amor são os recursos normais e justos, nada mais sendo a dor senão a medida extra ou a fase de forçamento. Basta elogiar a dor para se estar em falta, essa é a concepção a que estou chegando, em breves horas, depois de ler este catecismo. Nem poderia ser de menos, pois até os animais inferiores têm noção do que é melhor, seja por intuição inconsciente, seja lá pelo que for. Ora, meu senhor, isto quer dizer que Deus dá os recursos e oferece os exemplos, antes que a criatura por si mesma cometa erros e se castigue. Demais, como pôde observar através do meu caso, que é similar aos demais, onde estaria a minha razão justa de queixa? Quem foi que empregou mal os recursos naturais e aqueles que foram adiantados por graça? Quem moveu a Lei e a Justiça contra mim, sem ser eu mesmo? E se eu precisasse de conselhos, não teria os conselhos da Lei, os exemplos do Cristo e os anúncios da Revelação? Não é mesmo estupidez, cometer faltas e convocar o império da tortura reparadora?
Tendo-me conservado em silêncio, prosseguiu ele, compungido:
– Não é pela Vontade de Deus que nós chafurdamos no sofrimento. É pelo mau uso que fazemos de nós mesmos, aviltando a Inteligência e o Amor. Quando nada mais tivéssemos para contar, como recurso defensor, teríamos o recurso do instinto de conservação, que é o mais elementar, que é aquele de que até os ditos irracionais sabem usar! Isto quer dizer, então, que os conceitos humanos se acham errados, ou embotadas as virtudes básicas, não é isso?
Tive um ímpeto de riso, pela idéia que me aflorou à mente; como permanecesse calado, manifestou ele a curiosidade, havendo-lhe eu dito:
– Que coisa ridícula chegamos a ser, em face das leis regentes do Universo. Enquanto elas proclamam que devemos viver em equilíbrio permanente com a Harmonia Universal, nós descambamos para os extremos, usando mal a tudo quanto por natureza pode ser bom. Assim, por exemplo, o culto religioso, que é tristemente adulterado. Alguns pecam pela falta de conhecimentos, negando tudo quanto é espiritual, animalizando-se, portanto, quando não seja fazer coisa pior; outros apelam a todos os recursos idólatras, traindo a disciplina perfeita, que é amar a Deus como Espírito e Verdade, ou em base de Amor e de Ciência; outros, ainda, como no seu caso, até mesmo da Revelação fazem mau uso, descambando para a feitiçaria. É do que me estava a rir, pois até parece jogo de infantilidade.
Abanando a cabeça, balbuciou:
– Antes o fosse!... O mal é que andei lendo muito, acumulando conhecimentos, assumindo graves responsabilidades. E não se diga que os conhecimentos fossem maus; tenho certeza que eram e são bons. Todo o mal derivou da má prática, do abuso feito através de obras, alimentando fitos hediondos.
Meu pai chegou, pois ali me houvera deixado e se fora, noticiando que devíamos partir em busca do padre Jonas, para com quem tínhamos certa obrigação a desempenhar. O pobre homem rogou orações em seu favor, consciente de que muito se pode através dela, quando aplicada em termos amorosos. De fato, pelo que dissera, demonstrava conhecer o mecanismo da força mental, força que arrasta consigo fortes contingentes de valores espirituais, morais, mentais, energéticos e fluídicos, valores que operam maravilhas, quando as felizes associações ocorrem.
Fomos em demanda ao padre; varamos lugares e barreiras, em fração de minuto, encontrando-o em oração, no meio de uma renque de árvores, conservando na mão o livrinho que lhe haviam dado, para se iniciar nos conhecimentos curadores.
– Salve! – exclamamos, a um tempo.
Erguido num repente, respondeu à saudação, revelando grande alegria no semblante.
– Preparando-se? – perguntei-lhe.
– Os filhos de Deus são repositórios de Virtudes Divinas, poderes que devemos desabrochar à custa de trabalhos nos campos do Amor e da Sabedoria. Em lugar de simulacros e salamaleques, rituais e sacramentismos pagãos e comerciáveis, devemos procurar conhecer as leis determinantes dos fenômenos, a fim de aplicá-las bem e para o bem.
Sustentando alto o livrinho, bradou:
– Um grande mestre! Um grande mestre!
Meu pai perguntou-lhe:
– Já começou a funcionar como aplicador de mãos?
– Não. Tenho quinze dias de estudos e meditação, antes de começar. Além do mais, devo saber olhar para a chamada Criação, sentir amor pelas coisas de Deus. Eu jamais teria sabido, antes, como se deve encarar um animal, uma planta, uma flor, as águas, as montanhas e os vales!... Tenho aprendido verdades interessantes, fontes de recursos maravilhosos!
– A grande lei é amar, Jonas. Sempre foi e jamais deixará de ser. Quem não sabe amar não sabe servir a Deus nem a si próprio. E tudo quanto não é simples é superficial, sendo conseqüentemente corrupção e idolatria.
Compenetrado, endossou a minha palavra:
– Palavras dignas de respeito. Entretanto, a Terra não poderá entender semelhantes verdades. A sua Humanidade é defeituosa, cheia de vícios idólatras, enquanto se acredita sábia e consciente. A cegueira espiritual faz acreditar em tudo quanto é exterior e grosseiro, material e pagão. E como não se pode fabricar evolução para ninguém, conseqüentemente não se pode exigir que a Humanidade melhore prontamente. Muitos homens, portanto, que a si mesmos se consideram superiores e sábios, continuarão por muitos séculos a dobrar os joelhos diante do pau e da pedra, do gesso e da simulação, porque a idolatria é um vício e dos piores, quando alimentado pelas falsas concepções.
– Jonas – disse-lhe meu pai – estás aprendendo bem depressa! É admirável que um discípulo da idolatria tão pronto se faça um bom filho de Deus, apenas ao ler um bom livro. Nós, que viemos ao teu encontro a fim de serviço, temos grande prazer em saber que estás assim adiantado nas lições da Verdade e do Amor.
– Serviço?! – indagou ele, admirado.
– Sim, viemos para te servir nalguma coisa; dentro de alguns minutos, aqui estará uma outra pessoa encarnada, que muito bons fluidos poderá te fornecer, contribuindo para a tua melhora relativa. Estamos de hora marcada, estamos quase em cima da hora.
– Há em Deus mais Justiça do que parece! – respondeu ele a meu pai, enquanto mantinha o semblante lívido, contemplativo.
– Sim, de tudo chega a hora, pois não? – disse-lhe meu pai, satisfeito.
– Tivéssemos um pouco mais de bom senso – observou ele – e provocaríamos bastantes horas agradáveis. Noto que tudo vem por conseqüência, que em tudo devemos ser juízes em causa própria. Ontem, estando a ler este livrinho, veio a mim o monitor, entrando em palestra comigo, discutindo questões doutrinárias. Por fim, sacando de um bolso um livrinho, mandou-me ler em determinado lugar; era o último capítulo do Apocalipse, capítulo formidável, porque contém toda a moral do processo evolutivo, lembrando radicalmente a responsabilidade de cada um perante as leis da vida. Ninguém dá nada de graça nem erradamente! Tudo é segundo as obras no âmbito da mais impoluta Justiça.
Mal terminava ele o seu discurso, quando a senhora Alzira chegou, cheia de alegria e toda envolvida em luzes e alegrias. Estacou junto a nós, restringiu o brilho que externava e prontificou-se a servir. Tamanha foi a minha alegria, ao vê-la tão perto e senti-la tão elevada perante Deus, que lágrimas me rolavam pelas faces. Ela veio a mim, beijou-me a testa com maternal carinho, dizendo:
– Bem aventurados devem ser os que sentem prazer na felicidade alheia. Deus te abençoe, Teodoro, pelo fato de poderes amar o próprio Amor.
Jonas veio a ela, com os braços estendidos, exclamando:
– Filha do Céu! Dize alguma palavra boa para mim!...
– Acreditas no Amor? – perguntou-lhe ela, sorrindo com simplicidade.
Jonas encolheu os ombros, sussurrando:
– Não tenho certeza, minha senhora, tão pequenino que sou e cheio de grandes dívidas... Todavia, como possas tu penetrar minha alma, observa que estou arrependido e desejoso de acertar com o Caminho... Se não acredito no Amor, porque para bem crer é necessário bem saber, pelo menos acredito nas almas que já se fizeram dignas do Pai...
Jonas derramava copiosas lágrimas quando terminava suas palavras; ela também tinha o seu semblante puro todo banhado, porque onde não havia lágrimas havia emoção profunda, consternação e carinho. Enquanto a cena se desenrolava, eu me lembrava da frase bíblica, que diz: “Bem aventurados os pecadores que se fazem penitentes”.
Quando a senhora Alzira retirou a sua destra da cabeça de Jonas, ele tremia e repetia orações, tangido por estranha força. Aos poucos, entretanto, voltamos ao normal, prosseguindo a palestra por um pouco.
Ao nos despedirmos, disse-lhe a senhora Alzira:
– Quando te devotares a Deus, em Espírito e Verdade, como te devotaste aos ídolos e simulacros, farás grandes coisas! Lembras-te muito bem das palavras de Jesus, pois não?
Ele repetiu as palavras de Jesus, como se acham no capítulo quatorze do Evangelho segundo João, acrescentando, reverente:
– Se os grandes corações continuarem a me visitar, certamente farei grandes coisas, mesmo antes de tamanho devotamento. Pois se estou sendo visitado assim, apesar de minhas culpas e deficiências, como não devo sentir que o Amor de Deus se derrama sobre mim? Que graça é esta que vem sobre mim, eu que jamais soube o que fosse querer verdadeiro bem a alguém? Não é Deus que vem a mim, através de Seus filhos servidores, para me ensinar a grande lição do Amor Divino? Hei de me lembrar de tuas graças, que deves tê-las recebido de Deus, quando tiver que atender a quem tenha menos do que eu... Creio que aprendi uma grande lição...
Deixamos o padre entregue às suas meditações, volvendo à Terra encantados com a grande viagem.
No dia seguinte, ou quando fora dia, corri a perguntar à senhora Alzira, se tinha lembranças do acontecido. Ela estava serena, simples e consciente de tudo, informando minuciosamente sobre o que se havia feito. E enquanto eu pensava nas importâncias do fenômeno em seus caracteres exteriores, ou no fato em si, tendo ela feito alusão, comentou, observando:
– Os fenômenos dão provas das leis que os determinam; rendamos graças a Deus pelo acontecido, porque isso significa que estamos aumentando nossos créditos perante a Soberana Lei, o que importa dizer que estamos ingressando bem na UNIDADE SAGRADA, na FONTE DIVINA. Esqueçamos o corpo da questão, para lembrarmos o espírito da questão, pois sem atingir as leis mais profundas não é possível provocar os mais intensos fenômenos, porque eles representam, na escala, as diferenciações vibratórias, os graus psíquicos específicos. Tratemos de melhorar os nossos sentimentos, procuremos equipar a mente com os melhores recursos do saber, a fim de conseguirmos subir na escala dos valores imortais.
Para terminar a sua concisa alocução, aconselhou:
– A Terra, Teodoro, em sua fase evolutiva, é um mundo onde a piedade nunca deve ser esquecida; a Humanidade está cheia de trabalhos evolutivos para realizar e de graves faltas pretéritas para ressarcir. A ignorância e a dor campeiam pela Terra inteira, envolvendo as criaturas com seus terríveis grilhões. Antes de mais nada, ponhamos a piedade a funcionar, procurando amar intensamente, fazendo todo o bem possível. Enquanto estivermos com Jesus, nas obras, Ele estará conosco em graças e felizes oportunidades.
Ao
despedir-me dela, estava encantado como de costume; ela demonstrara,
mais uma vez, que fazia da vida uma prece, um ato de louvor a Deus.