VARIAÇÕES
DE TODA ORDEM
Que
coisa tremendamente importante é a escala hierárquica dos seres!
Que coisa sublime é o estudo das diferenciais psíquicas! Como é
singular em vida e sensações, um grau estático, embora esteja ele
em relação direta com os seus imediatos abaixo e acima, além de
ser influenciado por miríades de outros e outros!
Na
vida de homem do mundo, já não julgava eu que a vida fosse igual
para todos, em suas características emotivas. Cada qual a sente,
segundo seu grau de evolução, seu modo de educação, seus gostos
mais pessoais. Aqui, como tudo pode se multiplicar ao infinito, para
baixo e para cima, para o bem e para o mal, então, o campo torna-se
maravilhosamente divinal.
Conheço
criaturas, por com elas lidar, de toda ordem relativa, a quem como eu
tem de agir em contato com muitos, por ser trabalhador espiritista.
De entre os mais elevados mestres do espaço, aos mais abismados
elementos que vivem nos planos da carne, diferenças quase totais
subsistem! Quase, imaginemos bem, uma vez que todos os graus se ligam
por um liame fundamental, cuja profundeza ultrapassa a capacidade de
concepção de quantos conheço. Porém, assim é da escola da vida.
Toda essa diversidade, uma tal complexidade, nada mais testemunha do
que a grandiosidade infinita da Obra Divina, e, os meios utilizados
pelo Senhor Supremo, como escola franca a Seus filhos.
Os
homens, as mulheres, os moços e as moças, os justos e os injustos,
os sábios e os ignorantes, os ricos e os pobres, os crentes e os
descrentes, todos irão, a seu turno, bater às portas do Consolador,
tal como já funciona na terra. E se encarnados passam como bons os
ruins, e como ruins os bons, por lhes faltar os poderes de
penetração, outra coisa é o que se dá de nossa parte, o que se
passa de nosso lado.
Aqui,
também, o Consolador é buscado por falanges de falanges,
principalmente pelas de baixo padrão hierárquico, em vista das
necessidades prementes de melhora, em todos os sentidos. É Deus, em
Sua sabedoria, servindo os espíritos pelo espírito. E como se
portam mal umas tantas criaturas! Como são rebeldes certas falanges!
Que coisas fariam, caso pudessem! Amigo leitor, quando tu para aqui
mudares, com armas e bagagens, terás de sentir o peso ou a leveza
das mesmas de um modo tão real, tão simplesmente real, tal como se
fora a coisa mais corriqueira da vida cotidiana aí da carne. E por
isso mesmo, tu aprenderás a medir tudo, todos os atos, do
ponto-de-vista espiritual, sem confundir o espírito com a matéria,
mas, também, a solucionar os problemas, segundo o prisma da melhor
análise, que é não confundir entre natureza essencial e
organização de caráter.
O
santo, muitas vezes, está forrado pelo devasso! O filho de Deus, por
involução, parece filho da treva! E você terá de ver como
procedem os grandes mentores, aqueles nas costas de quem, pesam
obrigações administrativas de grande alcance e tremenda
responsabilidade. Dir-se-ia, se não estivesse a sociedade astral
organizada por partes, por zonas, por graus, por esferas, ser
impossível ajuizar sobre a ordem reinante. O emprego da Justiça,
para muitos efeitos, é segundo o sistema terrícola, produto de leis
sociais organizadas pelos mentores. O que quero dizer, não é que
tenha sido inventado aí ou aqui, nem para favorecer a quem quer, daí
ou daqui, como o fazem muitos dos que daqui dão notícias aí,
empanturrando tudo de um parcialismo cabotino, como se isto fosse
viver e aí morrer, como se aqui tivéssemos inteligência e aí
negação da mesma.
Digo
e afirmo que, bom ou mau caráter, sabedoria ou ignorância, nunca
foram privilégio de quem quer, daí ou daqui. Medram aí vultos
nobres, belas celebrações, sentimentos celestializados, ao lado de
tantas mazelas, tal como aqui, tomando-se os planos em conjunto. E
para gáudio dos encarnados, afirmo sem o menor receio, que aqui não
há um só bem-aventurado, que não tivesse forjado tal estado no
plano da carne! Eis o valor da vida na matéria. Prezai-vos, pois,
porque tal é a disposição divina para convosco. Respeitai vossas
belas condições, já que ninguém aí está, que tenha ido sem
graves compromissos! Não vos confundais, amigos meus, porque a
confusão traz o inferno interior, a treva mais dolorosa!
Um
dia destes recebemos ordem de abandonar um Centro Espírita, pelo
simples fato de terem os seus dirigentes, aceito o alvitre de um
espírito fetichista, desses que se dizem “pai” isto e “pai”
aquilo, recomendando práticas tais e quais, coisas pouco evangélicas
e sempre medíocres, tais como formalismos advindos com ele, dos
inferiorismos clericais e fetichistas aí da carne, e aqui muito
cultivados nas zonas inferiores. Os dirigentes, que foram provados,
ao invés de instruírem ao pobre irmão, negando-se a obedecê-lo,
prontificaram-se a seguir-lhe o conselho. Como resultado, recebemos
ordem de retirada para que os mesmos fiquem com os que escolheram por
achar melhor.
Nisso,
houve prova para muitos, e um dia, haverá recompensa justa. Assim é
o programa de instrução. Dado isso, previno a quantos tenham
inteligência de entender, pois nem tudo o que vem em nome do Senhor,
é mesmo do Senhor. Quase todos os grandes crimes da história, foram
praticados em nome do Senhor, isso o sabeis muito bem. E o fato de
terdes hoje, à vontade, o Consolador por cultivar, não significa
que vos tenhais identificado cabalmente com sua melhor expressão, em
conhecimentos e em emprego de valores. Homens de todos os matizes,
daqui e daí, exercitam o culto do mediunismo; isto quer dizer, sem
dúvida, que os méritos do exercício, variam ao infinito. Nada,
porém, temos ainda de totalmente perfeito!
Não,
quero dizer, de modo algum, sejam tais mentalidades, desencarnadas,
ruins ou francamente perversas, destituídas de boas qualidades.
Quero dizer que, ao lado do que podem ensinar, muito falta para bons
aprendizados. E se os encarnados agissem com um pouco mais de
prudência, haveria melhores possibilidades para todos,
principalmente para tais pretensos “pais”, que vivem em ambientes
doutrinariamente frouxos, forçando consciências, fazendo
estrepolias, à custa do emprego de elementos, de leis, de meios,
pouco evangélicos. Não quero tirar a ninguém o direito de
liberdade de ação; mas afirmo que muitos de tais “pais”, nada
mais são do que filhos impudicos, ainda, Daquele Senhor que para
outros fins conferiu virtudes. E que muitos dos seus seguidores,
deste lado, vieram a se achar mal, sendo que muitos, apesar de
cultores do mediunismo, perderam na parada, ao invés de ganhar.
Tudo, pois, no mundo das relatividades, deve obedecer ao ideal de
progressividade, rumo ao melhor, custe o que custar.
Vejam
pois, bem intencionados do mundo, um espetáculo como este: homens
titulados, médicos, engenheiros, altos funcionários; moças, moços,
matronas e homens encanecidos, em pleno bacanal candomblista, pedindo
serviços que tais a que tais espíritos em troca de fumo, doces,
bebidas, de que os mesmo se apoderam por meio da interpenetração
dos corpos fluídicos, tudo em meio a danças sensuais, meneios menos
dignos, fumaças e fluídos repelentes. Esse, amigos, o Espiritismo
apresentado pelo Cristo no Pentecoste, ou aquele exposto na
Codificação?
Tudo
é passível de aprimoramento ou corrupção, por parte do homem e no
setor que lhe seja afeto, pelo cunho de relatividade. Neste caso,
amigos, cumpre-vos policiar o exercício mediúnico. Conhecer, até
mesmo todas as verdades fundamentais ou essenciais, nada representa
como valor de fato; o mérito vem da melhor prática. Em tudo, de
qualquer forma, devem prevalecer o ser, a simplicidade e a
produtibilidade. A primeira condição independe de nós; mas para
ser simples e produtivos, temos de lançar mãos dos inconfundíveis
valores íntimos. Eles são por conhecer, por sentir, por viver. E a
conseqüência lógica, é responsabilidade definida perante a
Suprema Lei, que do mais profundo do eu se manifesta.
Assim
foi que comigo se deu; assim é que sei se passa com outros,
ressalvadas as variantes formas e modalidades de purgação. Na
essência, porém, ninguém toma do espírito, pela mão ou pela
orelha, para conduzi-lo ao lugar de suplício. É o próprio
espírito, em verdade, quem se prepara para toda e qualquer
finalidade. E é por isso, mais uma vez, que quero protestar contra
toda essa saraivada de louvaminhas melosas, nauseantes, que os
clericalismos do mundo ensinam, e com as quais pretendem alcançar os
favores de Cristo, dos mestres e líderes de todos os tempos, lugares
e matizes.
Cada
qual é um templo da Verdade que livra; basta se torne um templo
limpo, para ser por si mesmo livre, sem o favor de ninguém, mas com
o direito de solidariedade de todos os corações nobres. Nem favor
faz quem cultivando o Bem e a Ciência se libera, nem tampouco o faz
quem, como superior, ensina o que é de sua obrigação.
As
religiões mandam adorar, por formalismos e cantilenas laudatórias;
a Suprema Justiça pede obras decentes, cumprimento do dever,
solidariedade humana! E para quando quereis deixar o abrir os olhos e
enxergar por vós mesmos? Até onde quereis ir, falando nos mais
puros e cultivando a impureza? Quando deixareis de exaltar tanto a
uns e outros, para dedicar-vos mais ao culto dos sagrados patrimônios
internos? Por que viveis cuidando tanto da iluminação dos templos
exteriores, por atos formais, por gabações a feitos alheios, por
louvaminhas a uns e a outros, deixando às escuras, sem brilho, sem
cultivo, os vossos próprios valores? Quem possui, amigos, por
natureza, mais dons que vós, que nós? E se a diferença é cultivar
ou não, por que andais levantando louvores aos ditos santos, aos
chamados bons, enquanto deixais vossos altares íntimos sem luz, sem
confiança própria, sem práticas divinais? De que valem louvores a
estes ou àqueles? Por acaso, amigos, isso vos desculpará perante a
Lei?
Se
louvaminhas valessem, Cristo não teria abraçado a necessidade de
sacrifício próprio! Se exaltações libertassem, não teria dito o
toma a tua cruz e segue-me! Se cantilenas fizessem tais prodígios
libertadores, não teria prostrado os que adoram com a boca! Enfim,
amigos, ninguém encara, por aqui, com respeito, vossas curvações,
vossas laudatórias, vossos rituais, vossas sebosas e falsas
adorações! Eis a verdade, ainda que vos não calhe bem; estais por
ingressar em grau cíclico superior, e, outra conta vos será pedida.
É uma conta que abandona exteriorismos e adorações falazes, por
prezar o culto do amor fraterno. O tempo, pois, que haveria de gastar
em louvar aos vossos santos de todos os matizes, gastai-o em amar-vos
uns aos outros, por vos sentirdes a todos como filhos da Vida, do
Amor e da Justiça! Quem precisa, de fato, das vossas adorações
sinceras, sois vós mesmos, uns para com os outros.
Da
parte de Deus, do Cristo, dos santos, não penseis senão isto –
que não se moverão, à custa de vossos formalismos vãos, de vossas
louvaminhas teóricas! Abandonai, o quanto antes, o vício triste da
falsa adoração, que vindes de trazer de outros credos. Amai-vos
como a filhos de um só Senhor; amparai-vos sempre; compreendei-vos
como partícipes de uma mesma origem, como sujeitos a um mesmo Plano,
como votados a um mesmo glorioso Fim!
Faz
uns três meses que meu pai me acompanha, em trabalhos que pratico,
como guia de dois médiuns aí da carne. Como tal, espírito
intelectualmente cultivado, apanha ele com facilidade, todos os
ensinos. Sobe bem e depressa, para o plano hierárquico em que se
achava antes de reencarnar. E se falhou, mais deveu isso ao passado
por expiar, do que mesmo por incompreensão no presente. Afinal, eu e
ele, tivemos agravos no culto dos exteriorismos religiosistas e nos
exclusivismos sectários. Tal como truncamos a evolução nos outros,
assim nos impôs a Lei de Equilíbrio Universal!
E
vamos ao caso. Uma senhora, assistente do Centro Espírita onde
trabalhamos duas vezes por semana, pediu por alguém de suas
relações, já desencarnado há bem tempo. Um pedido de informe,
desses tão comuns e louváveis. Mas que, em verdade, muita vez,
termina para pedinte daí, continuando-se em programas aqui, onde
nada deixamos, e nem podemos deixar, de lado, desde que contando com
o beneplácito da Lei.
Eu
e meu pai, fomos localizar o tal irmão, três dias depois, em lugar
bem interessante, do ponto de vista do mecanismo da Lei de causa e
efeito. Estava ele em vastíssima planície, sem fim, parecia, mas
toda inçada de grotas e rochas, pedras e pedreiras, areais e sol
escaldante. Com ele, estavam mais três, e, tudo o de que tratavam
era fugir àquele lugar infernal!
Suarentos,
cansadíssimos, enferidados, barbudos, famintos, desalentados,
saltavam e ressaltavam as mesmas pedras, davam voltas em torno às
mesmas grotas, repetiam os mesmos caminhos, elaboravam os mesmos
planos. Nunca, porém, saíam do mesmo sítio. Ali, sempre ali, como
que atados por invisíveis mas tremendos liames de variada ordem!
– E
dizem que o Dante sonhou!... – murmurou meu pai, profundamente
compungido.
O
senhor sabe como fazemos para que o encarnado pense a nosso gosto,
embora se julgue dono das idéias. Um dia, os encarnados
compreenderão que, o panorama mediúnico é muito mais vasto do que
imaginam. Ouso dizer, mesmo, que muitos inspirados e intuídos da
carne, servem-nos com muito mais precisão do que aqueles que nos
emprestam seus corpos. Isto, porque uns nos oferecem o seu campo
mental em certo ângulo de sentido, enquanto outros, fornecendo seus
corpos, ou o mecanismo vocal, fazem-nos sofrer a falta de adaptação
mental, o choque de fluídos, a natureza das radiações, as
divergências de ordem moral etc. Os chamados gênios; os grandes
artistas, os predestinados de qualquer matiz, são médiuns em grau
mais sublimado, embora falhos ainda, possivelmente, em outros ângulos
da organização...
E
iria além em minhas divagações de caráter pessoal, não fosse tal
irmão penoso, ter um repente nos ouvidos.
– Quem
está falando aí?... – indagou ele, volvendo o rosto trágico para
o nosso lado, sem nos ver.
– Quem
vos quer auxiliar! – gritei-lhe.
– Onde
está escondido?...
– Em
parte alguma... Sou um invisível...
– Assombração!...
Assombração!... – disseram os outros, procurando fugir do local.
– Parem!
Parem!... – bradou-lhes ele, firmemente.
Volvidos
os outros, tornou ele a nos indagar:
– Que
quereis de nós? Como podereis nos auxiliar?
– Somos
espíritos benfazejos... Uma
vossa parenta, ainda encarnada, pediu em vosso auxílio e, como há
da parte da Lei disposição em vosso favor, eis que viemos vos
procurar. Quereis nosso amparo, irmãos?
– A
misericórdia de Deus baixou sobre nós? – disse ele, iluminando os
olhos embaciados, por um momento.
– Sim
e não, – respondi-lhe, dadas as minhas novas concepções.
– Então...
Então... – fez ele, duvidoso.
– Deus
não é desaforento e nem favorista, caros amigos; basta de apelar
para Seus favores e temer Seus desaforos. Tudo quanto se passar com
Seus filhos já conscientes, representará e nada mais, o produto de
disposições internas. É assim que age a Suprema Lei. Não vem de
fora, mas sim, representa apenas o fiel do equilíbrio. Quem discrepa
em si o faz, bem como quem com ela coordenar, internamente o fará.
Negativa ou positivamente, todo e qualquer acontecimento de ordem
moral, de ordem interna sempre o será. Logo, nada há para subir ou
descer na Justiça Suprema.
– E
como viemos parar nestes sítios?... Nossa fé em Cristo estava acima
de todas as cogitações!...
Levei
em conta que deveria lhes falar; mas que deveriam ver-nos. Sabia que
a Lei com eles já estava, para um tal efeito e, por isso,
disse-lhes:
– Responder-lhes-ei,
amigos, com provas de fato; mas agora procuremos ver-nos uns aos
outros.
– Como
fazer?!... – disse um deles, um homem magro e assustadiço.
E
fizemo-nos visíveis, num lance de vontade, eu e meu pai. Isso bastou
para que viessem a nós, precipitadamente. Nossos aspectos não
poderiam jamais os tornar duvidosos de nossos caracteres.
– Eis
como fazer! – disse eu ao tal homem, abraçando-o fraternalmente.
– Sois
uns anjos de Deus! – disse ele, comovido.
– Sabeis
o caminho para sair daqui? – falou um outro, em cujos olhos
brilhavam lágrimas de contentamento.
E
o tal homem, móvel de nossa ida a tal local, por via do pedido
daquela irmã já citada, interrompeu toda e qualquer conversação,
dizendo:
– Gostaria,
amigo, que nos dissesse qualquer coisa sobre nossa vinda para este
lugar penoso. Disse que nos daria provas de fato...
– E
não tendes a prova no fato? – interpelei-o.
– Sendo
desencarnados e estando aqui, deveis saber que Deus, por disposição
natural vinculada ao filho, assim dispôs. Do contrário, amigos,
seria erro da parte do próprio Deus. E nem vos creio capazes de tal
imaginar.
– E
a nossa fé em Jesus?... – argumentou um outro, vivamente.
– Tudo
é relativo... E a fé sem obras é morta, meu irmão. Disse que tudo
é relativo, porque o valor da fé, em sua relatividade, não poderá
ser negado; porém, um fator é apenas um fator e não todos os
fatores...
– Que
fizemos de crime, então? Apenas aquilo que todo e qualquer cidadão
do mundo poderá fazer. De resto, senhor, pregamos a Jesus como único
Salvador, em nossas palavras e em nossos atos!
– Então,
– objetei – a Justiça Divina cometeu o seu primeiro erro, ao
tratar de vosso caso, ela que age do interior para o exterior?
O
homem fez um gesto de dúvida, moveu os lábios e disse baixinho:
– Não
digo isso... Mas...
– Bem,
– prossegui então; – bem, digo-vos que sei de vós o suficiente
para falar com conhecimento de causa. Antes de vir buscá-los,
sondei-lhes os documentos em vossos planos de vida, antes de
encarnardes. Li de vossas vidas, de vossa condutas etc.
– Então,
– atalhou um outro, que ainda não havia dito coisa; – sabe que
fizemos muito pela Reforma luteranista?
– Sei,
– respondi resolutamente, – que lutaram muito pelo sectarismo
luterano; sei que muito fizeram por vossas mesmas convicções. E sei
que, por isso mesmo, o erro apareceu em vossos feitos.
– Estou
basbaque! – balbuciou um dos presentes, entre dentes.
E
fui prosseguindo, na consciência do que sabia, por lhes ter lido uma
espécie de folha de corrimento, nas devidas regiões
correspondentes:
– Pregastes
a Jesus como único Salvador; mas Jesus ensinou que cada qual será o
seu próprio Salvador, pelas obras que praticar para com o próximo.
Dissestes aos homens, que se não vos aceitassem as afirmações, que
estariam perdidos eternamente. E por um desses complexos da alma
inferior em evolução, chegastes a sentir prazer na perdição de
muitos de vossos irmãos... Quereis dizer que estou exorbitando ou
que a Suprema Lei tenha se enganado?...
Os
quatro baixaram suas cabeças. E procurei animá-los, pois eram
irmãos, eram lutadores, eram idealistas. Tinham errado num campo
onde trilhões de trilhões já erram, onde errarão, onde eu mesmo
tinha chafurdado tristemente.
– Levantai
vossos ânimos! Sois filhos da Luz! Um grande dia vos espera!
E
o principal deles, para nós, tendo levantado levemente o rosto,
olhou-nos com algum pesar, para logo dizer:
– Verdadeiramente...
Mas, creio, esse crime vive sendo repetido por séculos, por gerações
e gerações... Jesus não disse tudo, não poderia dizê-lo de modo
algum em tal tempo, e deixou dito que deveríamos amar a Deus de todo
o coração e com toda a inteligência... Onde estará o homem capaz
disso, no mundo de homens de carne e ossos?...
Meu
pai soltou gostosíssimas gargalhadas, tendo ido pela primeira vez
falar a um deles. E disse em seguida:
– Se
soubessem que de coisas existem aquém da morte!... Que de tremendos
abismos concepcionais! Que de torturantes lacunas!...
– Que
faremos?... – perguntou-me o homem, duvidoso de si mesmo, descrente
de seus merecimentos.
– Não
vos disse que tudo é relativo? Pois se recebestes o prêmio do erro,
como não receber a recompensa das virtudes exercitadas? Por acaso só
serão contados os ceitis negativos?
– Então...
– Demo-nos
as mãos, amigos... Isso!... Agora, pensemos em Cristo...
Dentro
de segundos estávamos bem longe daqueles sítios angustiosos. Fiz
questão de levá-los a pé, pelos arredores da cidadezinha onde
começariam a trilhar a vida melhor. Atravessamos pomares e jardins,
onde o aroma dos frutos e o perfume das flores, embriagam de suave
espiritualidade.
– Parece
a terra divinizada! – disse um deles.
– Quem
diria que o céu seria assim? – considerou outro.
– E
quem disse que podeis falar em nome do que esteja para baixo e para
cima? – interveio meu pai.
Já
haviam eles comido dos frutos do local; já haviam aspirado o perfume
enlevante das flores; já haviam observado a plumagem das aves
esbeltas e felizes. E ao depararem com uma fonte, quiseram beber de
sua límpida água. Todo caso, alguém tinha ali fincado uma cruz, em
cujo braço havia esta legenda:
“Símbolo
da necessidade de sacrifício próprio”
E
um dos protestantes quis orar, pondo-se de joelhos. Os outros os
seguiram. Eu e meu pai nos conservamos de pé, pois somos dos que
crêem mais nas ações nobres em memória do Senhor, do que daqueles
que se dobram muito, mas fisicamente, para o Senhor.
E
seja lá como for, ainda estando eles a adorar segundo modo e gosto
próprios, uma voz forte como um trovão se fez ouvir, dizendo:
“Benditos
os que adoram em obras de amor!”
E
tendo todos nós volvido os olhos para o lado de onde veio a voz,
vimos que uma como estrela muito brilhante se formava, tendo o centro
cristalino, e de tal modo intenso, que não se lhe podia encarar.
Depois, desfazia-se em belíssimas cores, prolongado-se o brilho e a
influência. Por fim, foi subindo, subindo, subindo... E sumiu-se nas
aparentes alturas siderais...
Os
quatro protestantes, então, perguntaram-me, quase que
simultaneamente, como se alguém lhes tivesse imposto a idéia:
– Qual
seu credo?
– Por
cultivo, o Consolador... Por Religião, o Amor... Por Ciência, a
investigação sem prevenção... Por Filosofia, cogitar de tudo
tendo por base a melhor e mais pura consciência da paternidade de
Deus... Por Moral, respeitar o mais possível o direito alheio... Por
Justiça, o respeito pelas necessidades fundamentais e
inalienáveis...
– Como
cultiva o Consolador?... – interrompeu-me um deles.
– Dentro
de dez horas mostrar-vos-ei; quero conduzi-los a uma sessão de
Espiritismo. Ali, então, lembrai-vos do Pentecostes, daquele batismo
de Espírito, para o qual cumprir foi à carne o Cristo, e por cuja
solvência mereceu dos irmãos menores tudo aquilo de que já sois
conhecedores, sem dúvida.
– E
eu que fui tão avesso ao Espiritismo! ... – comentou um deles.
– Não
vos preocupe com isso... Eu fui um dos crucificadores de Cristo...
Tinha a Moisés na conta de tudo, de completo, e...
– Mas
Moisés profetizou sobre Jesus!... – atalhou um deles, vitorioso.
– E
Jesus foi crucificado por legar um Consolador! – emendou meu pai.
E
outra vez uma voz se ouviu, dizendo:
“E
será o confraternizador das gentes, na terra e nos planos
erráticos!”
Desta
feita, porém, vimos a quem falou; era aquele mesmo alemão
batalhador, que amava a melhor verdade que conhecia, e que no século
dezesseis, avançando sobre o que já haviam feito Joana D’arc,
Wicliff, João Huss, conquistou para milhões de irmãos, o direito
de pensar melhor e livremente, sobre as verdades ensinadas pelo
Cristo, preparando caminho para novos surtos no porvir próximo,
quando a grande eclosão mediúnica, revolveria de modo violento o
pensamento humano.
Os
quatro protestantes olharam com carinho invulgar para aquele vulto
simpático e aureolado em luz. Aproximaram-se dele e falaram-lhe com
liberdade. E ele falou com simplicidade, tendo dito mais ou menos:
– Somos
falanges de seres que trabalhamos por concretizar no mundo as
profecias do Senhor. Muito ainda resta a fazer, principalmente no
campo da Religião, que é um dos que mais separam os homens irmãos
entre si. Como lamento que em nome de um Pai de Amor e Justiça,
tantos crimes sejam perpetrados no mundo, quer lá na terra, quer
aqui, onde nas zonas inferiores, coisas incalculáveis se passam!
Minutos
depois, a simpática figura despedia-se e partia rumo aos seus
afazeres de grande chefe de serviços.
E
nós rumamos para o departamento competente, onde os quatro novos
irmãos ficariam inscritos, para fim de serviços. Depois disso,
despedimo-nos, eu e meu pai deles, tendo partido para novos rumos,
sempre dentro desse imenso plano geral, tão mal compreendido pelos
homens, que tudo querem particularizar, e particularizando
entregam-se à dor.
Afinal,
até quando viverão os homens, encarnados ou desencarnados,
separando-se no que não deviam, por questões subalternas? Que
coisas são os convencionalismos humanos? Por que trair o superior em
benefício do medíocre e infernal? Onde a razão para, em nome da
cor, da raça, da crença, da posse etc. investir como feras contra
os ditames da mais terna e pura fraternidade?