CAPÍTULOS DA VIDA
O homem vive entre "porquês". O "porquê" da vida, por exemplo, interessa a todos e freqüentemente nos interrogamos sobre fatos com que deparamos e que nos deixam perplexos. A Filosofia incumbe, sem dúvida, senão explicar cabalmente esses fatos, ao menos apresentar possíveis explicações, hipóteses racionais, teorias razoáveis, etc. Mas a Vida zomba desses esforços e os "porquês?" continuam a desafiar respostas exatas. Nenhuma ciência pôde ainda informar convenientemente o homem. O homem é o que é; mas, disso, conhecimento perfeito não tem. Tudo quanto lhe é dado saber, por ora, tendo por acréscimo o soberbo contingente das revelações espiríticas, não vai até poder afirmar estar de posse dos principais e indiscutíveis conhecimentos.
Vejamos: que se poderia dizer de justo, de insofismável, ao se ver um homem, jovem ou velho, sábio ou ignorante, são ou doente, rico ou pobre, à margem de um regato, empunhando uma vara de pesca? De onde vem, ao certo, aquela criatura? Que é em si, no rol das coisas e dos seres? Qual o seu grau perante a infinita escala hierárquica das personalidades? Em que ponto da escalada estará fadado a estacar? Existirá um possível termo na senda dos escalões sem fim e sem número, desse turbilhão de turbilhões de mundos e agrupamentos demográficos do infinito?
Não obstante, um homem com o seu caniço imóvel à beira de um regato ou de um caudaloso rio, jamais deixaria de ser alguma coisa, de ter a sua história, de aspirar a um fim, de sentir dentro de si um mundo, de ter idéias e atuar no universo infinito que o cerca. Esse homem pouco sabe do conjunto da criação, das origens e dos processos de manifestação da Vida; porém, não deixa de ser partícipe da grande Verdade e parte integrante da Unidade.
Quem saberia tudo a respeito do leiteiro Ambrósio, aquele homem de 50 anos que voltava a penates, afoito, chicoteando os animais, correndo o perigo de rolar a ribanceira e cair dentro do formidando rio que deslizava lá embaixo? Que pensava ele, nesse momento, no quadro do quanto já teria pensado, no curso das vidas e das preocupações? O certo é que, animado do desejo de chegar em casa, fustigava os cavalos que, também ansiosos de descanso, puxavam facilmente o galope. O sítio de Ambrósio distava uns 20 quilômetros da cidade, onde residiam os seus fregueses.
Que poderíamos dizer, também, sobre o farmacêutico Antônio, residente na cidade e que, tendo ido levar remédios a uma fazenda próxima, apertava o acelerador do seu Fordeco, na esperança de chegar mais cedo ao lar, confiando, como Ambrósio, metade na sorte e metade na sua habilidade, para evitar algum desastre? Quem poderia prever o que lhes sucederia dentro em pouco, mais além, numa curva mais fechada da estrada, ou num ângulo mais agudo do caminho? Como poderiam imaginar aqueles amigos de infância que, minutos depois, teriam de enfrentar o transe mais augusto das suas vidas: a morte? O certo é que os fados, os fados com ou sem fatalismo, haviam tramado o fim de ambos e decretado que os dois amigos causariam a morte, um do outro. Foi por isso que, vindo ambos em sentido contrário, viram-se de improviso frente a frente, em seus respectivos veículos, fazendo cada qual o máximo para diminuir o alcance da tragédia iminente. Tudo quanto conseguiram foi aumentar a intensidade da mesma. Reconhecendo-se mutuamente, Ambrósio e Antônio quiseram dar passagem ao amigo e, abriram a curva. Com isso apenas conseguiram chocarem-se violentamente e rolarem juntos o abismo. A voragem os tragou! A estrada era por demais estreita e os veículos desequilibraram-se, tombando aos trambolhões na medonha perambeira. Lá embaixo, no rodopiar sem fim das águas em torvelinhos, uniram-se em triste destino os destroços das viaturas e dos seus condutores. Algumas pedras, deslocadas dos seus lugares, juntaram-se aos sinistrados, em seu destino. Dois homens, uma carroça, um automóvel e dois eqüinos poucos sinais deram de si, por alguns minutos. Depois, o cenário voltou à calma habitual. A rotina tomou conta do assunto. A natureza amorfa assiste indiferente à morte do homem e do inseto. Nada foi considerado no seu caderno, com relação às vítimas, aos seus descendentes e aos seus problemas. Tudo é e tudo passa. É a lei do mundo em que vivemos. Aparentemente, Deus não se interessa com o que sucede no mundo. Há milhões de anos os lobos devoram os cordeiros e ambos são tratados com igual desvelo pela Providência. Estava reservado ao Espiritismo explicar como opera a Justiça Divina. As compensações são maravilhosas e longe estamos de poder compreender os processos todos de se operar a reparação. Consignemos apenas que o aperfeiçoamento das espécies exige o sacrifício dos indivíduos menos aptos, segundo a Lei da seleção natural. A luta pela vida e pela sua conservação traz sofrimentos, mas estes também são aproveitados, para o aperfeiçoamento do espírito. Destarte, por impiedosa, a Natureza ajuda a evolução das formas corpóreas e incorpóreas. As injustiças? Oportunamente serão sanadas.
No dia seguinte, ao local do acidente compareceram autoridades e povo. Sulcos no chão haviam sido deixados pelas rodas e patas de animal. O chapéu de um deles estava, como testemunha muda de uma falante tragédia. Era, disse dona Maria, o do seu falecido marido, o farmacêutico Antônio. Ambrósio nenhum pormenor de si deixara, a não ser o rastro forte das rodas de ferro da sua carroça. O burburinho na cidadinha foi de pasmar! Comentaristas os mais fantasiosos surgiram, de improviso. Jornalistas exagerados puseram-se em função. A imprensazinha falada e escrita do local não imaginava que os dois amigos, invisivelmente, fizessem comentário de tantos supostos motivos.
Mas, tudo foi, como sempre se deu e se dará, tomando rumo às planuras da normalidade. O inquérito aberto pela polícia concluiu pela prova do acidente e com o seu encerramento fechava-se o livro da vida terrena de Ambrósio e Antônio. Dentro em pouco seus nomes eram citados sem entusiasmos nem pieguismos espontâneos ou afetados. Outros acontecimentos, outros desastres, desses que proliferam aos milhares, todos os dias em toda a parte, ocupariam a atenção dos vivos. Tudo é, tudo passa. O Sol não pára. Os mundos descrevem pelo éter a apoteose do Cosmos. E os espíritos vivem, vivem sempre, para o todo e para si mesmos, como partes integrantes do mesmo Cosmos. Vida é movimento, e os mundos, os seres, as leis e os destinos são outros tantos acidentes no desdobrar da sua manifestação. Acidentes, passageiros uns, outros eternos, tudo segue um rumo e obedece a um destino. Básica apenas é a VIDA, em sua singeleza indiscernível. Por isso, tudo é e tudo passa sob condições. Mas do SUPREMO ESTADO, que é fundamento íntimo de tudo e todos, quem poderá dizer algo de positivo?
Os seres e as coisas são partículas do TODO a caminhar com rumo, na vastidão insondável do próprio TODO. As leis e os destinos são, não duvidemos, razões fundamentais inerentes ao fato de existirmos. A possibilidade, que todos têm, de se divinizar, por sublimação, prova que emanamos de Deus e n’Ele vivemos. Fundamentalmente, porém, só Deus é. Porque nós somos o que ELE quer que sejamos. No seio do ABSOLUTO, nosso livre arbítrio também é determinismo. Existimos, temos valores inatos. Desenvolvemos tais valores e usamo-los, mas no círculo que o Supremo nos traça. Nenhuma ação humana exorbita do que leis lhe facultam; e o homem não faz leis! O homem é uma lei do TODO e age como pode dentro do seu quadro, que vai até poder influir nos acontecimentos e nas ações de outros homens.
AS MARGENS DO MAR MORTO
AS MARGENS DO MAR MORTO
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