Minha sugestão foi a seguinte:
– O sol está a pino. Deve estar em Zênite, no máximo de sua potencialidade em geral. Ora, vamos tentar colher algum benefício, seja de que ordem for, pois ainda sentimos falta de recursos materiais, apesar de sermos espíritos. Não sabemos o porquê do nosso fracasso, mas sentimos que o sol nos aquece e que a água do lago nos alimenta... Estamos no mundo dos mortos e temos necessidade daquilo que é necessário aos chamados vivos. Sabemos como todas as forças e todos os elementos se desdobram em múltiplos e infindos matizes energéticos; estamos vivendo, faz muitos anos, à custa do mundo substancial, dos recursos essenciais. Vamos apelar ao sol, não como ídolo, não a título de religião, mas sim como fonte de vida cósmica e vertente indiscutível de virtudes essenciais. Quem mais trabalha e produz, em nosso sistema planetário, é o sol; ele simboliza Brama, o PRINCÍPIO SAGRADO. Vamos honrar o trabalho?... Vamos apelar para seus inesgotáveis recursos?...
– Meditemos, então – concordou um dos companheiros.
Observei:
– Não. Apenas meditar deu nisto, nesta miséria... Vamos fazer um círculo e de mãos dadas, formando uma cadeia magnética, vamos mentalizar a luz de Brama, o Seu BRILHO DIVINO, aquilo que em nossos êxtases temos procurado.
Foi como infundir vontade, pois todos se puseram de pé, levantaram as respectivas cabeças e fitaram o astro-rei. Aos poucos, fomos sentindo a importância da ação, o produto da mentalização consciente.
Aquele que havia feito a invocação, clamou:
– Brama! Brama! Nós queremos trabalhar e servir!...
Houve estremecimento geral, como se algum poder oculto nos sacudisse. Aquilo serviu para aumentar a esperança e favorecer a firmeza do pensamento. Era a primeira vez, depois de termos abandonado a carne, que alguma coisa nos sucedia, que o céu vinha em nosso auxílio.
E com o renovado poder mental, repetiram-se os estremecimentos, deram-se alguns repelões, conseguimos ver focos de luz bailando no círculo, subindo e descendo. Alguns passaram a orar em voz alta, outros deram para chorar, ainda outros davam graças em tom de rogo.
– Irmãos! Paz seja convosco! – bradou alguém no meio do círculo.
Todos ficamos atônitos, fitamo-lo com infinita devoção. Era um homem alto, todo vestido de branco refulgente e senhor de um semblante angélico. Irradiava autoridade, força moral incalculável. Estava de pé, mas não pisava o chão, pois se mantinha a uns dois palmos do solo.
Quando estávamos refeitos, numa voz harmoniosa e suave, explicou:
– Não vim pela minha vontade, mas pela vontade de Kassapa, o Buda, que precedeu ao último Buda, que foi Gotama Buda. Ele, por sua vez, sendo nos altos planos um grande chefe, atendeu o vosso apelo, por ter sido feito em honra ao trabalho.
Passou o seu absorvente olhar pela assembléia de monges, mais farrapos do que monges, acentuando:
– O trabalho é a grande oração. Tudo quando é feito, e resulta em bem para os semelhantes, isso mesmo enobrece e honra a criatura. Brama não carece de adorações de Seus filhos, mas Seus filhos, entre si, muito necessitam do mútuo amparo e das inadiáveis atividades de cooperação. Estamos no limiar do século vinte e o mundo se prepara, a fim de transpor um dos mais significativos ciclos, aquele que determinará a mudança de condição e de situação para toda a humanidade, na medida de suas possibilidades. Não será mudança de caráter fundamental, não haverá melhora radical, pois o espírito não amadurece de um golpe, não faz jus a um salto nas condições mesológicas, uma vez que não saltará nos valores íntimos. A reforma será relativa, mas não deixará de ser algum tanto violenta, pois a humanidade é, infelizmente, inimiga de esforços a bem do espírito... Há muita tendência para o comodismo, há muito apego ao mundo, mesmo que disfarçado em sentido religioso... Deus, porém, quer que se preze a Ciência e o Amor. Mas em base de serviços úteis, de préstimos inadiáveis e intransferíveis. As portas do Nirvana interior, sabei-o, somente serão abertas através do trabalho. Inatividades e comodismos geram desgraças, mesmo que praticadas em nome de Brama ou em Seu favor. Assim, como ninguém consegue viver, somente de pensar nas atividades e nas realizações necessárias, assim também ninguém edificará o Reino de Brama, pelo simples afastamento das obrigações, pelo simples fato de só pensar em Brama.
Sua palavra era potente, convincente ao extremo, vinha ungida de tremendo potencial moral. Ao fazer breve silêncio, ninguém ousou fazer a mais urgente argüição, pois estávamos todos sentindo profundamente a sua imensa capacidade discernitiva e funcional. Perguntar o quê, se ele nos penetrava em todos os sentidos?
Relanceando seu meigo e potente olhar pela assembléia estática, ofereceu:
– Quereis trabalhar? Quereis alcançar, de fato, na intimidade, o encontro e a união com Brama?
A resposta foi um rumor, nalguns casos um sinal de cabeça, pois alguns não podiam falar, estando, como estavam, imensamente emocionados.
Ele sabia e muito bem, qual seria o teor da resposta; a miséria estava no auge, levando-se em conta a qualidade dos elementos, considerando a proveniência vocacional dos seus portadores. Mas, como era de ordem superior, fez a pergunta e ouviu a devida resposta, a fim de propor:
– Está bem, fiquem aí alguns instantes, enquanto presto contas e volto. Mantenham alto o padrão mental, desejem de fato trabalhar pelo bem da confraria humana, produzindo benefícios da mais variada ordem, ativando os mais urgentes e imprescindíveis atos de atenção, por todas as questões e sentidos de atividade, pois no Universo tudo é movimento, ordem e cooperação, esforço e progresso, não se justificando o abandono e a isolação.
Um raio de luz esplendente rasgou o espaço, no rumo das esferas superiores e levemente na direção norte. Nós ficamos olhando para o espaço, na mesma direção, com pensamentos voltados para ele, o luminoso espírito, o mensageiro de Kassapa, que fora o penúltimo Buda. Havia um hino, um cântico em nossos corações, que se levantava em louvor a Brama, de maneira a mais espontânea, a mais deslumbrante.
Apareceu ao longe um clarão, apenas um imenso clarão, que se foi aproximando, aproximando, até que se ampliou e se desdobrou, transformando-se em esfera de luzes argentinas, multicores e radiantes; era fantástico o esplendor, maravilhava e absorvia. Ao cabo de pouco, os focos de luz se fizeram individualidades, seres humanos que entoaram um belíssimo e sugestivo hino sacro. Todavia, nossos olhos procuravam aquele grande mensageiro, não o encontrando naquela multidão feliz. É que ele era mais em hierarquia, sua personalidade revelava alta posição e autoridade. Daqueles ali presentes, nenhum era tão luminoso, tão majestoso.
Vieram ao nosso encontro, havendo um deles vindo falar conosco. Bem se via que era um chefe, pois apesar de ser muitíssimo inferior ao grande mensageiro, era o de mais forte envergadura e porte. Irradiava autoridade ao seu talante evolutivo, era alegre, meigo e comunicativo.
Depois de nos saudar em nome de Brama, disse:
– Vim para levá-los. Disponham-se a partir.
Consultei-o:
– Por que não veio aquele que nos visitou primeiro? Gostaria de lhe dizer o quanto estamos penhorados, o quanto lhe estamos devendo.
Sorriu, meneou a cabeça, esclareceu:
– Ele tem um nome que vos seria difícil entender e pronunciar; não adianta que vô-lo diga. Mas não o deveis aguardar, pois é de muito elevada escala, sendo um dos imediatos de Kassapa, que por sua vez é um dos imediatos de Jesus Cristo, o Diretor Planetário. Nós viemos ao seu mundo, tudo faremos consoante as ordens superiores. Para iniciar, por exemplo, recomendo a máxima simplicidade e modéstia, sopesando a bom critério todos os fatores que venham a apresentar. Com relação aos mais elevados mentores, podeis estar certos, devemos todos observar uma conduta simples e de inteira confiança, pois sabem mais do que possamos julgar, estando ainda em cumprimento de ordens deveras respeitáveis, ordens que jamais deixarão de cumprir, menos que de cima venha a devida contra-ordem, acontecimento este que raramente se dá.
– Teremos prazer em ser simples e modestos. Verdadeiramente, senhor, estamos acostumados a pensar um tanto altaneiramente ou presunçosamente... Isto é, estávamos assim acostumados, pois a morte física nos chocou profundamente, por termos encontrado nela sérios reveses, acúmulos de sofrimento, acima de tudo enormes angústias de espírito.
– Eu sei, eu sei – afirmou ele.
– O grande mensageiro vô-lo disse? – indaguei.
– Não. É que temos feito visitas a muitos mosteiros, inclusive o vosso, estando registrado todos os fatos dignos de atenção. Fomos nós que atuamos sobre o ancião Ananda, forçando-o a encetar a caminhada. Não queríamos fazer este serviço naquele meio, pois alguns elementos estão longe de merecer o recolhimento no presente, devendo acontecer coisas, a eles bem pouco agradáveis, antes que venham a ser atendidos.
– Então, senhor, tudo é sob regime? Houve momentos em que nos julgávamos completamente abandonados.
– E a Doutrina aprendida? Como ensina ela?
– Senhor, a desilusão foi tremenda... Pensávamos estar libertos, unidos ao Espírito Universal, a Brama, quando realmente estávamos apenas entregues à separação e ao abandono. A morte, como disse, foi um tremendo fracasso, meu senhor.
– Chamo-me Calil. Trate-me de irmão Calil, portanto, que fica melhor. E agora responda-me – que espécie de Justiça seria a divina, se o Reino de Brama fosse integralmente acessível aos indolentes e comodistas, por mais que nutrissem os pensamentos elevados e dirigidos ao próprio Brama? Se a condição de subida, para todos os efeitos é a de trabalho, a fim de conquistar os lauréis do Amor e da Ciência de modo prático, de maneira a não restar dúvidas, como iria Ele fazer exceção, abrir precedente menos justo, apenas porque alguém inventasse de cultivar teorias avançadas e pretensiosas, abandonando trabalhos, desprezando serviços, simplesmente pesando nas costas daqueles que, trabalhando, são julgados, por isso mesmo, inferiores, por isso mesmo afastados ou menos dignos do Nirvana? Se a medida ideal é o mapa de trabalhos, de esforços e realizações nos mais variantes matizes de construtividade, por que deveriam outros ser menos obrigados, pelo fato puro e simples de se julgarem preferidos, apenas por se tomarem de certas convicções a respeito da Verdade?
Extraído do Livro: O MENSAGEIRO DE KASSAPA
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