Durante
o dia, por algumas horas, mantivemos boa conversação, eu, minha mãe e Salmo. E
antes de saírem deixaram patente, que durante a noite eu teria um sonho
instrutivo. Embora dentro de mim fermentasse o desejo de sair do leito, e de
forçar a cura, ou de reparar o aleijão, fiz o possível de nada deixar
transparecer. Eles costumavam descobrir meus pensamentos, até os mínimos
detalhes. Eu sabia que eles me analisavam, e que deviam conhecer minhas
intenções. Mas, como tudo em mim era espontâneo, e eles nada diziam, eu me
calava. A hora devia soar, e minha mãe já havia dito que não mais falasse sobre
a questão. Obedecer às leis é fazer boa religião. E eu fazia, não porque o
campo sentimental assim desejasse, mas porque a razão assim determinava.
Cérebro e coração estavam bem distanciados, porém se mantinham em mútua
política de tolerância e expectativa. Um mundo esperançoso me acenava pela
frente, e isso me fazia de certo modo cordato e feliz. A leitura do relatório
me informara de que o pior já havia passado. Devia, portanto, saber aguardar os
acontecimentos. Demais, desde o desencarne, que dia havia passado sem o que
fazer, sem uma novidade, sem uma lição aprendida?
Durante
a noite tive uma deslumbrante visão. Todos aqueles, que comigo haviam trocado
idéias, eram concordes em que as mais sublimes visões eram aquelas em que o
Cristo tomasse parte. Isto, porque a Sua presença marcava de modo superior a
significação moral da mesma — valia por uma revelação da própria Lei, de quem o
Cristo é a representação inteligente. Isto aprendi, então, de um modo integral:
que o Cristo é a síntese de todas as verdades, por ser a representação
inteligente das leis básicas. Logo, não vale apenas por um espírito e sim pela
própria Lei. É o símbolo da vigência legislativa universal no planeta; isto é,
desde o que é material até o que seja mais espiritual. A começar do centro do
planeta sólido até os páramos interestelares.
Não vi
o Cristo resplendente de luz e glória, como diziam que de quando em quando
alguns O viam; eu O vi como um homem, encarnado, passando por entre multidões,
falando a uns, atendendo a outros, aplicando passes em outros, acompanhado de
um pugilo de homens.
Quando
Ele tomou certo rumo, por uma estrada poeirenta, alguém disse, ao meu lado, que
iria certamente descansar um pouco, despedindo as gentes. Pouco depois a
previsão tinha-se realizado, pois Ele dissera estar cansado e ter que fazer
orações a sós, para readquirir forças. A turba afastou-se e Ele deixou a
estrada, entrando por um bosque. Não sei porque, mas tive incontrolável vontade
de dar a volta pelo valezinho à direita e ir esperá-Lo à saída, se porventura
fosse Seu intento sair.
Não
venci o desejo e fui. Corri e sentei-me na beira do bosque, aguardando o que
desse e viesse. Fez-se noite e uma lua em quarto crescente começou a diluir-se
pela paisagem desértica. Era um encanto. Tudo era sonho e gozo. O Céu e a
terra, parece, se haviam consorciado, a fim de que uma paz sem limites
atingisse aquele local e suas criaturas.
Pouco
depois ouvi vozes. Elas se aproximavam cada vez mais e por fim o Mestre
apareceu, marchando à frente de Seus discípulos. Cumprimentei-O, explicando-Lhe
o motivo de minha desobediência à Sua ordem, para que cada um fosse rumo a seu
domicílio.
— Eu
sei, — disse Ele, falando com uma brandura absorvente; — eu sei e assim o
desejei. Necessitava falar-te, porque não foi para mim que vim ao mundo, e sim
pelos meus irmãos e comandados. Trago um mandato que encerra uma lição, uma
advertência e uma oferta.
—
Mestre, serei todo ouvidos e respeito.
— A
lição, — continuou Ele, — constitui-se de informar aos homens a respeito do
Cristo interno, do Cristo esquecido, do Cristo desconhecido. Poucos fazem caso
desse dever, que é o dever de fato. Os cultos tradicionais deturparam nos
homens o sentido inato de respeito a um Deus que é Amor e Justiça, levantando
em seu lugar os mais contraditórios e chocantes conceitos, de onde se originam
preconceitos os mais deprimentes à criatura. Afirmam Deus para assim poderem
afastar de Deus. Eu venho dizer aos homens que Deus não quer sacrifícios e sim
amor; que em Deus não há acepção de pessoas, de raças, de cores, de castas, de
posses, de fronteiras. E que a adoração deve ser feita no templo interior,
sendo as ofertas, as únicas aceitáveis, aquelas que se estribam no amor e na
sabedoria. Eu, o que sou, é aquilo mesmo que tendes obrigação de procurar ser.
Não vim procurar, não vim buscar o amor das criaturas para mim. Não necessito
disso. Quero que vos ameis uns aos outros, porque esse é o caminho da
glorificação interna. Aqueles que dizem, e são muitos, que eu procuro ser amado
como Deus, enganam-se; eu não tenho necessidade disso, porque o Pai sabe como
sou e como Lhe obedeço. Do homem quero a compreensão para os deveres íntimos, a
iluminação interna, o desabrochamento do Cristo. Porque cada um encerra um
Cristo a despertar, e, infelizmente, esquece-o.
Quando
Sua voz cessou, a natureza parecia repeti-la. Depois de um pouco, continuou:
— A
advertência é esta: a humanidade está às portas de uma Nova Era, e, isso coloca
seus indivíduos em dura expectativa. É lastimável que haja tanta inconsciência
do homem a respeito do destino do mundo e do seu próprio destino. As religiões
têm desvirtuado o sentido da fé, que é, em natureza, encaminhar o homem para o
conhecimento das leis da vida. Sem saber, como pode o homem aplicar-se bem? É
urgente que se compenetre do dever de amar a Deus com toda a força do coração e
de toda a inteligência. Ai de quem olvidar esta obrigação. Infeliz daquele que
não atender a esta minha advertência.
Fez um
brevíssimo silêncio e acrescentou:
— A
oferta é o cumprimento da promessa antiga, o derrame de Espírito sobre a carne.
O mundo ir-me-á supliciar e tirar a vida. Mas eu voltarei, como espírito, e
completarei minha obra. Essa autoridade eu a tenho, delegada por meu Pai e vosso
Pai, meu Deus e vosso Deus. Assim se dará, porque aquilo que é de Deus não
cessa em virtude dos erros e desmandos de homens. Para Deus não existe um agora
ou nunca, porque para Deus tudo é sempre e presente, e Sua Lei é imutável e
eterna. Os homens, quando souberem o que vim fazer, compreenderão que lhes vim
lembrar os mais sagrados deveres — amarem-se mutuamente e procurarem saber o
quanto possível das leis da vida.
Cessando
a fala, pôs-me a destra sobre o ombro e disse-me:
— Vai e
não te esqueças disto. Vive esta lição, que é do Céu, e procura passá-la aos
irmãos. O mundo precisa de verdadeiros apóstolos, a humanidade necessita de
obreiros do bem. Procura dar dignos frutos pelo exemplo, e um dia, quando menos
pensares, estaremos juntos no regaço de Deus. Vai. . . Vai. . .
Ele ia
dizendo vai, e eu me afastava, olhando para trás e derramando copiosas
lágrimas.
Que
misto vivi, de dor e alegria! Que estado de mágoa, meu Deus!
Quando
acordei, tinha as minhas faces de espírito banhadas e os olhos num ardor delicioso,
bem aventurado. Eu, todo, fremia de uma intensa alegria
Extraído do Livro: UMA VISÃO DO CRISTO
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