AO
ENCONTRO DO MEU PAI
Quando
o sol matinal foi começando a iluminar as terras de minha nova
região, já me encontrava levantando e aguardando-lhe a saída
triunfal, no cimo de uma elevação. É que à hora de deitar, havia
dito ao filho de Mariana, que Mauro se chama, das saudades que tinha
de ver uma aurora. No meu tempo de homem da carne, tudo fazia para
poder satisfazer esse prazer sublime, uma vez que o fosse em contato
com a natura. E como Mauro tivesse falado nas belezas panorâmicas de
certos recantos da cidade, tendo-lhe eu revelado o desejo de ver isso
pela aurora, assim ficou combinado.
Como
tal, o sol encontrou-nos a postos, sobre um monte que se sobrepunha a
uns vales agrestes, já para o noroeste da cidade. Respirei o ar puro
e ultra-oxigenado, lembrando-me bem do tempo em que queria respirar e
não tinha o que, a contento. Lembrei-me dos que lá ainda deviam
estar. Meditei na Justiça Suprema. E fiz cálculos sobre o rigorismo
filosófico de Mariana.
A
conclusão lógica, confrontando tais fatores com o fato de grandes
prelados sofrerem o peso das iniqüidades, também, tive que aceitar
a tese de que a Divina Justiça não se move, nem pelos extremos de
louvaminhas, nem pela rudeza dolorosa dos negativismos criminosos. A
uns, quem sabe por via da hipocrisia; a outros, talvez por causa do
desvirtuamento de costumes. Ao certo, porém, é que a simplicidade
falhando, tudo parece ter falhado como merecimento. O advogado dos
espíritos é a simplicidade de conduta. Com ela tudo se observa,
tudo se aprende e se propaga. Sendo-se simples, tudo se pode aturar,
tudo penetrar, de tudo extrair vantagens imorredouras. À falta dessa
virtude, tudo se torna duplicidade, qualquer poder negativo toma
conta do homem, prostrando-o à margem da Harmonia Universal.
Quando
uma dor, coletiva ou individual assalta; quando toma aspecto
econômico ou político, social ou quer seja, tudo quanto se deseja é
volver à simplicidade. Em verdade, a humanidade vive tacanhamente,
tanto quanto lhe exigem os imperativos artificiais sobre os quais se
levanta há séculos a vida de relações entre os homens e os povos.
Os estatutos sociais, as convenções humanas nada mais têm feito,
que procurar tanger no homem e nas coletividades, o direito natural
de evolução simples e gradativa, em todos os rumos desejados e
precisos. E é aí que o cataclismo aparece; e é aí que a
estagnação forçada estala seus tentáculos e se rebenta contra a
rota progressiva. Depois de tudo serenado, de a força incoercível
do fenômeno revolver tudo, então aparecem os apologistas da
liberdade, proclamando a necessidade de simplicidade, para que a
evolução se processe sem choques violentos.
Todavia,
quando se libertará a humanidade dos grupos conchavistas, dos
interesses de portas fechadas? Se todos partem de um só Centro
Gerador, se todos carecem dos mesmos fundamentais bens para viver,
onde está o direito de alguns sindicatos, no sentido de assaltar o
direito alheio em prol de suas sanhas?
Encarando
as matas belas e perfumosas dos vales fronteiriços tinha eu a
impressão de que, embora a luta esteja estabelecida entre todos os
reinos e planos do que vive, o homem poderia viver muito melhor,
conquanto contasse com um pouco mais de gosto pela simplicidade, no
estudar, no sentir e no viver a vida de relações. Afinal, que
dignidade põe o homem no seu alcance intelectivo, que é quem o
torna superior?
Depois,
num repente, surgia pela frente de minha imaginação a mim mesmo,
tal como tinha vivido, negador de Deus, de uma Divina Essência. Que
sindicato teria influído sobre mim? Os cleros anti-revelacionistas e
dogmáticos. E como temia o abismo que me separava do passado! Eu
havia sonhado, ou coisa parecida, várias vezes, que era padre. Que
tudo fazia por um ritual convencionado por homens, enquanto me opunha
a tudo que fosse progressivo em matéria religiosa. E o meu
pensamento caía como no centro de um turbilhão, do qual queria
safar-me a custo, sem saber como. Foi nesse momento que olhei para
Mauro, tendo-o visto com o olhar em mim fixo, como que me forçando a
qualquer coisa.
Sorri,
depois de encará-lo bem. Sorriu ele, também, tendo-me dito:
– Em
verdade, Janeiro, você colheu ontem o que semeou anteontem... Dentro
da era cristã, você foi um grande perseguidor do Cristianismo
nascente, por via do intercâmbio com o plano astral, estabelecido
por Jesus, na vida e no grande fenômeno do Pentecostes. Perseguiu
como quis para sustentar o ritual levítico. De modo algum poderia
admitir que outros conhecimentos fossem cabíveis e precisos, para o
desenvolvimento normal da humanidade. E com isso preparou-se maus
bocados para o porvir. A armadilha caiu sobre o armador, caro
Janeiro...
– Então,
amigo Mauro, os meus sonhos não eram ilusórios?
– Em
verdade, não eram sonhos; você estava, como está, no quadro de
cuidados de amigos servidores de nosso plano. Dali é, que surgiram
os sonhos, para você. Sujeitâmo-lo à visão retrospectiva por
várias vezes, porque se aproximava o tempo de novos conhecimentos em
sua vida.
– Assim
é que age a Suprema Justiça...
– Naturalmente,
amigo Janeiro; tudo por vias naturais, uns pelos outros para todos os
fins, para a paz ou a dor. E nem poderia ser de menos, uma vez que
ninguém erra sozinho...
– Que
haverá entre nós, por exemplo? De onde viemos?
– Primeiro,
procure a seu pai; depois, tudo irá melhor.
– Onde
estará? Enquanto estava no plano de sofrimento, pensava
freqüentemente em meu pai e em minha mãe. Depois, tudo foi se
apagando, se apagando de minha memória... De nada valia pedir,
clamar, esperar...
– A
ninguém será dado, isto ou aquilo pela Justiça Divina, pelo fato
de ser irmão, pai, filho, mãe, ou o quer seja, de Fulanos, Sicranos
ou Beltranos; há um Supremo Princípio de Justiça e todos são
iguais perante ele. Pela conduta pessoal no âmbito da Lei, que é a
ordem Universal, é que cada qual receberá. Para os mais, na medida
em que juntos tenhamos errado, nessa medida acertar-se-á. Tal é o
caso de um grupo de seres, que agora vão se encontrar, nesta região,
a fim de um novo período de atividades, sondar o campo vasto da
evolução, rumo àqueles elevados píncaros por Jesus testemunhados,
em sua personalidade. Porque, como já sabe, tudo é questão de
ordem interna, de realizações íntimas, sendo que para elas não se
vai por formalismos exteriores. Tal é o reino do céu.
O
belo sol banhava em luz aqueles esplendores verdejantes e floridos,
fazendo levantar-se uma nevoazinha tênue, deliciosa de ser
respirada. E quis eu ter o prazer num momento, de viver um pouco
daqueles bens, sem a perturbação de idéias outras. Por isso, pedi
a Mauro que nada mais dissesse sobre nós, no momento, pelo menos.
– De
fato, – assuntou ele, – vamos sentir a Presença Divina em Sua
própria Obra, como dizem certos espiritualistas do mundo.
– E
não têm eles razão?
– Muita,
pois, por bem ou por mal, quem negará um plano Manifesto e outro
Imanifesto da Divindade? E quando sairá o homem desse quadro
intelectual, para penetrar no âmago do Imanifesto, de modo integral?
Até que ponto atinge a consciência humana com relação ao Centro
Gerador? A própria intuição, a maior arma de penetração do
homem, a que ponto chega?
– Tudo
no homem é relativo, porque tudo no plano Manifesto o é. Quem diria
a mim, no mundo carnal, que poderia chegar a estar, como morto, tão
vivo em face de uma tão bela paisagem agreste? Quem julgaria a
diversidade de planos, de crenças, de gostos, de modos de vida, de
serviços, nestas plagas da morte? Quando e por que razão, um cético
e às vezes integral negador de Deus, iria conceber o encontro com
outros tantos filhos de Deus, imortais também, amigos ou inimigos do
passado, para sérios ajustes de contas, depois do túmulo?
Mauro
soltou uma gargalhada e disse, enquanto me convidava para ir descendo
do alto do monte:
– E
você não foi que disse, há pouco, para não falarmos mais nessas
coisas, pelo menos enquanto estivéssemos aqui?
– Ora!
Ora!... Até para aquém do túmulo a vida é cheia de preocupações;
até parece que a vida só existe para as preocupações...
– E
que seria a vida sem problemas?... Ócio? Estagnação? Nada? Mas, o
nada não pode existir... Logo, procuremos ter bons problemas...
Uma
maravilhosa forma de mulher, num repente, como que se materializou em
nossa frente. E pelo imprevisto, vendo, sentindo quem era, senti-me
desfalecer. Era minha mãe! Em carne e ossos, diria, se estivesse no
mundo das formas. E, de um modo, não é isto que temos, carne,
ossos, músculos, tendões, tudo enfim, embora em grau sublimado? E
se a lei dos extratos não fosse um fato, como se viria em subida
progressiva, dos planos inferiores da vida, para os esplendores
consciencionais? Existindo as hierarquias espirituais, por que
falharia o correspondente no plano material? E não conhecendo o
homem tudo no plano material, por que duvidar das verdades do mundo
espiritual? Afinal, que sabe o homem do Começo ou do Fim de tudo? E
haverá mesmo Começo e Fim?
De
minha parte, hoje, montado sobre o corcel da vida, que galopeia livre
e feliz pelas dunas de mundos sem fim, só poderei afirmar que tudo é
vida por princípio, nunca podendo haver morte de fato. Poderá ela
baixar ou subir em expressões, através de seu infinito poder de
manifestações; mas vida é vida. E que diria de glórias tais, se a
mente do homem carnal não lhes suportaria, nem intuitivamente, as
profundezas de sentido?
Todavia,
todos um dia repetirão comigo estas coisas, porque tudo é Um em
Deus e em Sua Glória. Eis porque, amigos, os problemas da vida são
divinais mesmo ao medrarem por tremendos abismos. Levanta-se deles e,
tangidos por íntima força, investe-se de novo rumo às glorias sem
fim. Por isso, deixemos a uns, que outros mais altos e mais dignos
nos merecem! Afinal, não somos filhos da Luz, da Inteligência, do
Amor, da Justiça?
Pois
bem! Parti, sim, mas no colo, nos braços de minha mãe, tal como
quando era criancinha! Eu, para ela, assim me disse, fui sempre um
fardo por demais leve e gracioso. Assim são essas mães!... E se
Deus assim as fez, por acaso estará errado? E se fez, por que fez?
Sendo certo que todos somos pais, mães, irmãos, que é a vida, a
existência, sem ser escolha de Amor?
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