ÍNDICE
ASSIM ACONTECERA
ASSIM ACONTECERA
Assim
de fato acontecera — Ana, a querida esposa, depois de meses de
tormentosa doença mental, encaminhando-se ao penhasco que montava
divisa lá nos confins da fazenda, bem lá nos fundões onde também
desaguava certo riacho, por ele se lançara, indo perder--se por
entre as águas em revoluteio, nunca mais se tendo dela notícia.
Não
mais se lhe podia sondar os passos, porque noite e dia era aquele
andarilhar sem fim, falar sozinha, discursar, afrontar, contender,
para logo mais cair em dolorosa quebrantura moral, angustiosa
prostração de corpo e alma. Vivia livre, à vontade, pois de si
nunca demonstração dera de que pudesse um dia fazer o que fez ou
tornar--se perigosa. Aos quinze meses de tormenta, cauterizados todos
na dor, não mais se lhe davam atenção, sem ser a respeito daquilo
que lhe dissesse comer, vestir, higienizar-se.
Quanta
amargura, meus Deus! De lembrar se me enfronha a alma no negror das
brumas que a memória teima em reviver fazendo que meus olhos de
espírito se marejem. Mas se assim foi, contemo-lo então, ainda que
sob o pélago de torturas cruciantes. Afinal, não sei de quem tenha
vivido alheio ao manto de grilhões os mais félicos. E não seria
eu, é claro, o primeiro em favor de quem abrisse a vida direito
ímpar de precedência.
Os
anos lá se vão, ou nós por eles, e com isso o feliz desembargo;
Ana, hoje, meiga e amiga, refeita em face das leis superiores, ou em
face de si mesma, o que é mais exato, marca tempo nos serviços de
socorro, ora espargindo aquelas dádivas que o Pai Comum nos lança
em mãos, ora extraindo de si, de suas experiências, o com que
ofertar lições a irmãos ainda viajores de primordiais caminhadas
pelos sendeiros da consciência individual. Bem faz quem aproveita as
dores bem curtidas! Convertê-las em jóias da alma pelas lições
que encerram, eis o único mérito de sofrer. Fora isso, favas à
dor! E se por inteligência, puder alguém esquecer-se de que tal
monstro existe, tanto melhor.
Enquanto
isso, enxugo meu pranto... Bem se vê que percorro caminhos por
legiões e legiões de irmãos já percorridos. Enxugo meu pranto e
prossigo narrando, porque para isso fui chamado, por aqueles que do
Senhor Planetário mais vizinhos são, por evolvimento, e que, por
isso mesmo, dando guarida a Seus Desígnios, em favor do Consolador
prometido, buscam ofertar todos os testemunhos, para que um dia, o
mais cedo possível, a face obumbrada da Terra se apresente com
rasgos de claridade que jamais tenham fim.
Meus
dias então, depois que Ana desaparecera no turbilhão das águas,
transformaram-se em programa de horror a sorver. Chego a pensar,
ainda, como os terei suportado! E diz-me qualquer coisa à
consciência, que se não fora a benção das amizades astrais, em,
serviço de tutela, também teria sucumbido. É certo que, ao cabo de
ano e meio a contar da triste jornada, as luzes do céu se me foram
tornando próximas e pródigas em contatos sublimes e suavizantes;
mas, até então, como terei suportado o azedo de tamanho cálice?!
...
Sabe
Deus o que é de justiça.
E
por assim ser, por ser de justiça, sangrei os pés nos calhaus
abismais, tirei de mim o que parecia não ter, venci um tempo e
consegui enfrentar-me, mais tarde, sem ter de que me envergonhar. Eu
devia e tinha de pagar... Havia semeado a dor em seara alheia, havia
conspurcado o lar alheio, dera-me em outros tempos a causar horrores
e loucura.
Eu
e Ana, em vida anterior, sendo responsáveis por dois lares, tendo
sobre o que pesar com as atitudes menos elegantes, nem por isso nos
demos a respeitar o que manda o espírito da Lei; abandonando os
respectivos lares, deixamos de um lado uma mãe e dois filhinhos e de
outro um pai e seis rebentos, todos entregues ao mar das incertezas e
aos aguilhões do desespero. Afronta e opróbrio foi a farta
semeadura de nossos dias! E como não ter de pagar? Já disse alguém
que é fácil, cômodo e aparentemente respeitável, praticar um ato
material e ofertá-lo a Deus, à guisa de religião. Com isso chegar
a sentir desobrigada a própria função de obrigação espiritual.
Mas, quem disse que o Céu pediu isso? Quem foi que serviu a Deus,
colocando ofertas materiais em lugar de ações decentes?
Fosse
espiritualidade o ato de oferta material, e eis que os abismos não
teriam a que instância judiciária prestar serviço! Contivesse
regular soma de respeito o fato de estarmos de acordo com o próprio
modo de pensar, quando cremos em doações exteriores, e todos os
paganismos de todos os tempos teriam feito a emancipação do
espírito que transita há centenas de milhares de anos pelas brenhas
da terra sólida e pelos vales das regiões astrais. No entanto,
felizes, bem felizes, somente aqueles que se valeram da senha única
— o amor no trato para com os seus irmãos de jornada.
Sou
disso testemunha cem por cento. Esqueci o dever para com o meu lar,
abandonando mulher e filhos, sem contudo deixar ao léu das
cogitações a dobragem de joelhos diante de altares e outras
contrições do menu litúrgico. Dizia para comigo, que todo homem
tem direito a um tanto de cauda, conquanto não implique isso em
abandono das coisas da fé. Mas assim não determina a Ordem Suprema.
E não tendo força de Lei o que é feito pelo homem à revelia da
Lei, só tinha de fato de esbarrar nas próprias ações. E esbarrei
de maneira violenta! Foi um tranco cruel, sofrido em face de meu
equilíbrio o mais íntimo, um choque que me atirou por inteiro aos
braços das trevas! Foram anos de romagem dolorosa pelos rincões
inferiores, onde trevas e gemidos, uivos lancinantes e anátemas se
oferecem em catadupas apocalípticas.
Um
milhão de vezes é preferível qualquer dor das de que pode ser
ofertante a vida na carne! Todas as lepras, todos os cânceres, nunca
somariam em igual ao que se herda por valados tais! De par com a
turbulência física, porque há um físico, levantam-se, de dentro
do ser avalanches de monstruosas coações de ordem espiritual, moral
e mental, a ponto de enlouquecer, se fosse, se para tanto tivesse
mérito o infeliz viajor de tais plagas! A loucura seria uma benção.
Não
obstante tamanha investidura infernal, ainda vim de ter de perder, em
futura vida, ao objeto de todos os caminhos de minha alma. Não
atribuo senão a Deus, tanto que a amava, a graça de ter vencido a
tão cruel transe. Todos os apoios de familiares e conhecidos,
principalmente de dois filhinhos que ficaram sem mãe, de nada
valiam, parece que de fato não valeram em coisa alguma. O que valeu
é que eu tinha de sofrer, tinha de resgatar-me.
Passei
noites à beira do rio, subi um milhão de vezes ao alto da penha,
fiz mil pensamentos escabrosos por dia; mas nunca tive coragem para
atirar-me grotas abaixo, esfrangalhar-me nas quinas rochosas, depois
sumir no estrondear das águas.
No
entanto, que maravilhosa era a paisagem! Naquele confim da fazenda, o
estuário em que se convertia aquela infusão de belezas, sobre o que
fosse faria a alma estrugir, menos porém rumo a coisas tétricas. As
águas em revolta, desfaziam-se em estrondos e espumas, repiques e
coroas alvíssimas por cima de dorsos e lajeados milenares, indo
recuperar-se ao longe, naquele espraiado remansoso e poético,
atingindo a franja sinuosa da mata virgem, por entre o que, nas
épocas de enchente, rumorejantemente se lançava.
Para
berço de vida, isso sim estava bem. Nunca, porém, para túmulo do
quer fosse, que isso saberia a sacrilégio. O belo não devia ser
para as coisas vãs, e menos, muito menos ainda para o crime! A terra
se testemunha como mundo embrionário em evolução, quando seus
expoentes lançam mão do bom e do belo para aquele fim que é
aviltamento. Nos cimos espirituais entre ética e estética não tem
cabimento cogite-se em possíveis lacunas. Fatores entre si paralelos
por força de virtudes, deles não lança mão o homem com o fito de
profanação. A ética humana em tais paragens, é cultivar pelo
amor, desenvolver pela devoção e utilizar pelo mesmo sentido
santificante de vida.
No
entanto, Ana fizera daquilo escárnio o seu sarcófago e a minha cela
de penas e lágrimas. Minha mente conturbada, até mesmo abalada em
seus dispositivos ordinários, dera por mostrá-la a emergir das
águas, a clamar, a exigir salvamento, por meio de gemidos que se
perdiam na escuridão da noite e no cântico alegre do dia. Assim a
vi e ouvi, de fato ou por suposição apenas. Levantava-me, espetava
o poder de visão, aguçava os ouvidos... E tudo se perdia, de novo,
nas brumas da noite ou nos clamores do dia.
As
aves, festejando a alvorada ou lastimando o pôr do sol, e os peixes
a espadanar à cata de insetos ou uns a outros, nada do que me ia
pela alma sabiam. Eu curtia a minha dor, o meu tugúrio, bem ao pé
daquela natureza soberba em fragrância. Do firmamento azul não
sumiram as luzinhas piscantes; nem deixou de pender o sol; jamais
faltou o passeio dos flocos gasosos pela tela azul do céu. O céu e
a terra não tomavam conta de minhas angústias! Enquanto o caudaloso
rio de minhas penas transbordava por sobre as dunas de minhas
impressões recalcadas, o mundo inteiro vivia a sua vida, o seu
destino. Os programas não se confundiam, cada um valia por si.
Certo
dia, penetrando cabisbaixo casa a dentro, sob o olhar triste de dois
orfãozinhos que de mim deviam desejar mais, tive pela frente a
figura veneranda de Sinhá Marta, mestiça de índio e português,
cuja idade bordejava os oitenta.
— Sinhô,
vê bem o que faz... Essas crianças não podem ser vítimas assim de
sua fraqueza...
Permaneceu
quieta por alguns instantes, temendo qualquer reação de minha
parte, mas prosseguindo, a seguir, num assomo de coragem:
— Desculpe-me,
mas já é tempo de levantar a cabeça... Esse menino e essa
pequerrucha, como vê, não podem continuar assim...
Sinhá
Marta tinha razão, farto estava eu de sabê-lo. Mas a vida, aquela
vida foi transcorrendo, por dias e mais dias. Aquela velhinha boa era
o esteio da casa, a segurança de tudo e todos. Vinha de servir a
meus falecidos pais e ali estava, firme na sua envergadura de
nobreza, sobranceira por sobre os anos e a alvura de seus cabelos.
Cedia, pouco, muito pouco, ao guante do tempo; mas não tinha ao que
apelar, como nenhum mortal tem, encarquilhando-se cada vez mais,
curvando sobre si mesma o peso do corpo, a quem tanto de obrigações
atribuía.
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ÍNDICE
Assim
Acontecera
De
Tudo Chega a Hora
Coisas
de Sinhá Marta
Ao
Rés da Vida
Corriam
os Dias
Simplesmente
um Novo Casamento
Tudo
é da Vida
A
Viagem de Núpcias
Glórias
Mediúnicas
Soberana
é a Lei
.............................................. ....................
Paisagem
Tumular
O
Carma Determina
Veredas
da Vida
O
Resgate de Ana
Conseqüências
Santificantes
Aos
Desejosos de
Saber......................................................
Livros
Indispensáveis..........................................................