Minha última vida na Índia foi no século XVIII, constituindo o final de uma longa carreira conceituosa; de tal modo estava certo de minha entrada no Nirvana, que me propus, nos dias finais, a não me alimentar. Tudo em mim era espírito, nada mais do mundo devia me importar e importunar. Como a vontade era poderosa e muito bem dirigida em continuidade, a libertação se processou em boas condições, em perfeita ordem, embora em grau hierárquico inferior. Nada de Nirvana, coisa alguma de me fundir com a ESSÊNCIA UNIVERSAL! Vaguei pelo ambiente onde outros já vagavam, também eles pretensos despertados e felizes libertados. O ambiente era de paz, tudo fora se fazendo límpido e penetrável, mas faltava intensidade, não havia autoridade. Se o primeiro instante foi de prazer, a seguir se manifestou sensível desagrado, para logo tomar posto sofrível estado de tormenta íntima.
Não quero depor contra o dever de cultivar a paz, a fim de hauri-la no plano astral, quando a separação se processar. Teço aqui os meus encômios a essa obrigação inadiável e intransferível; que ao menos se mereça a paz!
No entanto, que ninguém se iluda pensando ser ela tudo, representar a escala total. A sabedoria confere autoridade, gera o poder quando aliado a paz. Ninguém atingirá supremos postos só a custa de paz, bem assim como nada fará com a simples sabedoria. A paz é imprescindível. A sabedoria é complemento. Juntas é que produzem aquilo que chamamos de autoridade.
Eu havia cultivado a paz, uma paz filha do mais acendrado comodismo. Não tinha ciência e era falha a minha filosofia. Logo não possuía sabedoria e acúmulo experimental, estava aterrado em minha pobre paz.
Muito outra, meus amigos, é a tremenda lição do espiritismo. O Reino do Céu é para os trabalhadores, não para os enferrujados. O Céu dos comodistas é bem rente ao plano carnal, é bem pobre de recursos celestiais, é intensivamente fraco, quase vazio de tudo. Quem poderá desdizer o tremendo lastro de verdade que a realidade espírita proclama? Onde está o conceito humano capaz de eliminar o que é de procedência superior? Onde irão parar as manobras religiosistas, as artimanhas clericais, o produto da inveja, o despeito e a falsidade? Então o que é humano e ranceiro deve confranger o que vem da Suprema Causa? Deus deve proteger a malícia, o engodo, a farsa, a exploração, para de fato ser Deus?
Muita gente o entende assim; mas está errada; está virtualmente fora da trilha honesta, pois a Lei não aceita pretensas justificativas, mas quer apenas ser vivida. Vamos compreender bem esta assertiva – a Lei é para ser vivida, porque é valor íntimo e não formalidade, é poder intrínseco e não código adventício!
O centro de gravidade dessa matéria fundamental, que por isso mesmo acima de convenções humanas, pode muito bem ser interpretado pela sentença que vem dos antigos Budas, cuja origem se perde na poeira dos milênios:
“AQUELE QUE ME QUEIRA ADORAR, QUE FAÇA ATRAVÉS DE OBRAS MERITÓRIAS, QUE VENHA PELO SEU IRMÃO, QUE SE FAÇA AMORÁVEL E SÁBIO”.
É por isso que eu disse, de início, conter ainda bastantes recalques budistas, fartas marcas psicológicas em favor da doutrina humanista. Os Budas cometeram erros, conceberam mal sobre temas da Verdade, mas foram tremendamente grandes ao reconhecer a melhor das verdades libertadoras – aquela que não manda oferecer bugigangas a Deus a pretexto de ato de fé. Tudo no budismo, em matéria de salvação, repousa no culto dos desprendimentos materiais e no melhor trato social. Quem não sabe ser decente para com seu irmão, que se não defenda através de atos e atitudes hipócritas, pois as malícias multiplicam os erros ao invés de os justificar ou eliminar.
Eu sei que há exageros contemplativos no budismo; sei que ele honra em excesso a doutrina da abstração e da abstinência; sei que relega a plano inferior, e que chega a negar o merecimento de atividades indispensáveis ao aprimoramento moral e científico do espírito. Sei, em linhas gerais, que a Lei não se abala com essas concepções, reclamando atividades e atenções, trabalhos e acúmulos experimentais. Sei que, de fato, muitos pretensos libertos, ou Budas, voltaram à carne, em outros tempos, em outros países e para fins complementares. Eu sou a prova de que isso é por Lei. Mas eu sei que, colocando no seio da doutrina budista o conhecimento daquela verdade que o Diretor Planetário veio derramar sobre toda carne, que é o Batismo de Espírito, ela encerra tudo o quanto há de mais nobre e necessário, como instrumento da libertação espiritual. O budismo não é, em sua essência, nem formal e nem idólatra; vale por todo um programa de Ética aplicada. Se vier a contar com a oferta do Pentecostes, de cuja magnificência fez Paulo de Tarso recomendação absoluta nos capítulos doze, treze e quatorze da Primeira Epístola aos Coríntios, far-se-á ínclito órgão de instrução e libertação.
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