DIVINA SIMPLICIDADE – A Lei foi entregue à consciência de cada filho de Deus, e somente a Justiça Divina o julgará, em secreto, em tempo certo. O Verbo Modelo deixou o exemplo de tudo que deriva de Deus, seja Espírito ou Matéria, e a Deus um dia retornará, como Espírito e Verdade, e ninguém com Ele poderá jamais discutir, porque Seu advogado chama-se Justiça Divina. Capítulo I DO GÊNESE AO APOCALIPSE

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domingo, 22 de novembro de 2009

CONSIDERAÇÕES DE ANANDA

CONSIDERAÇÕES DE ANANDA

Não venho de alta esfera, nem de subidos postos, a fim de me articular com o relato de quem se apresentou como Raul, do mesmo modo como poderia ter-se apresentado com milhares de outros nomes, por ser muito mais vivido, bastante mais experiente dos bancos carnais e de suas conseqüentes aplicações.

Verdadeiramente, para quem apenas possa encarar a espiritualidade do ângulo estreito de uma só romagem carnal, muita possibilidade há de engano, de falhas nas aplicações analíticas, por mais que se esforce a prol do melhor juízo; outro tanto, porém, não deverá acontecer, para aquele cujo farnel espiritual se apresentasse cumulado de verdadeiro cabedal informativo. A carne, ou todo aquele contingente que lhe forma o séquito chamado personalidade, que normalmente engloba todos os fatores, a começar no intelecto e a terminar no labirinto da contextura psicológica, soe trair, muita vez, até mesmo ao mais policiado indivíduo.

E surgem, então, presunções do mais descavalgado e estapafúrdio estofo, o simples pardal se acredita altaneiro condor, pretende ver tudo bem do alto, arroga-se a medir os mais formidáveis acidentes pelo prisma dos mais decisivos e uniformes contornos. Assim como são vistos do alto os acidentes geográficos, reduzidos a simples e sumidos pontinhos na vastidão do painel geral, assim mesmo se acredita capaz de o fazer, o presumido, ao encarar o complexo dos fatos hierárquicos espirituais.

Não lamento apenas por mim; faço-o por todos aqueles que se julgam mestres e que ainda não conseguiram ser bons alunos. O número deles chama-se legião. Sua infeliz ação se estende pela face da Terra e cobre vastas ações demográficas, espargindo erros e causando lesões profundas. Eles aumentam, pelo triste exemplo, o número daqueles que se fazem corolários de suas nefastas gestões; eles roubam irmãos ao Céu, eles os metem nas garras da falha presente e das desilusões futuras. Passam adiante o veneno ardiloso e sutil, que se chama vaidade, convencimento, orgulho sectário, etc., coisas que passam por conhecimentos seguros e conquistas imorredouras, virtudes despertadas que os alçarão aos píncaros celestiais. Valem por fábricas de blasfêmia, pois todo aquele que pretende dispor da Justiça Divina, ao bel-prazer das suas concepções vaidosas, nada mais faz do que blasfemar. É obrigação do homem ser simples e humilde, e tanto mais simples e humilde, e tanto melhor servidor, quanto mais se acredite superior em conhecimentos verdadeiros.

Esse triste mister, porém, ao qual se entregam milhões de seres, por se julgarem rematados conhecedores de filosofias deístas, ou recamados cultores de pensamentos e práticas tidas como vitoriosas, isso é apenas blasfêmia. Tremenda lição a do Cristo, quando respondeu que “bom” só Deus o é. Não que Se tivesse em conta de ruim, mas sim para deixar exemplo de humildade e simplicidade. Isto é, que se mantenha o homem na linha correta de ação, humanamente comportado, tenha lá a soma que for de conhecimentos e faculdades despertadas, deixando o balanço final de seus méritos por conta daquela Justiça que não sofre isenção de plenitude.

O mundo terrícola, por estar ainda no período transitivo, entre a mais recalcada idolatria e os primórdios do verdadeiro culto espiritual; por estar emergindo agora do profundo lago das feticharias e das mais ridículas superstições, está realmente abarrotado de pretensos santos e fazedores de santos, embora uns e outros nada saibam de sua encarnação anterior. São criaturas que tomam, aberta e inadvertidamente, os mais presumidos títulos, as mais avançadas prerrogativas, objetivando os mais sérios e difíceis problemas, pelo prisma de sua mais leviana e insensata concepção. Como deixou patente o Cristo, não saberiam acrescentar um côvado ao seu tamanho material; mas sabem julgar a Suprema Lei pelo ângulo errado e infeliz de sua morbidez sectária e vaidosa, arrogante e blasfêma.

Eu falo com plenitude de autoridade. E se estivesse no plano carnal, cultivando um ronceirismo qualquer, tido e havido por religião e que, infelizmente, de religião só tem o nome, poderia acrescentar, defendendo o direito do erro, que cada um é religioso como quer e pode. É a mínima defesa para o máximo dos erros, de vez que o testemunho do verdadeiro culto espiritual é o amor entre irmãos, e disso bem pouca gente faz questão de entender e cultivar. Como pode ser que uma sociedade verdadeiramente religiosa comporte guerras, roubos, calúnias, adultérios, maledicências, vícios de variantes ordens e fraudes em todos os quadrantes de aplicação humana? E não se diga que um número mínimo impõe condição à totalidade humana; a verdade é que infelizmente, mínimo é o número daqueles que buscam acertar o passo pela diretriz divina.

Eu, por exemplo, quando Ananda, completamente entregue ao enlevo místico decorrente dos ensinos búdicos, decididamente envolvidos pelos arroubos nirvânicos, sem conhecer patavina do meu passado, de minhas vidas esparramadas pelo crivo de atividades as mais diversas, dava-me a pensar como liberto, como integrado em Brama. Deixava que, absolutamente solta, perfeitamente livre, cantasse no meu íntimo o dobre final das vidas carnais. Para mim, então, só restava chegar a hora final da separação completa, da perda até mesmo da individualidade, pois essa é que era a minha concepção pessoal.

No entanto, como lêstes, tudo foi por água a baixo, só restando impávida a certeza da imortalidade e a continuação dos mais graves problemas por solucionar. A morte do corpo reviveu o lume dos velhos e intransferíveis compromissos, embora o fizesse através de nenhuma explicação inicial. Tudo redundara em angustiosas expectativas e, por fim, naquela caminhada louca através daquelas planícies, pensando alcançar o mosteiro, para ali, num ambiente diferente, em meio às nuvens, forçar o Nirvana a se revelar, viesse de fora ou surtisse do íntimo de cada um de nós. Não posso negar que o Plano Superior tenha ingerido em nossas mentes, até mesmo forçado aquela caminhada esquizofrênica ou alucinada; mas posso afiançar o que tinha ele em vista, pois o recolhimento havido, com a chegada do mensageiro de Kassapa, nada mais representou que o encontro com a realidade.

Meu corpo de homem desencarnado feriu-se, dilacerou-se, fez-se uma pasta de carne, sangue e sujeira, tudo de permeio com bastantes lágrimas e lancinantes gemidos. De tanta mágoa, de todo aquele sofrimento, visando alcançar um posto mais propício à oração e ao recolhimento, porque eu tinha por certo que atingir o mosteiro seria alcançar o socorro dos mestres espirituais, de toda aquela espaventada fuga restou apenas o reencontro com a fria realidade, com a história pura, em si mesma toda vincada, feita de altos e baixos, onde restava por fazer, como ainda resta, desbravar os sertões internos.

É permitido ao homem, apresentar desculpas, requerer prerrogativas, justificar enganos, erros e fraudes, perversidades e crimes; a Lei concorda em que se façam defesas pessoais de toda ordem e monta; permite ela que, pelo uso do livre arbítrio, e abusos concepcionais, apresente o homem a sua versão sobre todas as condutas que possa ter tido. O assassino, o ladrão, o caluniador, o idólatra, o mentiroso, etc., poderão explicar a seu modo os seus motivos e as suas justificativas; conseguirão vencer e convencer aos semelhantes, assim como a si próprios se hajam convencido. No entanto, como a Lei é Poder Equilibrador e íntimo a tudo e a todos, não é alheia ao que se passa e nunca será quem venha a recuar, deixando caminho livre ao chicanismo das inteligências pervertidas.

Que façam os homens tudo quanto entendam, enquanto no uso das liberdades relativamente conferidas pela Lei; que justifiquem seus erros e facilitem reproduções à vontade; mas não pretendam poder convencer ao Poder Equilibrador, qualificado como Lei, por ter sido revelado em forma de Código Intelectual. Farão marcha-a-ré todos quantos tenham errado, espontânea ou propositalmente; volverão atrás todos quanto tenham agido erradamente, simples ou maliciosamente, por interesses subalternos ou enganosos comodismos; hão de recalcitrar contra o aguilhão todos aqueles que tenham traficado com as coisas da fé, transformando o poder afetivo, de ordem espiritual, em comércio de fonte ou renda material. Quem jamais voltará atrás é a Lei, é o Poder que aciona a Justiça Imaculada!

Já disse e o repito – a humanidade terrícola mal está saindo dos cueiros supersticiosos e fetichistas. Há gosto pelo cultivo dos mais ridículos sistemas de aplicação religiosa. Jesus bem que ensinou a lição do vinho novo e do remendo de pano também novo... Deixou patente que a adoração a Deus deve ser em Espírito e Verdade... Enquanto passam os séculos e se repetem as palavras, continuam funcionando as guerras, os assassínios, os roubos, os adultérios, as idolatrias, etc. É que a superstição e a idolatria podem mais do que o Cristo interno, mais do que a Verdade que se acha sepultada no âmago de cada um! Porque Jesus, vivendo a divina função de Cristo, Paradigma ou Modelo, nada mais fez do que lembrar a todos a necessidade premente de libertação do Cristo interno.

Já foi dito, por outro relator, que Jesus não veio pedir adoração para si a quem quer que seja; veio avisar e lembrar a necessidade intransferível de libertação por evolução. Enquanto, no entanto, campeiam pelo mundo idolatrias sem conta, em nome do Cristo e a propósito do Cristo, também vicejam perenemente as mais abjetas condutas, como prova de que a corrupção tomou o lugar da virtude. De tudo quanto foi operado pelo Divino Mestre, e perseguido pelos Apóstolos, que resta, afinal, no seio das igrejas, das ramificações? E é necessário dizer que assim se passou com todas as Revelações?

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Eu também venho de uma esteira longuíssima de vidas; contra mim, pesa no entanto, aquela infelicidade que pesa também na lombada histórica de milhões de milhões de irmãos terrícolas. Venho dos confins milenares, arrasto comigo um turbilhão de ações, mais ruins do que boas, algumas francamente hediondas.

Solto na vida, vencidos os planos inferiores, quando já ingressado no reino animal e penetrado na espécie hominal, embora sentindo ardorosamente gosto pelas satisfações pessoais, não fiz desse fator natural, dessa lição de justiça comum, ou de exemplo espontâneo, aquele uso que devera ter feito. Pelo meu direito e pela minha razão, não correspondi em respeito pela razão e pelo direito dos semelhantes. Ultrapassei de muito a sanha instintiva dos animais inferiores; avancei como pude e o quanto pude na direção da vida e dos bens alheios, não respeitando sequer os laços de sangue e família. Fui cruel, extravasei a medida dos crimes repugnantes, daqueles que não devem ser contados.

E como forçosamente cria-se um lastro cármico, fui reencarnando e repetindo a tremenda desdita. O passado impele a ser recapitulado, impõe revivescência, chegando a realizar tremendas catástrofes psíquicas, por acumulação.

Quando Adão veio a Terra, migrado de outro rincão sideral, espargindo pela face da Terra novos horizontes progressivos, eu ainda rastejava, ainda esgueirava pelos baixios. Feito enorme e imundo animal, como só pode sê-lo quem esteja habitando os planos astrais imundos, eu rondava os mais tristes lugares, à cata das hediondas satisfações que a febre monstruosa impunha a desejar. Ninguém, pensando como queira, figurando a pior de todas as cenas, jamais conseguirá igualar aquele monstro que eu fui; muito menos ainda conseguirá lobrigar a febre, o vulcânico traumatismo psicológico de que me fiz vítima. Dentre as almas enfurecidas, tornadas hediondas pela corrupção íntima, nenhuma havia que me suportasse e quisesse enfrentar. Eu era o rei dos baixios, só a luz me vencia, porque de maneira alguma conseguia defrontá-la, por mínima que fosse sua apresentação.

A raça adâmica ou legião advinda, como era devido acontecer, foi penetrando a Terra toda, em toda parte onde alguém houvesse para ser mãe. A reencarnação, a sublime válvula redentora e evolutiva, prestou daí para cá os maiores serviços. A humanidade progrediu, Eva ou a raça primitiva recebeu um surto renovador que nunca mais cessou, ainda mesmo que considerando os grandes fracassos históricos que há defrontado, as calamidades de variada ordem, humanas e telúricas, calamidades que, por vezes, fizeram mudar a feição geográfica dos continentes.

No fundo, eu não tinha nome algum; era apenas um filho de Deus, feito monstro por conta própria, por usar mal a sagrados direitos. Ananda, sendo recolhido e tratado, teve que rever o seu longo e tremendo passado. A visão retrospectiva, é bom assinalar, veio como recompensa, depois de longas expiações e ressomadas provas, um bem forçado curso de trabalhos difíceis, de grandes fracassos e angustiosas situações. Foram milênios empregados entre as mais bisonhas possibilidades de instrução, e sobretudo, encarando dificílimas situações; foi um lentíssimo arrastar de vidas cruciantes, muitas vezes apresentando lesões físicas monstruosas e torturantes, vagando pelo mar imenso das piores condições sociais, onde por tantas repetidas vezes saía da carne mais agravado.

É deveras desconcertante o juízo feito no mundo, pelos que encaram até mesmo respeitavelmente o problema do espírito, quando conceituam sobre as questões de ordem judiciária. Julgam que alguns rogos de perdão, acrescidos de algumas expiações, com outras tantas provazinhas, tanto bastem para resolver o problema, tudo resolvam, remetendo o espírito aos mais cariciosos e oportunos cometimentos evolutivos. Assim não é e nunca foi. De fora não aparecem mistérios e nem milagres que desmanchem sequer os menos vinculados erros; tudo fica adstrito ao problema rigoroso das soluções individuais. E acima de todo esse rigor judiciário, pois dispositivo algum fundamental é menos de ordem universal, acrescente-se ainda o fato de alimentar tendências criminosas e viver nos piores meios.

O Céu convida ao Céu e a treva a ela atrai! Nem poderia ser de outro modo, de vez que o mau uso das liberdades e dos poderes já despertos, de modo algum poderia ser recompensado com aquelas felizes oportunidades que cabem somente aos de boa índole e realizações. Há lei no fundamento de todos os fenômenos; e é respeitável aquela que força no sentido natural por especificação, isto é, que faz pesar sobre o presente o embalo do passado. Felizes, pois aqueles que para si mesmos criam as melhores situações. Amanhã, e também pelo futuro em fora, certamente encontrarão em si mesmos, aqueles nobres sentimentos, aquelas felizes tendências. Eles terão aumentados os seus quinhões de oportunidades e realizações, por terem forjado um psiquismo harmonioso. Ai daqueles, no entanto, que se prenderam aos enleios das trevas! Ai deles, porque desmanchar essas ligações íntimas é profundamente difícil!

Resgatar faltas é penoso e trabalhoso; progredir em pureza e sabedoria não é programa para algumas centenas de anos, mas para milhares deles; ter que ajustar contas com a Lei, e trabalhar pelo despertar das vidas supracitadas, é por certo um problema consideravelmente longo e penoso, é uma equação que reclama tremendos esforços e pertinazes lutas, ainda comportantes de não poucas falhas, em função daquele traiçoeiro lastro infelizmente criado. Costuma-se dizer que o espírito está sujeito à lei dos fluxos, seja para significar a de reencarnação, seja para objetivar a de recalques. Pura verdade, simples verdade, tremenda realidade específica!

Ao defrontar a visão retrospectiva, como Ananda, depois de recolhido, e quando ainda respirava pretensões liberticidas, união feita com Brama, foi terrível, foi esmagadora a derrota íntima sofrida. Eu pensava, de mim, na pior das hipóteses, coisa melhor, muito melhor. No entanto, aquelas últimas vidas passadas ou vividas em contato com o misticismo búdico-hinduísta, nada mais fora do que afortunada oferta do Céu, conseguida a custa de tremendos esforços, a fim de que pudesse haurir, em ambientes altamente saturados de superiores vibrações, aqueles elementos de ordem psíquica, aquelas forças energéticas de que tanto necessitava, e das quais o mundo ocidental era pobre ou miserável, pois nele reinava o terror vaticanício, a desbragada e sanguinária política que Roma derramava sobre as terras ao seu redor, através da Igreja que, sendo corrupta, ou traindo a constituição contra o Batismo de Espírito, pretendia passar por igreja do Cristo e tudo fazia para se impor.

Vi-me, por algumas vezes, ostentando o cetro da autoridade na Europa dos séculos que antecederam ao descobrimento da América; e como havia sido rei no império das trevas, sempre me sentia apto a mandar, não temendo apelar para todo e qualquer meio ao alcance, desde que servisse à conquista ou colimação em vista. Depois de mandar para sustentar o posto, redobrava as mais cruéis façanhas. E foi assim que cheguei a me reconhecer na personalidade famigerada de um dos mais sanguinários pontífices.

Descido aos baixios, sofri horrores e terrores, sorvi a lama feita de sangue e tantas outras imundices; colhi, apenas, como de outro modo não poderia ser, na razão direta da obra levada a termo. Tudo tremendamente inenarrável, mas apenas justa reação da Lei. E não tive como ser rei das trevas, como antanho acontecera, porque desta feita era mais diretamente responsável, havia cometido faltas em nome da Virtude, em nome da própria Lei!

Tinha sede, tinha fome , e era cego, completamente cego. Apanhava e comia, e bebia, assim como acontecia encontrar; saboreava e descobria que bebia sangue e a outras matérias apodrecidas e imundas!

Passaram-se anos, dezenas de anos, até que vi ao longe um quase invisível pontinho luminoso. Nas trevas de mim mesmo gozei o frenesi de ter recuperado a vista; na tragédia infernal houve tempo de passageira alegria. Fiz os mais indizíveis esforços, devorei todas as oportunidades de ação recuperadora. Ergui ao Céu os restos da mente, chorei e gemi com os últimos fiapos do coração. Nada mais acontecia, tudo era apenas um pontinho luminoso muito ao longe, lá nos confins da espessa e profunda treva.

Caminhar, foi então a medida a ser posta em execução. Tempos transcorreram, dezenas de anos, mais sempre envolta a mente pelo desejo indomável de vencer, de alcançar o pontinho luminoso. Deixei pelos socavões trevosos, e pelos espinheiros aparentemente sem fim, e através das areias escaldantes, bicas de suor e pedaços de carne... Semeei os abismos com lancinantes gemidos que partiam dos incomensuráveis recônditos de meu ser espiritual... Não era mais o intelecto a clamar, era o imo espiritual que rogava o direito de vencer... E como rogava, irmãos!

Houve mais luz, um dia, na presença de minhas ânsias de vencer. Qual faminto ser e sedento andarilho de tórridos desertos, caí de joelhos e derramei lágrimas de contentamento. Estava nu, e feito em chagas, mas havia cântico nas alturas de minhas doridas esperanças. Eu delirava e sentia desejos de dormir.

Dormi, esqueci tudo. Sonhei que estava perambulando pela nave de imenso templo, do qual só via chão limpo, sem nada; as paredes também estavam limpas, desnudas, puras... Eu sentia que o ambiente era puro, límpido, celestialmente absorvente, divinamente convidativo.

Chamaram-me pelo nome. Procurei atender, mas ninguém vi, por mais que olhasse para todos os cantos, para todos os lados. Aos poucos, no entanto, o templo foi se alargando, estendendo, crescendo. Ouvi que a voz vinha do alto, que possuia qualquer coisa de sublime, de místico sentido. Foi então que olhei para cima, que não me havia ocorrido fazer até então, deparando com a figura radiosa de Jesus, que lá do alto, do meio de legiões de seres felicíssimos, espargia Sua Luz sobre a imensa casa de oração. Senti a Sua força atrativa e fui para ela como que sugado, atraído. Sei que subi até certo ponto, sendo a seguir obrigado a estacar, e esse local onde estaquei, sabia ser por sentir, que correspondia à metade da distância que havia entre Jesus e o templo imenso.

Jesus me absorvia a mente e o poder emotivo; eu só existia para fitá-lo, como se nada e ninguém mais houvesse, capaz de merecer um resquício de atenção. Estava assim inteiramente entregue a Ele, quando vi que Seus lábios se moveram, enviando-me palavras que tardaram em chegar, tanto que me fizeram penar, pois me parecia não ser capaz de ouví-las.

Já estava profundamente magoado, quando Sua voz musical me atingiu:

– Olha para o templo, vê onde está a minha igreja.

Com grande esforço desprendi Dele os olhos, tendo-os voltado para a Terra, à cata do imenso templo, cujas paredes eram tão limpas quanto o chão, e que crescera de maneira descomunal. Não o tendo mais encontrado no meio da cidade, nem pelos arredores, volvi meu olhar para cima, para Jesus, indagando:

– Senhor! Onde foi parar o templo?

Ordenou-me num tom infinitamente carinhoso:

– Procura-o, filho de Deus. Ele é a minha Igreja e nunca terá fim.

Olhei e vi a Terra, que girava sobre seu eixo, mostrando todas as cidades e toda a humanidade. Vi gente, não sei como explicar, de todos os tempos, de todas as cores, de todos quantos matizes históricos, geográficos, religiosos e civilizados se poderia desejar. Tudo foi num crescendo lento, mui lento, assim como se vai desenvolvendo uma semente, até se revelar como planta adulta. Reparei que era a humanidade da época, aquela que por fim se apresentou, estando mergulhada num marasmo sufocante, causando-me aquele angustioso mal-estar. Embora sentindo culpa, olhei para cima, em tom suplicante, mas sem articular palavra.

Tornou Ele a falar, sempre magnânimo:

– Meu templo é a humanidade, minha Igreja foi edificada sobre o Batismo de Espírito. Eis, no entanto, ao que a reduziram. Sem Revelação o homem deixou-se prender pelo materialismo; e tangido pelo materialismo, entregou-se a obrar contra a Lei, pelo que se encheu de culpas e agravos. Por motivos de ordem evolutiva, grandes motivos cíclico-históricos terão que ocorrer, movimentando as mentes e conturbando os corações. Minha Igreja, no entanto, jamais poderia ser vencida... Jamais poderia ser vencida...

Ele se afastava, envolvido pela nuvem de gloriosos seres, caindo eu em profunda tristeza. Comecei a gritar, a clamar, rogando que se não fosse de minha presença. Tudo foi inútil, porque lentamente se foi indo, subindo, subindo. Ao chegar em determinado lugar, a luminosa caravana estacou, transformando-se numa vastíssima multidão estelar, estando no centro Aquele que era Jesus; houve, então, uma clarinada nos espaços, uma ordem esquisita, pelo que presenciei uma chuva de estrelas sobre a Terra. Que estrelas!... Quem o diria em linguagem terrena?

A medida que a chuva prosseguia, caindo em forma de luz sobre a carne, a Terra se foi iluminando... Aqueles acontecimentos anunciados se foram sucedendo, muitos deles tremendamente danosos, mas não houve falta de luz... Aos que as desejaram, ela se fez encontrável e serviu como orientadora por entre as veredas tristes do mundo... Não cheguei a ver o dia de plena luz, porque acordei daquele maravilhoso sono, daquela benção celestial.

********

Ao acordar meus olhos queimavam, estavam ardentes, passando eu a esfregá-los.

– Que fazes? – ouvi dizer.

Olhei para o lado e vi um homem, muito alto, vestido à oriental, tendo todas as características de um indiano. Ele era belo, imponente, e o seu semblante refletia uma serenidade indefinível. Vendo-o tão bem, tão feliz, pensei nos meus dias de grandeza temporal, quando minha vontade significava morte ou vida, a ela se curvando imperadores, reis e povos. Eu sabia que ele nada possuia, eu sentia a glória de sua pobreza. Depois de alguns segundos, desci os olhos para mim mesmo, lembrando que estava nu e dilacerado, sujo e fedorento...

– Vais chorar? – indagou-me ele, com imensa bondade no tom de voz.

Pensei em Jesus naquela graciosa visão, e respondi:

– Não, meu querido irmão, eu não vou chorar; sei que estou nu e dilacerado, de corpo e de alma, talvez mais de alma do que de corpo, mas estou de algum modo, até bastante feliz. Tive um sonho... Que sonho!...

Pensamentos, simples e profundos pensamentos me invadiram a mente, pelo que o deixei de fitar, cerrando os olhos e mergulhando a inteligência nos foros da história, esquecendo mesmo do meu feliz visitante. Eu sentia em mim um delírio.

– Medita, medita, homem! – exclamou ele, num tom paternal.

Volvi a mim, abri os olhos e disse-lhe:

– É enorme a diferença, meu querido amigo... Eu sinto a sua amizade porquanto o seu olhar irradia paz e contentamento. É vastíssima a diferença!... Ele andou descalço, por vezes de sandália, tendo apenas, para vestir, a roupagem mais simples e pobre... Nem sequer teve sobre o que reclinar a cabeça... E apelou para Seu precioso sangue, para o sacrifício próprio, a fim de selar o divino mandato... Ele viveu conforme Deus determinara!...

– Sim, viveu a Lei e Batizou em Espírito... – emendou ele, reticencioso.

Disse-lhe com toda a franqueza:

– Não se poderia admitir, sequer, em contrário, quanto ao viver a Lei. Mas com relação ao Batismo de Espírito, a falar com inteira franqueza, nunca pude entender semelhante coisa. Os dois primeiros capítulos do Livro dos Atos sempre me deixaram uma impressão de vacuidade. Nunca os tomei a sério, sem ser a respeito da ressurreição, do testemunho, da presença de Jesus, depois de crucificado entre os Seus discípulos. Mas o Batismo... Onde foi parar o Batismo?... E a Igreja poderia viver à procura de semelhante solução? Não está ela estabelecida sobre a fé, que sustenta os dogmas, que mantém os ritos, que determina os sacramentos? E, depois disso, não é imperioso manter o domínio, cuidar do futuro, estabelecer o princípio de primado, sobre todas as cogitações? Sem o nosso rigoroso serviço diplomático, em que redundaria a nossa autoridade? Ou iríamos abandonar serviços dessa monta, estruturados como estamos, para nos darmos a investigar o paradeiro do Batismo de Espírito?

Como ele se entregasse a menear a cabeça negativamente, consultei-o:

– Não estou com a razão? Eu sei que errei, por ter apelado para todos os meios, com o propósito de atingir certos fins. Mas, falando em nome da Igreja, não acha que estou pensando com justeza? Afinal, diga-me, quem pensaria em garantir a Igreja, se ela se abandonasse ao critério dos imperadores, dos reis e dos potentados? Não deve ela exigir o direito da suprema autoridade?

Quando fiz silêncio, comentou ele, sempre em tom paternal:

– Qualquer discussão, no momento, seria nula, em vista do rumo que deve tomar, por determinação superior. Vamos antes, tratar de outra questão?

O seu todo refletia serenidade, segurança e amizade; por isso, confiei-lhe:

– Sua vontade é para mim uma ordem. Eu já disse que lhe sinto a grandeza de alma. Fale, portanto, pois eu nada posso compreender dos rumos a tomar.

Entregou-me um belo manto, peça com a qual cobria a sua vestimenta, ordenando:

– Cubra-se e ponha-se a vontade.

Feito isso, convidou-me:

– Vamos para bem longes terras?

– Meu amigo, eu nada sei a tal respeito. Que poderia dizer? Que terras seriam?

– A terra indiana, a minha pátria de tantos milênios, onde os rios e as montanhas, os lagos e as planícies irradiam o misticismo recalcado pelos grandes espíritos que os viram. Ali terás algumas oportunidades de experiência, várias encarnações, com o que te poderás livrar da triste embalagem cármica adquirida. É uma grata oferta do céu, não a queiras desprezar.

– És um espírito de Deus, sem dúvida.

– Sou realmente um espírito de ordem. De Deus todos o somos, mas nem todos e nem sempre cultivamos judiciosamente as devidas liberdades. É por isso que lhe convém aceitar carinhosamente a oferta; poderá mudar, no curso de algumas vidas, o tom da própria personalidade, construindo um caráter psíquico favorável às melhores realizações...

Olhou-me com rigor, com acentuada gravidade, afirmando:

– Não fui mandado a fim de acusar-te, pois que a cada qual acusa a própria consciência; desejo saber, apenas, se queres iniciar um rigoroso programa de recuperação. Caso contrário, voltarás aos baixios, o que será desagradável para ti, não o sendo menos para os seus amigos e familiares...

– Amigos e familiares?! – interrompi-o.

– Sim, pois sempre teremos amigos e familiares. De que te admiras?

– Tem razão. Sempre teremos amigos e familiares... Mas onde estão eles? Na Terra ou no Céu? Há quanto tempo deixei a Terra?

Ele era muito mais alto do que eu. Como tal, pousou sua mão direita sobre o meu ombro esquerdo, convidando:

– Importa saber e tomar a melhor iniciativa; por que perder tempo com minúcias ou especificações que ora nada poderiam produzir?

– Eu já disse, meu amigo, que a minha vontade será apenas o reflexo da tua.

Sorriu e disse-me:

– Estamos entendidos. Já que estás na face da Terra, pois vieste subindo lentamente, dolorosamente, dos abismos da sub-crosta, vai dizendo adeus a estas plagas, pois antes de alguns cinco séculos não as tornarás a ver. Há milhares de anos que tens nascido e renascido na Europa; e tens acumulado débitos fantásticos, culpas tremendas. Agora irás renascer na Índia, para viver pobremente, misticamente, simplesmente desejando unir-te a Brama, que é como ali chamam a Deus, como te é de inteiro conhecimento.

Surgiu em mim um pensamento, ao qual procurei repentinamente refutar, mas que a ele não escapou, tendo-me dito:

– Não foi o Cristo que falhou, nem o teu Deus, pois um só é Deus, seja o de quem for, tenha lá o nome que tiver. Muitos homens no entanto, hão falhado terrivelmente, por fazer aquilo que contraria a Lei. Mas, vamos embora, que eu tenho outros compromissos a executar.

– Compreendo... Realmente, fala-se muito em Deus, mas tudo não passa de palavras. Não cessam as brigas nem as guerras! Todos querem aquilo que lhes não pertence... Quem porá fim a isso?...

– A vida, simplesmente a vida, porque é através dela que todas as leis e todas as virtudes tem seguimento. Tu, por exemplo, para que irás viver noutros ambientes? Não é para modificar o caráter, aos poucos, mui lentamente?

– Eu quero mudar. Leve-me daqui, por favor.

Deu-me ele a mão, convidou-me a orar, e subimos um pouco, alguns metros acima do solo. Foi assim que atingimos a Índia, vendo tudo quanto podíamos alcançar, pois a viagem foi relativamente lenta. A Europa ficou para trás, principalmente Roma, a quem vi tomado de tremenda aflição, possuído de repelões íntimos cruciantes.

Era a primeira vez depois de muitas dezenas de anos, que eu podia admirar uma paisagem e sentir-me feliz. E que paisagens se foram revelando!

Ao atingirmos uma cidade indiana, talvez a mais antiga, avisou-me o bondoso mentor:

– Conserva em mente esta advertência – foge das cidades grandes. Pelo menos faze isso, por alguns séculos, até que se controle nos ímpetos de mando, pois do contrário poderias recapitular velhas manobras, cedendo ao imperativo dos recalques característicos, vindo a fracassar novamente. Lembre-te que deve grandes somas à humildade e à simplicidade, cujo resgate poderá ser feito somente a custa de renunciar aos desejos de superioridade e mando. Para vir a mandar bem, um dia, terás que te preparar na escola da obediência correta e espontânea.

– Temo a mim mesmo; não serei auxiliado?

Já havíamos pousado, num lugarejo distante, um belo rincão, a essa altura; e o bondoso servo do Senhor obtemperou:

– O Céu jamais abandona a quem quer; mas infelizmente, a criatura se abandona aos piores procederes. Entre o Emanador e o emanado, a esse respeito, paira o sagrado direito de livre arbítrio relativo; se por usá-lo mal, alguém se entrega a criminosos atos, de quem a culpa?

– Sabemos que não cai uma folha de árvore sem que seja da vontade de Deus. A providência devia intervir, poderia fazê-lo...

Interrompeu-me ele, prontamente:

– Desejaste isso quando estavas na Terra, tendo poderes de vida e morte sobre milhares de criaturas, quando movimentavas a máquina política através da cruz? É ou não certo que te julgavas justo, livre de autoridade legal e de fato, pela vontade de Deus, sem dar a menor importância ao consenso humano? Demais, caro irmão, a Providência se incumbe de fornecer elementos de missão, prova ou expiação, conforme o espírito reclame e possa-lhe ser concedido. Quanto ao mais, depois de haver-lhe colocado no posto desejado, e na condição ideal, o restante cumpre ao agente funcionário. É certo que, nalguns casos, quando a ação de alguém pesa rigorosamente sobre vasta porção de inocentes, pode haver interdição por parte da Providência. Mas saibamos, esses casos são bem raros na Terra, onde a humanidade faz confusão em tudo e para tudo, cultivando o ideal religioso de parceria com os mais repelentes procedimentos. Chefes e chefiados, senhores e escravos, mestres e alunos, todos partilham do infeliz banquete da corrupção. E é, então, quando a função de viver se torna para todos aflitiva, concorrendo esse estado de coisas para aumentar a possibilidade de fracassos.

Cessou a fala, olhou-me com vera piedade e aconselhou-me:

– Em qualquer função é possível o exercício da humildade e da simplicidade. O exemplo de Jesus foi integralmente lapidar, não foi? Pois vive, de hoje em diante para esse fim. Já te disse a respeito dos familiares e amigos, se te aprouver desejar a reabilitação, e trabalhar com afinco por ela, podes estar certo de que muitos serão aqueles que podem auxiliar, que desejam fazê-lo. Caso contrário, é bom saber, ficarás sujeito às vibrações inimigas, isto é, daqueles que te tributam terríveis anseios de vingança.

– Compreendo, bondoso amigo.

Ele abanou a cabeça, sorriu levemente, para observar:

– Em parte, realmente, podes compreender; mas é difícil compreender totalmente a um programa que abarca vasta gama de complexidades. Para ser breve, pois o tempo urge, leva em conta apenas este ângulo da questão – se em condições normais é difícil a conquista do império íntimo, quanto mais não o será partindo de situação gravosa e tendo no encalço elevadíssimo número de irmãos trevosos e entrevados, que clamam por vinganças as mais hediondas?

– Lembro-me do que ocorreu com o perseguidor Saulo... Duro é, em verdade recalcitrar contra o aguilhão!

– Tua melhor medida será esta – pobreza, simplicidade, humildade. Pensa pouco, esquece o passado, mergulha no absorvente misticismo que emana destas plagas, desta gente, desta terra, dos rios e dos lagos. Sempre que puderes, estejas certo, voltarei para inspirar-te um salutar pensamento...

– Sofrerei tremendamente com a tua ausência. Faz dezenas de anos que não vejo alguém, um simples ser humano normal... E você é um espírito de Deus, é um devotado servo do Senhor! Que pensamento será esse, bondoso amigo, que me virá inspirar?

Ele se mostrou grave, de cenho contraído, murmurando:

– Antes devias indagar porque te devo essa obrigação...

– Obrigação?! Pois eu não o reconheço, não me lembro de tê-lo jamais visto.

– De fato, nunca me viste. Nem seria capaz de atinar com a realidade; mas se as feições históricas mudam, e também tudo quanto é exterior e passageiro, certo é que a essência continua. Eu estou lá para trás, tu estás mais próximo do presente... Eu ajudei a corromper o Caminho do Senhor, como era chamado então o Cristianismo, no tempo em que as reuniões eram feitas nas casas e nas catacumbas, precisamente daquele modo que se acha exposto no capítulo quatorze da primeira carta de Paulo aos Coríntios; sem vestes fingidas, sem cleros quaisquer, sem explorações, sem políticas, sem inquisições, sem essa terrível avalanche e erros de todo jaez. Eles, os cristãos, cultivavam o Batismo de Espírito, a Revelação entre os dois planos da vida... Nós pusemos fim...

– Você? Mas se está feliz, sereno, maravilhoso!...

– Deram-me em seguida aos tormentos horríveis por que passei, como vem de acontecer a ti, o mesmo remédio que agora te ofereço – reencarnar na Índia, nas mais humildes condições, tudo fazendo para esquecer os sonhos de grandeza. Custou esforços longos, duras provas e bastantes revoltas íntimas; todavia, consegui um bom quinhão de paz, tendo por acréscimo um bom lucrativo serviço. Tenho feito isso a centenas de outros. E muito me compraz auxiliar aqueles que tenham errado muito, por seguir a trilha infeliz que ajudei a estabelecer, contrariando os desígnios do Senhor.

– Quem o diria!...

– Exterminar o Batismo de Espírito foi enceguecer a humanidade. Minha tarefa no entanto está finda junto a ti, por hoje e por algum tempo. Aí vem aquele que deve encaminhar-te.

Ele apontou com os olhos. Olhei e vi um outro indiano, tal como ele em altura e compleição geral; porém, como bem se percebia, era-lhe bastante inferior em hierarquia. Chegado estoutro, fui apresentado, tendo o primeiro feito a sua despedida. Uma curtíssima, porém profunda amizade a ele me unia, de maneira que sua despedida comoveu-me até às lágrimas.

********

Pelo novo guia fui conduzido, penetrando em um verdadeiro casebre.

– Será filho desta gente, compreende? – disse-me ele, significativamente.

– Compreendo um pouco, meu amigo. Mesmo que não compreendesse bastante, fácil seria conceber assim – as graças vêm do Céu, partindo dos homens as mais infelizes truncações e aviltamentos. Portanto, seja como for, quero amar este sagrado desígnio do Senhor. Reconheço a íntima necessidade da mais premente e radical renovação de caráter; e considero verdadeiramente, que me estão a indicar a trilha justa.

Ali estavam presentes, aqueles que me serviriam de pais e irmãos, aqueles que me recomendariam perante o novo ciclo, com sua indumentária paupérrima, como párias sociais.

Fui preparado até chegar o dia de reentrar nos domínios carnais; e muitas coisas aconteceram na Terra e à humanidade, desde então, conforme sabeis que se deram nesses últimos quinhentos anos. Duas vidas foram longas e três relativamente curtas, mas sempre curtindo espinhosa pobreza. Não digo que me tenha portado da melhor forma; afirmo que tentei vencer, até mesmo apelando para alguns recursos menos lícitos. Todavia, nunca pude triunfar, porquanto de mais alto estava destinado a ser assim. Rendo graças ao Céu, por ter sido assim como o foi, pois consegui amealhar vantajoso pecúlio místico, e acima de tudo o que mais importa, sem formalismos nem idolatrias.

É verdade que acabei decidindo pela vida monástica, julgando que a união seria feita pelo princípio já exposto na parte que coube a Raul relatar, e que ainda é aceito por milhões de crentes orientalistas. No entanto, fica bem lembrado, se a união total reclama muitas outras atividades e realizações, pois o problema do Céu é deveras complexo, nem por isso deixam aqueles cultos de sanear certas mentalidades poluídas. Eu, por exemplo, consegui a reforma desejada e necessária, ficando a seguir sujeito a nova determinação. Enquanto, porém, não foi vencido o tempo de provas necessárias, nada nos foi observado, em nada encontramos percalços. E não é assim para todos os efeitos? Todos os fenômenos não se apresentam comprovando a lei dos ciclos sucessivos? Tudo não é por ordem de escala?

Aqueles monges apontados só passaram por aquela rebordosa na hora justa, ao ser reclamada uma nova ordem de compreensão e atividades; fora a lei do progresso a bater nas devidas portas, forçando seus habitantes a novos encargos evolutivos. Verdadeiramente, embora seja Deus um só, por quantas formas tem sido conhecido e adorado? E não é certo que existem modos de culto que valem por verdadeiras pagodeiras, obras de ridículo e até repelentes? No entanto, todos entendemos esta lição – quando não é por mal, nem por exploração, tudo pode ser tolerado. O mal está na malícia, no esbulho, na corrupção proposital. Jesus não incriminou aqueles que não podiam crer de modo superior; Ele incriminou aqueles que, ficando nas portas do conhecimento, nem entram eles mesmos para progredir, nem deixam entrar aos que poderiam fazê-lo. Isso Ele disse dos mercenários, dos que fazem da fé um comércio ou meio de vida, gente que tudo faz para manter regalias e comodismos, validades e prerrogativas mundanas à custa da fé dos semelhantes.

Quando a visão retrospectiva findou, em sua terceira etapa, pois fora vista em três fases, eu estava mergulhado num misto de alegria e amargura, num esquisito bem e mal estar. Fui endereçado a um local maravilhoso, onde comecei a ser visitado pelos outros monges, principalmente por Raul, que algumas vezes vinha acompanhado de novos amigos. Aos poucos, no entanto, foram desaparecendo as velhas amizades, por terem que assumir diferentes compromissos; ao mesmo tempo, novas amizades foram sendo feitas, continuando, como sempre o será, a vida e seus imensos fenômenos conseqüentes.

********

Quando estava recuperado o suficiente, isto é, quando Ananda podia locomover-se à vontade, e a bel entender pensar, do melhor modo, enviaram-me a fazer um curso bíblico, a fim de conhecer o Cristianismo, mas em bases puras, sem corrupção. A parte histórica pouco importou; foi-me recomendado observar com rigor a parte Moral e as questões atinentes à Revelação.

O instrutor chefe acentuou:

– Cinja-se ao fundamental, isto é, preste atenção a tudo que diz respeito à Lei e à Revelação.

Tempos depois, quando estava regularmente instruído, indagou-me:

– E então? A que conclusão chegou? Não quero que me repita as lições, assim como foram ministradas; quero o seu pensamento, desejo de si o extrato das observações e a sua mais franca opinião pessoal.

Por essa altura, eu já havia aprendido bastante sobre a importância da simplicidade, e dos respeitos devidos àquelas amizades puras, sem falar no carinho com que se encaram, nas zonas felizes, os problemas da autoridade.

Respondi, portanto, consoante a minha mais rigorosa sinceridade:

– Meu prezado mentor chefe, a Bíblia inteira dos cristãos ensina isto, a meu entender:

a) Que a Lei Moral escrita, transmitida pelos anjos ou espíritos, conforme se lê no Livro dos Atos, capítulo sete, verso cinqüenta e três, faz referência a um Supremo Poder, que é intimo a tudo quanto é emanado, seja visível ou invisível, orgânico ou inorgânico, espiritual terrestre ou espiritual celestial;

b) Que o ser humano, por ser inteligente, encerra o poder de acionar a esse Supremo Poder, através de suas obras, sendo o integral responsável pelo que vier a colher, seja onde for e em qualquer tempo ou local.

– Muito bem, está inteiramente certo no que concerne à Lei. Diga-me agora, o que aprendeu sobre a Revelação.

– Sobre a Revelação, bondoso mentor, digo isto:

a) Que jamais faltou, em tempos quaisquer, pois o Gênese, em seu profundo simbolismo, reporta-se aos primórdios da raça humana relativamente consciente;

b) Que através dela foram vindas todas as instruções necessárias à humanidade;

c) Que Jesus veio ao mundo para sobre ela edificar Sua Igreja.

Finda a minha exposição, fiquei a mercê de sua palavra; ele, entretanto, volveu a perguntar:

– E onde está semelhante Igreja?

– Sei, bondoso mentor, que está restaurada no mundo. Tudo se passou conforme as palavras de Jesus, o Seu edificador. Portanto, assim como foi corrompida pelos homens, assim foi restaurada, em tempo, pelo Céu; isto é, o Céu enviou à Terra os missionários da restauração. E, consoante as lições recebidas, um longo trabalho preparativo houve de mister, antes que se desse a eclosão mediúnica, que, para ficar bem expresso, valeu por um Pentecostes de amplidão quase geral. Creio mesmo, pelo que dizem aqueles que vão à Terra, em função de assistência e de Revelação, que, em face da intensidade com que se espalha, no seio dos mais diferentes povos, sua característica é a ordem geral, é toda a carne, conforme a profecia antiga, aquela feita através de Joel, capítulo dois, versos vinte e oito e vinte e nove.

– Está na vereda certa – afirmou ele.

– Pudera! Tendo semelhantes mestres, e largando o livro bem poucas vezes durante meses a fio, como não aprender?

– Muito bem; quer ser um servidor do Batismo restaurado? – ofereceu ele.

Exultei, é claro, respondendo:

– Bondoso mentor. Como pode ser que venha o sedento a repudiar a água que lhe oferecem?

Muita gente presente me felicitou, por haver sido indicado a servir na seara do Consolador. Do ponto de vista administrativo, porém, tudo foi obra de preparação com vistas ao futuro; o Plano Superior preparava, então, elementos para a hora que chegaria, quando tivesse que ser abalado o extremo da Terra, pelas vozes do mundo astral, tendo a frente, a capitaneá-las, a personalidade vigorosa de Gandi, para tanto indicada pelo Plano Diretor.

Voltas deu a Terra e muitas mais dará. Das palavras de Jesus, no entanto, nem uma só deixará de ter cumprimento. Muito menos ainda ficaria o Seu Batismo de Espírito sem restauração, sem avançar sobre toda carne.

Tempos depois, indagou-me lá nas alturas, uma luminosa figura, quando às margens do Ganges meditava nos milênios passados, naquelas almas que por ali fizeram trânsito, espalhando pela Terra a sagrada mística do Céu:

– Qual a Verdade que livra, servo do Senhor?

Cheio de gratidão, maravilhado pela gloriosa visão, pensei bastante e respondi, temendo errar:

– Toda a Verdade que vem de Deus, benigno mestre, é libertadora.

Ecoou pelos espaços, então, a sentença do grande Mensageiro:

– Em verdade, servo do Senhor, tudo vem de Deus, tudo tem uma só ORIGEM. Para o bom filho, entretanto, cumpre distinguir estas três obrigações:

a) Agir com toda a correção para com os seus irmãos.

b) Jamais transformar a fé em meio de subsistência.

c) Livrar-se de toda e qualquer idolatria pelo conhecimento da Verdade.

Quando a voz cessou, ficando nas alturas apenas o luzeiro imenso, disse eu:

– Sim, glorioso mestre, essas três obrigações devem ser distinguidas.

O luzeiro se afastou, sumiu na profundeza sem fim do espaço. Quando eu julgava estar só, foram se chegando multidões de seres, criaturas que haviam rogado, também, a oportunidade para visitar os lugares chamados sagrados, regiões recalcadas de sublimes eflúvios psíquicos, por isso mesmo transformadas em vertentes de irradiações maravilhosas.

À frente, vinha o relator da Primeira Parte, que se apresentou como Raul, mas que poderia dar milhares de nomes, pois é bem vivido espírito. Ao se avizinhar o grande irmão, perguntou-me:

– Satisfeito, Ananda?

– Muito. Quem seria o Mensageiro?

Sorriu e advertiu:

– Todos nós possuímos tais glórias em potencial, não é verdade?

– Justo. Somos Cristos em fazimento. Apenas devemos despertar os valores íntimos.

– Então, porque focaliza mais o Mensageiro do que a Essência da Mensagem?

– Tem razão, bondoso amigo. Mas enquanto a inteligência da mensagem é comumente universal e fria, de séculos conhecida, a glória de um elevado espírito reflete um pouco do SAGRADO PRINCÍPIO, de SUA DIVINDADE. É por isso que nos encantam e nos atraem. Viu como as alturas se encheram de gloriosa luz? Quem deixaria, quem poderia deixar de se maravilhar?

Abanou a cabeça e de novo acentuou, em tom conselheiro:

– Entretanto, cada um é direto responsável pela sua edificação; e sem respeitar as obrigações básicas de nada adianta admirar os fulgores celestiais. Sabemos o quanto podem ser estimulantes; mas não podem valer mais do que isso. E por ser assim, lembremo-nos, não chamou as atenções sobre si, mas sim mandou observar as regras básicas de conduta feliz. Quem é correto no trato para com seus irmãos, quem evita fazer da fé meio da vida, e quem tudo faz para bastante conhecer, não é certo que se prepara esmeradamente, que se desperta com precisão?

– Sim, é certo. No entanto, faz muitos milhares de anos que essas lições vêm sendo repetidas.

– Esquecidas e relembradas... De ora em avante, porém, com mais intensidade e rigor. A Terra está a vencer um dos mais penosos ciclos. Tudo será abalado, por bem ou por mal, por ter soado a grande ora cíclico histórica. Ninguém deterá o Cristo, por ser Ele a Síntese Geral, a expressão da Lei.

Dito isto, houve a eclosão de um cântico , da parte daquelas multidões. Ao embalo daquela suave melodia, que se espraiava pelo infinito, fomos suspensos e demandamos nossas regiões, conscientes do trabalho em vista, da grande hora que se aproxima, cujos reflexos já estão sendo vividos.

Estando a findar a parte que me coube, concito aos melhores empreendimentos, mesmo por que, apesar de toda importância renovadora, de ordem cíclico histórica, a cada um será dado consoante as suas obras ou merecimentos. Cada indivíduo leva consigo, por natureza, a chave do Céu. Resta apenas que a saiba procurar e usar. Eu, que fui rei nos abismos da sub-crosta, que tantos erros cometi, que passei tempos sem contas nas garras de tremendas provas, não vim merecer o direito de vos falar? E isto não é absolutamente significativo?

E terei feito algum prodígio, ou apelado para algum milagre? Ou seria o efeito de alguma possível ingerência misteriosa?

Não. Fiz apenas o seguinte – usei, na prática, aquelas três regras básicas, a Chave do Céu, como a chamamos por aqui, onde, lembrem-se não é outra a Lei que vige a conduta dos indivíduos e das infindas comunidades.

Extraído do Livro: O MENSAGEIRO DE KASSAPA

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A SAGRADA E ETERNA SÍNTESE

PRINCÍPIO OU DEUS – Essência Divina Onipresente, Onisciente e Onipotente, que tudo origina, sustenta e destina, e cujo destino é a Reintegração Total. O Espírito e a Matéria, os Mundos e as Humanidades, e as Leis Relativas, retornarão à Unidade Essencial, ou Espírito e Verdade. Se deixasse de Emanar, Manifestar ou Criar, nada haveria sem ser Ele, Princípio Onipresente. Como o Princípio é Integral, não crescendo nem diminuindo, tudo gira em torno de ser Manifestador e Manifestação, tudo Manifestando e tudo Reintegrando. Eis o Divino Monismo.

ESPÍRITO FILHO – As centelhas emanadas, não criadas, contêm TODAS AS VIRTUDES DIVINAS EM POTENCIAL, devendo desabrochá-las no seio dos Mundos, das encarnações e desencarnações, até retornarem ao Seio Divino, como Unas ou Espírito e Verdade. Ninguém será eternamente filho de Deus, tudo voltará a ser Deus em Deus. Esta sabedoria foi ensinada por Hermes, Crisna e Pitágoras. Jesus viveu o Personagem Inconfundível de VERBO EXEMPLAR, de tudo que deriva do UM ESSENCIAL e a Ele retorna como UNO TOTAL. O Túmulo Vazio é mais do que a Manjedoura. (Entendam bem).

CARRO DA ALMA OU PERISPÍRITO – Ele se forma para o espírito filho ter meios de agir no Cosmos, ou Matéria. Com a autodivinização do espírito, ao atingir a União Divina, ou Reintegração, finda a tarefa do perispírito. Lentíssima é a autodivinização, isto é, o desabrochamento das Latentes Virtudes Divinas. Tudo vai aumentando em Luz e Glória, até vir a ser Divindade Total, União Total, isto é, perdendo em RELATIVIDADE, para ganhar em DIVINDADE.

MATÉRIA OU COSMO – A Matéria é Essência Divina, Luz Divina, Energia, Éter, Substância, Gás, Vapor, Líquido, Sólido. Em qualquer nível de apresentação é ferramenta do espírito filho de Deus. (É muito infeliz quem não procura entender isso).

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