NEÓFITO
Ser principiante ou neófito causa
apreensão, seja no ramo que for de atividade. Estar ou não
preparado é como ter ou não alma, em certos momentos. O vazio
penetra tanto pelas profundezas do Ego, da necessidade de ser alguma
coisa para certos feitos, que um tremor nos abala, aniquilando a
menor expressão que seja de ânimo. Pelo menos, assim fiquei. Via-me
ante um evangelista, um homem conhecedor da Bíblia, eu que só
entendia de ídolos e formalidades humanas. A imagem que vislumbrava,
do que se iria passar, era a de um teimar que sim e outro que não,
até que Deus quisesse intervir, através de alguém melhor, para dar
a coisa por terminada, por vencida pró Verdade.
Contudo, lá pelos recônditos
impressivos, qualquer coisa se foi definindo como pruridos
estimulantes. Para quem tinha passado a vida em adorações formais,
que valiam mais ou menos segundo o montante exteriorístico, vinha a
calhar bem, mesmo que apenas experimentalmente, um teste de fato. E
foi assim que um dia, ou horas depois, sobre o tapete verde de uma
campina, o esplendor paisagístico e a brisa suave, vim a
encontrar-me com um homem ensimesmado, absorto e vago. Perambulava
ele por campos sem fim, imaginoso, parece que sem dar de si conta ou
medida, a respeito da incomensurável estuância que o rodeava. Não
se detinha, porque a sua visão de alma estaria torva, a observar os
prados verdes, as flores multicores, os pássaros bulhentos, a brisa
suave, o céu azul e a temperatura tépida; andava, andava sempre,
sem prestar a nada atenção, sem beber coisa na fonte exuberante da
majestade agreste. Que pensaria ele? Que sentiria? Que gostaria de
encontrar? Por quais mundos distantes, na infinita deslumbrância do
eu presente, andaria ele a vagar, naquela introspecção
acabrunhadora? Não sei dizer palavra; o que sei é que me cumpria
abordá-lo. E foi isso o que procurei fazer, concordando em que seria
preferível, para todos os fins, que isso se desse à margem de
imenso plano, liso e florido.
— Que linda paisagem! — foi o que
disse, assim tornado visível, procurando apenas atraí-lo aos meus
objetivos.
Ele, de fato, estacou. Olhou-me bem,
estudou-me, naturalmente da melhor maneira ao alcance do seu imediato
intelecto. Nada disse, todavia; apenas esboçou primórdio de
sorriso, assim como quem muito se esforça para aparentar uma
satisfação que não pode sentir.
— Não acha linda esta paisagem? —
tornei, desconfiado e muito sobre a felicidade do motivo posto a
servir de ponto de contato.
Depois de vaguear com os olhos
cansados pela planura que parecia não mais ter fim, volveu para o
nascente, onde montanhas ao longe bordavam em azul profundo a pala do
horizonte doirado. Em seguida, acenando afirmativamente com a cabeça,
balbuciou, baixinho:
— É sim... Muito bonita a
paisagem...
— Passeia? — forcei, tecendo
certa ordem de raciocínio.
Novamente, girou sobre si, encarou os
horizontes, olhou para o espaço; e com algum custo,
dificultosamente, tornou à fala, franzindo-se todo:
— É mesmo bonita a paisagem...
Mas, que vou fazer eu com isso?...
— Admirar é viver internamente a
grandeza que se irradia do que Deus fez. O Senhor precisa de
estímulos... Todos nós precisamos... Principalmente...
— Principalmente nesta conjuntura?
— interrompeu ele, acabrunhando-se.
— Sente-se mal? — indaguei,
condoído, observando-lhe a mágoa.
— Tive um ataque de amnésia...
Devo tê-lo sofrido...
— Não poderia ter sido outro fato?
O senhor, por exemplo, pensa que perdeu a memória e pôs-se a vagar,
sem rumo certo, vindo a encontrar-se por estes campos, sem saber
como?
— E como teria vindo aqui de outro
modo ou por outra circunstância? Eu nunca vi este lugar!...
— E nem poderia tê-lo imaginado,
meu amigo. Isto aqui é coisa que o senhor, eu ou qualquer outro
dogmático, ou crente em empirismos antiquados não poderia imaginar
existisse. Isto é...
— Perdão! Perdão! — começou a
apelar o homem, animando-se — Perdão, mas eu não sou antiquado em
minha crença, sou evangelista, sou do Senhor. Creio no Deus vivo!
— Ninguém crê no Deus morto, pois
seria contra-senso. Quando muito, senhor, o homem pode ser ateu; mas
crer em Deus morto, isso não. E relativamente ao seu modo de crer...
— Perdão! Modo de crer eu o não
tenho; sou evangelista, sou do Senhor Jesus Cristo! Ressuscitarei no
último dia, para a glória, segundo a promessa do Senhor. Ora, disso
não tenho dúvidas! Crê e basta, disse o Senhor.
— Sabe que a desencarnação
desilude aos presumidos e ensina o que é do Santo Livro da
Realidade? Sabe que de um dedalzinho de mediocridades que comportam
os livros dos fanáticos religiosistas do mundo, o mesmo fanatismo
transforma em tabu, precisamente porque fanatismo significa cessação
do direito de raciocínio são?
— O senhor é espírita?! —
volveu ele, alerta, avivando-se cada vez mais.
— Eu não sou partidário, como o
senhor pensa, mas sou realista, como aprendi a ser, depois que coisas
muito sérias se passaram na minha vida. Pode dizer que é do Senhor,
que despertará no último dia para a glória, e que não é simples
crente e sim um verdadeiro sabedor das coisas de Deus?
— Naturalmente! Tudo depende de se
aceitar o Evangelho ou não! E, quanto ao senhor, tem receio de dizer
que é espírita, mas de fato o é; os espíritas é que falam ou
usam o termo “desencarnação”. E o senhor o usou...
— Pois bem...
— Está vendo?... — interveio sem
perda de tempo.
— Pois bem, meu amigo; eu sou
espiritista. Tornei-me, porém, depois de ter atravessado o...
— O Círculo do bom senso... O
senhor também acreditou nas ditas mensagens e na reencarnação?
Olhe que tudo isso é obra do demônio...
— Então Jesus foi mesmo um
endemoniado? Pois passou a vida a expelir os maus espíritos e a
confabular com os bons. E que fazia impondo mãos para curar, curando
a distância e prometendo um Consolador anunciante?
— Pois o Espiritismo nada tem de
seu. É apenas uma seita, e que usa tudo o que quer da Bíblia, para
se afirmar cristão!
— Tem certeza disso? — reptei-o,
calculando o que daí adviria.
— Absoluta! — afirmou ele, sem
perda de tempo.
— Tem certeza de que ao morrer
ressurgirá, no último dia, para a glória?
— Plenamente!
— E que está passeando pelos
campos da Terra, por ter sofrido um ataque amnésico?
— Para mim, quanto à amnésia,
penso que sim. Com relação à campina, isso o senhor mesmo pode
observar... Não estamos loucos; estamos no uso da razão.
— Pois já morreu e não sabe, meu
amigo. Não houve amnésia alguma. Houve apenas um morrer na carne e
despertar no espaço, sem necessidade de ressurgir no último dia.
Está num dos céus da Terra, ou numa das moradas do Pai. E não
tenha receio de que o Espiritismo tenha inventado isto, a
reencarnação ou as mensagens mediúnicas. O senhor mesmo irá ver,
entender e sentir, uma verdade que não vive à custa das afirmações
de credo algum do mundo. Primeiramente quero dar-lhe a ler um livro
de nossas bibliotecas, intitulado “O SANTO LIVRO DA REALIDADE”,
aguardando em seguida, sua própria palavra de confirmação.
— Com licença, meu amigo... Com
sua licença...
— À vontade, amigo, mas com a
advertência de que devia estudar primeiro, e dizer qualquer coisa
depois. Desconfie de suas certezas, pois eu também tive de abandonar
a muitas delas, por imposição de uma verdade que não necessita do
beneplácito de quem quer para ser como é. Eu morri, diremos assim,
em pleno vigor católico. E vim para estes lados da morte, também
sobrecarregado de certezas que não se sustentaram como tal. Temos de
aprender com Deus e não pensar em ensinar a Deus. Deixemos os
igrejismos dos mundos, os tabus clericalistas, os conchavismos e as
pirraças humanas. Pelo menos depois da morte, cumpre sermos mais
decentes.
E deixei ao evangelista o tempo que
quisesse para raciocinar. Ele olhou para tudo, para o chão coalhado
de ervas em flor, para as aves que cortavam os ares, para as copas
das árvores frondosas que de quando em quando enfeitavam a linda
planura. Estudou-me bem, medindo-me de alto a baixo e vice-versa, por
algumas vezes. Depois de muito tempo é que me disse, pedindo:
— O senhor pode garantir-me alguma
coisa sobre o que acaba de dizer?
— Até onde Deus e Nosso Senhor
Jesus Cristo me afiancem o poder falar e provar. Tenho elementos de
prova a lhe oferecer, porque sou um agente do Supremo, em missão de
informação e recepção ao primeiro irmão, depois de meu curso de
esclarecimentos. Porque, como disse, também vim dos círculos
dogmáticos, onde se aprende a crer em fantasias e xingar o realismo
das coisas de Deus, em virtude do excesso de empirismo e das
deficiências analíticas e experimentais.
— Mas, e as promessas do Cristo?...
— Estão todas de pé, como o seu
próprio caso dá testemunho. Veio para os campos de paz, onde dormiu
debaixo de frondosa árvore, restaurando certas energias, vindo a dar
acordo de si, para logo ser buscado e encaminhado para melhor. Note
bem que, sem mistérios e nem milagres, mas em são realismo, como
tudo em Deus o é, está sendo guiado, chamado, atendido, na
proporção direta aos seus merecimentos. O que deve é pensar com
simplicidade, dando a tudo tempo e atenção. Não queira admitir ou
negar “a priori”. Investigue bem, sonde os “por quês”, faça
mil e uma perguntas, levando em conta que a pobreza de Deus deixa
muito longe a riqueza do homem, em verdades conhecidas ou por
conhecer. Lembre-se de que o mundo religiosista terrícola, ao invés
de viver em função das realidades da vida, quer que a vida e seus
realismos vivam, em função de suas futricas teologais, em virtude
dos mesmos tacanhismos sectários.
— É interessante!... É
interessante!...
— Gostaria de... — e estacou,
cismático, tornando a estudar-me detalhadamente, de alto a baixo.
E indagou, num repente,
semi-surpreso:
— Nossos corpos, o chão, as aves,
o céu azul, a vegetação, tudo isto que se pode ver?... Por que é
assim e não de outro modo?...
— Conhece todos os céus da terra?
Sabe que a face da Terra também é uma forma de céu? Não pode
admitir que o espírito pode, em qualquer mundo, condição ou plano,
viver em função do Supremo Determinismo. Como executante de
mandatos superiores? Por que pensar e aceitar a tese de que a Terra
tenha sido feita por um Deus individualizado, pessoal,
antropomórfico, que a largou, em seguida, à sanha de um possível
inimigo? Por que afrontar ao Supremo Determinismo, que é íntimo a
tudo e todos, com tamanhos rampeirismos? Viver na consciência da
Divina Unidade, que é o realismo, que é a Verdade Pura e
Inderrogável, não é melhor? Crer na Revelação, por
experimentá-la, que é saber, não é muito mais consentâneo com o
Evangelho, com toda a Bíblia?
— Mas existem advertências... Em
que pese as contradições, existem advertências muito sérias; o
senhor deve conhecê-las.
— Existem afirmações muito mais
sérias. O sectarismo cuida em tapar o buraco por onde foge o pinto,
para deixar aberto aquele por onde escapa o camelo. Todo sectarismo é
em si portador de contradição. Como pode observar, todos os
Patriarcas, Moisés, Samuel, os Reis, os Profetas, o Cristo, os
Apóstolos, todos mantiveram colóquios com agentes do mundo
espiritual. Fizeram, falaram, ensinaram, passaram avante, tudo quanto
puderam colher através do fenômeno revelacionista. No Livro dos
Atos se lê, francamente.
“Vós
que recebestes a lei por ministério dos anjos,
e
não a guardastes”. (Atos, 7-53).
E o amigo que muito leu sobre a vida
de Jesus, sabe muito bem que conversou com os maus e manteve conversa
com os bons agentes do espaço. Também, não deve ignorar que
prometeu um informador, um Consolador.
— Compreendemos certas coisas, de
fato; mas em virtude das deficiências do homem, atribuímos ao homem
a culpabilidade de certas falhas, de lacunas dolorosas. Confesso que
me choca o ler sobre os grandes acontecimentos da Revelação, na
Antigüidade, com a tremenda falta dos mesmos sinais, no presente. Em
todo caso, sem poder resolver de outro modo, confiava na fé viva.
Não me arrependo de ter vivido em grandeza de esperança, no Senhor.
Se a realidade, como diz, depois da morte, força a saber muito mais,
tanto melhor. Consciente de que infinito é Deus em natureza e
profundidade, nada mais certo de que pressentir a infinidade de Suas
manifestações. Mas eu queria ir deste lugar... Sinto vontade
indômita de partir para outro lugar, para outros lugares... Parece
que alguém me chama, não por palavras, mas por incontida
inspiração.
— De fato, trago ordens de
encaminhá-lo à região onde moro. É como a Terra, tal qual, de
certo modo, mas bem mais divinizada. Frui-se uma vida superiorizada,
um gozo de viver, assim como coisa que não tem explicação. E
existem céus de imensa envergadura, altamente divinizados... São as
moradas dos mais santos e mais sábios. Somos todos iguais em
natureza e destinos, mas não o somos em hierarquia. Uns tem mais,
porque mais fizeram por ter, sendo que outros até nada possuem, por
terem procurado nada ter, ou mesmo perder o que já tiveram. Afinal,
amigo, infinitos são os graus de espiritualidade, do mesmo modo
sendo infinitos os lugares de estar. Temos, pois ao dispor, infernos
e céus à vontade. Mas tudo parte de dentro de nós mesmos. O
bilhete de entrada é o esforço próprio.
— Vamo-nos daqui, meu senhor?...
Como se chama, por favor?
— Adroaldo, para servi-lo. E o seu
nome é Tomé, já o sei, pois tenho o seu documentário imediato
aqui comigo.
— Documentário imediato?... Mas...
Vamos primeiramente embora daqui?...
E como o novo amigo vibrasse por
partir, sentindo eu mesmo uma influência no mesmo sentido, muito
pronunciada, fi-lo entender a necessidade de ir por volição.
Tomando-o pela mão, fizemos oração, alcançado a região em fração
de minuto. Bem soube do grande auxílio prestado por Alva, horas
depois. Tinha pois, graças aos amigos, vencido na primeira
oportunidade que Deus me havia conferido, através do sagrado
mecanismo da vida.
Tomé, por estas alturas, desempenha
bela função junto de primorosa organização mediúnica, em terra
de língua inglesa. Seu bom conhecimento de inglês garantiu-lhe
ótima função esclarecedora, num agrupamento de sinceros amigos da
Causa do Senhor, que é a Nossa Causa. Uma moça, médium psicógrafa,
passa avante aquilo que ele quer, pode e tem ordens para passar,
assim como o faço neste momento. É por determinação superior que
as coisas destes lados da vida estão sendo reveladas, em todos os
pontos do globo, onde haja possibilidade. Para cada época da
Humanidade, para cada tempo, a sua informação. E sabemos que, se
estes informes tardaram por ser transmitidos, foi por culpa do mal
que os cleros causaram, impondo modos de crer e sentir, completamente
inversos à realidade da vida astral. Tivessem permanecido, pelo
menos os cristãos, no culto do Batismo de Espírito, e de muito que
certas verdades seriam do patrimônio de conhecimentos do homem
terrícola. Mas, faremos o devido, como está sendo de mais alto
indicado. Quem poderia lutar contra Deus e vencer? Deixemos,
portanto, que falem todos os tempos e credos; a realidade da vida
vencerá, porque ela apresenta e é, de fato, a Vontade de Deus, mas
Deus Onipresente, Impessoal e Determinador Total em tudo e todos.
— Farei o possível — foi o meu
remate.
ÍNICIO - CAPA
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