Pela manhã fui visitado por Salmo, relatando-lhe o ocorrido. À tarde veio minha mãe, trazendo consigo três outras mulheres, às quais fui apresentado. Eram servas do bem e trabalhavam nos círculos espíritas, arrebanhando pessoas e encaminhando-as às sessões.
— Fazem, — informou minha mãe, — um duplo serviço; concorrem para o esclarecimento de um e para a bem aventurança de outros. Esse é, verdadeiramente, o serviço que cabe ao Consolador.
— Tenho muito prazer em conhecê-las, senhoras.
Elas sorriram e uma adiantou-se:
— De muito que nos conhecemos, irmão Palmério. Trabalhamos nos grupos de estudos, onde missionários encarnados, de vocês conhecidos, preparam a obra que ficará como marco fundamental da doutrina organizada. Apenas, como os trabalhos são complexos, de várias ordens de serviçais há mister. Enquanto uns agem no campo intelectual, outros procuram curar, outros arrebanham sofredores nos planos inferiores do astral e na própria crosta, agindo outros, ainda, em muitos outros departamentos de ação. Você irá ver, e compreender, o quanto a restauração do Cristianismo importa em comoções de ordem geral. Tudo será abalado, com o advento da era do Consolador, podendo-se dizer que nada ficará no lugar, pois onde quer esteja um homem, ali estará a idéia de renovação.
— Dou graças a Deus de ter pertencido aos quadros da nova ordem espiritual.
— De ter pertencido? E não vai continuar a obra? Que lhe foi encomendada pelo Mestre? Ou pensa tenha sido aquilo apenas um sonho?
— E teria eu merecido uma visita do Senhor?
— Não importa saber como a lição do Senhor tenha vindo a si; o que importa é saber que ela veio do Mestre e pelos altos recursos do Mestre. Na terra e nas esferas astrais, milhares de criaturas, diariamente, têm contatos assim com o Mestre e Dele recebem instruções. Que julga você, de Seus poderes e do mecanismo de que dispõe para estar sempre a par de tudo, amparando e assistindo?
— Eu pouco ou nada sei. Mas tenho presente a contínua advertência de um irmão, instrutor de um grupo, que repete sempre aquela sentença da Sabedoria Antiga, ou como a chamam — «Quando o discípulo está pronto o Mestre aparece».
— É realmente assim. Conhecemos esse instrutor e cedo o terá como companheiro de serviços. Ele foi, na última encarnação, um estudioso das ciências orientalistas. É um profundo conhecedor de cultos e doutrinas, que agora estuda o esquema da nova ordem espiritual, que compreende a restauração do Cristianismo e seus avanços. Um fim de ciclo bate às portas da humanidade e tremendas convulsões vão assaltá-la, sendo por isso mesmo necessário esclarecê-la, a fim de que o desmoronamento seja apenas de ordem material. Isto é, que não se percam grandes valores adquiridos através de milênios. Porque perdas, e muitas perdas, hão de se dar. A lavratura do Consolador não é com o fim de eliminar da terra o que ela atraiu, está atraindo e decididamente provocará; é apenas para amenizar o choque, pois há necessidade de choque para o rompimento do coscorão tradicional, dos conceitos e preconceitos que tanto a prendem à involução, que tão acirradamente a envolvem nas tramas do ronceirismo divisionista e comprometedor.
A conversa desandou por múltiplos ângulos do conhecimento e a tarde tombou sobre a região, entregando-a aos embalos de suavíssimo êxtase. Quando o crepúsculo assomou às fronteiras da noite encantada, minha mãe convidou:
— Filho, vamos à crosta. Temos muito o que fazer.
— Eu?!...
— Sim, é hora.
— Que maravilha, mamãe!. . . Eu vou andar?
— Sim, vai entrar aleijado e sair curado. Deus o quer.
Senti em mim, então, tremendas convulsões íntimas. Parece que o não lembrado sistema magnético, veio à tona de minha constituição e reclamou toda uma soma de considerações. Correntes elétricas, assim se me afigurava, varriam-me dos pés à cabeça e vice-versa. Um pranto feliz inundou-me o rosto de lágrimas, e fui sentindo, aos poucos, aquele êxtase que havia sentido durante a visão do Mestre. Era um estado de gozo, era um deslumbramento.
Desci do leito, como rastejante; mas minha alma estava de pé. Acompanhei aquelas quatro mulheres até o pátio ajardinado daquela mansão recuperadora, sendo em seguida convidado a pensar em Jesus-Cristo, a fim de auxiliá-las no serviço de transporte até a crosta. Foi pensar, querer e realizar. Numa fração de minuto estávamos na crosta, fazendo companhia, num recinto familiar, a um elevado número de irmãos destas plagas, e de cinco irmãos encarnados, inclusive Allan Kardec.
Observei com atenção o ambiente em geral, principalmente o espiritual, notando que eram muitos os que ali estavam, como eu, necessitando de cura. Alguns irmãos eram verdadeiramente de notável elevação. Ou porque suas vestes fossem brilhantes, ou porque tivessem suas cabeças envoltas em auras fulgurantes, ou porque seus traços fossem distintíssimos, eles revelavam majestade e força moral.
Tendo eu feito referência a eles, disse-me minha mãe:
— Eles estão reduzidos em si mesmos, pela vontade, a fim de se tornarem suportáveis pelo meio em que se acham. Se quisessem se apresentar, tal qual como são e podem, quem os olharia? Você sabe que este trabalho resume, enfim, a restauração do Cristianismo do Cristo, do Batismo de Espírito, estando a intervir, portanto, a vontade e autoridade do Divino Mestre, bem assim como o trabalho de Seus mais imediatos colaboradores. Faz-se, de um modo geral, a restauração e a síntese das Revelações. Do Cristo Modelo partiram os Grandes Mestres da antigüidade, e no Seu Batismo de Espírito se encerram todas as verdades fundamentais, uma vez que a Moral é a mesma e a Revelação também. Apenas, o propósito é, agora, levar o conhecimento dessa verdade a todos os recantos do Planeta, na crosta e nos seus domínios espirituais. Depois, com o amadurecimento das idéias, e o evolver dos tempos, começarão os trabalhos de minúcia, os detalhes, a penetração nos matizes da Verdade. Primeiro, porém, cumpre apresentar a plataforma básica.
De quando em quando chegavam agrupamentos de elementos espirituais; alguns vinham como flechas de luzes multicores, outros davam entrada lentamente, conversando, tratando de assuntos vários.
Chamou-me a atenção, em dado momento, alguém que se postou ao nosso lado, bem afastado da mesa, e que era um senhor, um espírito, deveras encanecido, de cabelos brancos como a neve, todo encurvado, rosto espichado para a frente, com toda a característica do puro sofista. Ele olhava, sorria com desdém, sacudia a branca e pontuda cabeça, resmungava não sei o quê. Suas mãos nervosas, postas para trás, tinham os dedos em movimentação contínua. Via-se que tinha em mente um plano qualquer.
Em dado momento, parece que ignorando a presença de outros e mais categorizados irmãos, foi para o redor da mesa, onde estavam os encarnados e alguns mentores, dando-se a girar para um lado e outro, sempre nervoso, cada vez mais nervoso, até que começou a perguntar, em voz alta, pensando que o haviam de escutar:
— E então? Como é isso? Respondeis ou não? Existe alguma verdade fora dos Livros Sagrados? E são mesmo Sagrados esses Livros? Quem poderia provar que o são?
Como ainda não tivessem dado início à sessão, não lhe deu acesso uma senhora, muito respeitável médium, em quem se encostou, fazendo-a ressentir-se de sua aproximação. Ele, bem se via, era um inconsciente de seu estado.
Como ninguém lhe respondesse, continuou:
— Errados? Quereis responder-me ou não? Se não merece resposta o homem, respeitai ao menos aquilo que chamais a Verdade! A vossa Verdade. . . Porque eu acredito na Natureza e em mim, eu que sou parte dela.
Punha-se nervoso, berrava suas razões, gesticulava. E foi nessa hora, que um dos mentores dele se aproximou, tocou-lhe no ombro e disse-lhe
— De que lhe vale esse nervosismo todo? Não sabe que são encarnados, que o não podem ouvir?
Olhou-o bem, sacudiu os braços e reclamou:
— Outro com a mania dos desencarnados!... Aqui só disso se ouve falar! Os que aceitam as conversas são encarnados e são razoáveis; os que não aceitam e nem aturam as patacoadas que apregoam são desencarnados e tolos... Muito bem! E o senhor o que é?
— Eu sou um desencarnado, e você também. E não se trata de ser encarnado ou desencarnado, quando se faz alusão ao que é Verdade, isto é, ao que é verdade genérica ou fundamental. A Verdade é uma só para todos; nem todos, porém, são os mesmos para com a Verdade. Uns lhe estão mais próximos, outros mais distantes. O de que você carece, irmão, é de uma boa orientação.
Precipitadamente, advertiu ele:
— Boa orientação? Mas à vossa moda? Eu quero é outra coisa... .
— O que? — perguntou-lhe o mentor.
Ele mediu-o muito bem e respondeu:
— Eu quero que vós vos convenceis de que tudo isso que pregam é imaginação. É a quinta vez que aqui venho e ninguém me permite falar a todos e livremente. Que significa isso? Ao que é que chamais de Verdade? Todos aqui falam na Verdade e ninguém me quer ouvir!... Tenho ou não o direito de falar?...
Olhou e apontou para Allan Kardec e disse, revoltado:
— O mandalhão! Ali está quem fala e vale sempre! Por que não me responde, se vive a dizer que todas as questões atinentes à Verdade devem ser livremente discutíveis?
O mentor observou-o:
— A sua vez chegará, eu prometo. Mas agora vá lá para trás. Muitas criaturas mais estão aqui a quem não pode ver. Do contrário, é claro, havia de se portar de modo mais recomendável.
Ele soltou uma gargalhada e resmungou:
— Pronto! Pronto! Volte para trás. . .
Não sei o que lhe tenham feito, nem como, mas sei que o homenzinho, num repente, calou e foi para o seu cantinho, lá permanecendo até ser convidado. Isto, depois de ter eu passado pela minha reforma geral, graças a Deus. Eu necessitava de cura para o meu corpo de espírito; ele tinha carência de outras e mais profundas curas. A minha entrada foi anunciada antes, tendo eu recebido jatos luminosos de todos os presentes. Depois de falar, apresentando-me, Allan Kardec pediu preces em meu favor. Tudo, então, em mim se comoveu! Minha mente, ela só, ficou de pé, permaneceu intacta, o restante passou por uma reviravolta, sofreu um tremendo abalo, teve de amolgar-se de novo.
Depois de curado, disse-me um mentor:
— Conserve a mente em harmonia, para que seu corpo também possa estar em ordem. O homem cuja mente se corrompe, conseqüentemente terá seu organismo exterior deformado. O espírito age sobre as gamas mais íntimas da estrutura magnética, passando daí para as mais grosseiras ou densas. E assim mesmo, por escala, vem atravessando os gazes, os vapores, os líquidos, atingindo os sólidos. Não há pensamento que não atinja, pouco ou muito, mais ou menos depressa, todo o corpo humano, na carne ou aqui. É de notar, também, a presteza com que certas glândulas reagem aos impulsos das ondas mentais, variando imediatamente a qualidade de suas secreções. Daí, portanto, poder-se a criatura, na carne como aqui, curar-se ou envenenar-se pelo pensamento.
Sorriu amigavelmente e finalizou:
— Você foi, em certa época, o seu maior algoz. Pensou tão revoltadamente, e tão continuamente, que volveu, como espírito, cujo corpo é mais sensível às ordens mentais, a uma forma inferior, dando azo a que seu corpo tenha sofrido tamanha deformação, na última encarnação. Ainda bem que conservou a forma humana, pois muitos chegam a nascer com pronunciadas formas animais inferiores, vindo a morrer em seguida ao nascimento ou pouco tempo depois. A teratologia demonstra, não apenas os efeitos das taras hereditárias, mas também a influência das corrupções e de formações perispiritais. E se não fosse o controle de irmãos prepostos, zelando o quanto possível pelas reencarnações, monstruosidades tais teriam acesso ao plano carnal, como ninguém por lá seria capaz de conceber.
— Li o meu relatório e sei o quanto me prejudiquei, descendo em geral, em perda de tempo, em dores inúteis, em atrofias físicas. Não foi Deus a me castigar, nem tampouco foi bem aventurada a dor que sofri, pois foi ela o produto de minhas corrupções em geral. Como para tudo é necessário haver classificação, certamente pelos motivos devem ser classificadas as dores. E a minha foi, então, por demais estúpida para ser qualificada melhor. A dor pelo próximo é bem aventurada; é a dor missionária. A dor como prova também pode ser assim designada, pois não cabe a culpa e resgate. Mas a dor expiatorial ou purgativa é malfadada, porque em si é afrontosa. Eu não sofri e aprendi muito, nesta última encarnação, embora tenha sido um aleijado ou deformado, porque não tinha dores, porque nada me podia deter. E tenho certeza que há de aparecer, um dia, quem faça o mundo compreender a necessidade de especificação a respeito da dor. Esse conceituismo generalizado e doentio, que vaga pelo mundo, não pode ficar para sempre, por ser falho demais. O espírito que louva a dor em detrimento da razão, por certo que blasfema. Eu já não suporto tais melopéias. Que acha o irmão?
Ele meditou algum tempo e a seguir teceu comentários ponderosos.
— O mundo vive ainda em período de generalização. O tempo das especificações está por vir. Portanto, assim como a respeito de outros fenômenos, também a respeito do fenômeno dor há que haver melhor conhecimento e outras classificações. O que mais me faz pensar, é o fato de tanto servir ela para tornar submisso como revoltado. Você, por exemplo, tornou-se um revoltado, desceu mais, atrofiou-se, perdeu muito tempo. Agora, como aleijão, mas sem dor, pôde aprender e servir, resgatando por inteligência e trabalhos úteis. É de se pensar bem na questão...
Fez silêncio, fitou-me bem e considerou:
— O espírito vem subindo das gamas inferiores, vem atravessando os reinos e as espécies. Quando entra no reino hominal, chamamos de um reino à parte à espécie humana, por atingir o grau da razoabilidade e da consciência individual; ao atingir o reino hominal, portanto, passa a ter em mãos, diremos ao seu alcance, o poder de fazer-se feliz ou infeliz, segundo as obras, assim como queira dispor de seus poderes de raciocínio, de vontade e de ação. De Deus tem os poderes; e de si o direito de aplicá-los. Tudo é, ou passa a ser, daí em avante, uma questão de elaboração de poderes e liberdades.
— Isso mesmo. Como, então, chamar bem aventurada a dor, de um modo geral, sem distinção, sem observar e respeitar a ordem motivadora? Como julgar, em identidade de condições, a dor de um Cristo e a dor de um grande culpado?
Chegou-se para junto de nós um senhor, pedindo para intervir e opinando:
— Ainda bem que se procura discutir questão de tamanha significação. Já ouvi comentários a respeito e confesso que se levanta entre os diferentes conceitos uma questão de mérito e de ordem. Eu, acima de tudo, fico do lado deste irmão, pois prefiro honrar a inteligência, sem o que nada de valoroso e sublime se consegue, do que honrar a dor, pelo menos a dor expiativa, aquela que é em si mesma a testemunha da falta, podendo vir a ser a mãe da pior revolta.
No lapso feito a seguir, apontou este senhor para mim e para o ex-sofista, articulando a questão pelo prisma seguinte:
— Eu não tive uma vida carnal infeliz e não vim para este lado em condições agravantes. Minha vida na carne foi a de um simples operário, embebida nos altos e baixos comuns. Gente nascia e vivia, outros morriam, outros passavam por transes mais ou menos felizes. Eu e minha família, tendo a nossa fé, íamos avançando nos dias e vencendo o quanto possível as conjunturas que se fossem apresentando. Um dia, é claro, perdi minha esposa. Foi um golpe cruel, tive que curvar-me a ele, não havia outro remédio. Eu não era espiritista, mas havia lido muito sobre os Grandes Iniciados. Francamente, lia e relia de contínuo as obras que tratavam dos Vedas, de Rama, de Krisna, dos Budas, de Zoroastro, de Hermes. Que mundo de maravilhas eu descobria em mim mesmo, que gozo me subia dos recônditos da alma!
Os olhos do homem se faziam brilhantes, sua cabeça irradiava um quê esplendoroso, enquanto falava, por identificar-se mentalmente com os planos elevados da vida. Demais, sua fala era muito magnética, causava felizes impressões.
Estando com o assunto em voga e domínio prosseguiu, sempre com entusiasmo:
— Eu sentia em mim, com inteireza de razão, a veracidade do ensino iniciático, ao afirmar que o espírito é uma potência em virtudes latentes, e que a iniciação as faz emergir. Meus sonhos eram belos e inteligentes! Cheguei a ver com toda e lucidez possível!... Que maravilha!...
Num repente franziu o sobrolho, abanou a cabeça negativamente e amuado confidenciou:
— Mas num ponto toda a Sabedoria Antiga deixa muito a desejar: é que nada diz sobre a vida neste lado... Afirma, e com plenitude de certeza, que a UNIDADE é a marca da VERDADE. A Sabedoria Antiga é monista, sem dúvida, mas fica muito à distância a respeito da vida na erraticidade. Quando diz alguma coisa, é muito vaga e, pode-se afirmar, é completamente falha. Este lado da vida é por demais complexo, e talvez por isso não tenha podido falar.
Minha mãe interveio e afirmou:
— Sabemos que não havia ordem superior para tanto. Chegaria o tempo, com o advento de outra Era. E tudo está chegando, não está? Roma deu fim no Batismo de Espírito, implantou a clerezia mais errada de toda a História, fez crimes tremendos, sujeitou os povos à idolatria em nome da Verdade; mas, eis aí que a Cristo ninguém pode oprimir, e tudo vem à tona, os protestos se levantam em tempo, a Revelação força o mundo dos encarnados e sacode violentamente nossos rincões. Quem irá deter a marcha do Consolador que se está de novo infiltrando pela humanidade? Quem dominará o Cristo? A quem foi conferida outorga a fim de impedir a marcha dos ciclos evolutivos? Não tenhamos dúvida, pois o Cristo está na dianteira dos acontecimentos que se estão vendo e observando. Há quem diga, elementos de mais alto, que Ele mesmo se faz como um pequenino e vem, comunicando-se e instruindo de conformidade com a época. Eu creio nisso, pois quem está trabalhando para a restauração por Ele profetizada é o espírito por Ele indicado. Se Elias trabalha no plano carnal, pela reposição das coisas no lugar, naturalmente que o Divino Mestre o guia, direta ou indiretamente, no rumo devido. Entretanto, mantenhamos vigilância, pois querer muito é precipitar, e precipitar é violar. Segundo o que dizem certos mentores, a Era do Consolador significa a Era da eclosão espiritualista mais intensa, por constituir o resumo de tudo quanto há sido dito e feito no curso dos tempos. O fenômeno abrange, num amplexo total, a síntese e a análise, a parte se revelando ao infinito na imensidão do TODO inefável. É o que temos, o que estamos vendo e aprendendo, apenas uma fagulha do que aí pela frente vem. O passado é rico em sínteses, em linhas gerais. O presente forja, para um futuro próximo, bem próximo, a exposição analítica mais intensa possível. O mundo dos detalhes vai projetar-se sobre a mentalidade dos homens. Os matizes da Verdade hão de se tornar o prato comum de todas as criaturas de boa vontade. Tudo quanto foi e ainda paira no campo dos Mistérios vai ser exposto, deve tornar-se do conhecimento geral. O Consolador dirá, dos cimos dos telhados, em altas vozes, tudo quanto foi oculto até ao presente, passando à frente, avançando, dilatando, aumentando os conhecimentos. Mas, como já disse, tenhamos um pouco de paciência.
Os elementos já estão coordenados e dispostos. Saibamos aguardar.
Ela calou-se e aquele senhor emendou, continuando sua peroração:
— Eu desejava saber, pelo menos era meu intento, da parte destes dois irmãos, que aqui vieram rastejantes, de um modo ou de outro, o que julgam sobre a dor e seus conceitos. Que falem os sofridos. Eles são a autoridade.
Silenciou, olhou para mim e indagou:
— Que me diz?
Fiquei comovido, por estar na presença de seres muito superiores, mas senti a importância de ser independente pela Soberana Vontade de Deus. Isto é, que sendo independente para sofrer, também podia e devia sê-lo para ter idéias próprias. E respondi, interpretando minha alma:
— Para mim, confesso, a dor, seja ela de que ordem for, é insuportável. Não tenho com que sofrê-la pacientemente, e muito me revolta que lhe dêem o caráter de regeneradora. O próprio Cristo pediu a transferência do cálice amargo, tendo dito de Judas, que seria o entregador, que melhor fora não tivesse nascido. E a Sua dor foi missionária, tinha a sanção do imenso poder moral que encerrava. Que dizer, então da dor que se origina do erro, das faltas cometidas, daquela dor que se apresenta com características de infernal eternidade? Depois de tudo, pelo que tenho observado, a dor dura o tempo de renovação intelectual harmonizadora. Sem adoção intelectual moralizante nenhuma dor cessa. Logo, quem faz da dor o agente de emancipação trai a finalidade do esquema celeste. As virtudes latentes não possuem características de dor, e sim de glória! Para despertá-las se faz necessário crescer em inteligência e pureza, e não em tormentas e blasfêmias!
O ex-sofista, intervindo, exclamou:
— Querem saber de uma coisa? A dor é bem aventurada enquanto está no próximo ou depois de ter passado. O resto depende do grau de sinceridade de quem discute sobre ela, para ser o que bem entenda de conceituá-la, principalmente se for um alguém que costuma usar das tribunas ou das colunas literárias a fim de comentá-la. Porque a verdade é que, mesmo aquele que melhor a cante em melopéias inócuas, esse mesmo, e talvez mais do que outros, não mede meios e modos de se livrar dela, quando praticamente tenha de encará-la. A dor e o amor tem sido motivos para discussões sem fim nem conta, por serem os dois pólos que comprimem e impelem o mundo sem fim das emoções, o campo vasto da sensibilidade individual. Idealisticamente, tanto uma como outro se equiparam; mas a verdade é que são fatores antagônicos. O fim do amor é eliminar a dor, assim como a finalidade da luz é liquidar com o império da treva! E se a dor não cessa enquanto o amor não aparece, então é porque, todos quantos teceram melopéias à dor, o fizeram doentiamente! O que fizeram, ou foi por uma covardia qualquer, ou foi por erro próprio de cálculo, ou foi por indução, por dar crédito a conceitos antigos e doentios. Eu fico com Jesus Cristo, que procurou fugir à dor e quando muito concitou a tolerá-la, quando impossível de ser liquidada. Basta dizer que ela é o produto da inversão da ordem, para se saber que é repelente. Curvo-me, isso sim, ao ter que defrontar a dor missionária. Esta é imensamente bela, porque encerra o lume do amor pelo próximo. É a dor missionária um impulso do Céu por entre as trevas do mundo! O espírito que se propõe a sofrer pelo próximo, ou é um Cristo ou Dele se aproxima celeremente...
Uma estrela desceu do Céu, digo assim, para se comunicar por uma senhorita e dizer certas coisas a Allan Kardec. Diante daquela excelsitude, todos nos fizemos silêncio e veneração. Quando o ser brilhante terminou, e fazendo gracioso sinal de despedida deixou a jovem, era hora de encerramento dos trabalhos. Kardec fez uma prece, deu por encerrada a sessão, e houve debandada geral.
Chegou a hora das separações, pois o ex-sofista foi em companhia de outros, o mesmo tendo acontecido com aquele senhor que pedira para entrar na discussão. Eu, minha mãe e aquelas outras mulheres, rumamos para a zona de onde tínhamos vindo. Meu estado emocional era deslumbrante. Minha alma pairava nas alturas celestiais, minha inteligência recitava uma prece contínua. Sentindo, por ingressar em plano vibratório superior, aumentar aquele estado de êxtase, fui obrigado a dizer:
— Não sei como agradecer a Deus e a quanto me fizeram bem. O que sinto de paz e ventura em mim, faz a soma de tudo quanto devo a Deus e às almas carinhosas, que em tempo me vieram amar e servir. Como pagarei?
Uma daquelas mulheres, avançando, e trazendo no semblante a marca de sua elevação espiritual, sentenciou:
— Querido irmão, pague com a mesma moeda — amando e servindo!
— É exato, senhora. Amor com amor se paga. Jesus Cristo pediu consciência, recomendou amor e prometeu o Batismo de Espírito. Entretanto, se para haver contato é preciso a ingerência da consciência, e se para haver Revelação se faz necessário a contribuição das faculdades mediúnicas, o certo é que, para honrar a qualquer ação, e consagrar a qualquer feito, faz-se mister a sanção do amor!
Ela emendou, envolvendo-me com a sua aura agora luminosa:
— Irmão e amigo, a inteligência esclarecida ilumina o seu caráter em geral. É a premissa de uma Nova Era para si. Oxalá não volte atrás. O poder da luz é dialético, é duplo — assim como afugenta a treva com a sua chegada, assim mesmo a atrai com a sua partida. Veja bem, não torne atrás. Eu voltarei um dia, quando estiver pronto. . . Adeus.
Ela se fez luz, ou luzes argentinas, rasgando o lindo céu azulado que nos servia de firmamento. Meus olhos derramavam quentíssimas lágrimas, minha mente parece que invadiu as profundezas de mim mesmo, indo confinar com Deus, bem lá nos confins de minha consciência. Eu queria falar e não podia, queria gesticular e não sabia como. Apenas pude, levantei os olhos, olhei para o espaço e vi que estava normal. Estrelas tremeluzentes ornavam o fundo azul da imensidão cósmica.
— Vê, filho, como agentes do Senhor aparecem em forma de simples trabalhadores? Isso é para nos ensinar humildade, ou para nos fazer entender o quanto pode o amor posto a serviço do bem alheio.
Suas últimas palavras foram seguidas de uma voz, que era a mesma daquela mulher, a quem não pudemos ver. Ela disse:
— Sobre doutrinas e conceitos, irmãos queridos, muito haverá ainda por aparecer e por se fazer; entretanto, crede, o amor pode muito mais do que os ramerrões estipulados pelas páginas da História, e escalonados ao longo das conceituações sectárias. O homem pode dar crédito a quantos conceitos quiser, e pode até dogmatizar sobre eles, pretendendo, para si, que sejam imutáveis, por dá-los como verdades fundamentais. Porém, só o amor eleva de fato as criaturas. A própria ciência pode trair. O amor, vivido por amor, nunca trai!
É impossível descrever o que se passou comigo, por mais este acréscimo que o Céu debruçara sobre mim. Em minha mente vagavam, sem esforço, idéias que vinham da UNIDADE SAGRADA, da ORIGEM, de Deus! Por isso, naquele momento, eu era como o TODO e a parte, o de dentro e o de fora. Eis o melhor que posso dizer, para expor uma tão feliz vivência da glória, então, vivida.
Quando tudo findara, minha mãe convidou-me:
— Vamos para casa, meu filho. Não tornará ao centro de recuperação.
As outras mulheres se despediram e nos fomos. Minha mãe morava nos arredores da cidade, num planalto, e como toda a cidade era ajardinada, ali o que se podia ver era uma imensa plantação de árvores frutíferas. No dia seguinte, saindo para apreciar o que havia nas redondezas, fi-lo a pé e por volição, tendo sabido que os frutos eram colhidos e transformados em sucos, enfim, para alimentação dos cidadãos da zona astral. Cumpre dizer, entretanto, que muitos gostariam de comer alimentos mais a par dos da terra, com os quais estavam acostumados. Embora nenhuma carne entrasse no menu local, comidas mais grosseiras eram facultadas, até que se fossem acostumando. Os mais avançados em psiquismo, alimentavam-se de frutos, de sucos e de absorções fluídicas. Poucos conseguiam isto, e por muito tempo, mas havia os que conseguiam bastante. Estes, em certas experiências, conseguiam demonstrar a força de seus pensamentos, ou o poder da vontade sublimada.