D
E U S
Eu
Sou a Essência Absoluta, Sou Arquinatural,
Onisciente
e Onipresente, Sou a Mente Universal,
Sou
a Causa Originária, Sou o Pai Onipotente,
Sou
Distinto e Sou o Todo, Eu Sou Ambivalente.
Estou
Fora e Dentro, Estou em Cima e em Baixo,
Eu
Sou o Todo e a Parte, Eu é que a tudo enfaixo,
Sendo
a Divina Essência, Me Revelo também Criação,
E
Respiro na Minha Obra, sendo o Todo e a Fração.
Estou
em vossas profundezas, sempre a vos Manter,
Pois
Sou a vossa Existência, a vossa Razão de Ser,
E
Falo no vosso íntimo, e também no vosso exterior,
Estou
no cérebro e no coração, porque Sou o Senhor.
Vinde
pois a Meu Templo, retornai portanto a Mim,
Estou
em vós e no Infinito, Sou Princípio e Sou Fim,
De
Minha Mente sois filhos, vós sereis sempre deuses,
E,
marchando para a Verdade, ruireis as vossas cruzes.
Não
vos entregueis a mistérios, enigmas e rituais,
Eu
Quero Verdade e Virtude, nada de “ismos” que tais,
Que
de Mim partem as Leis, e, quando nelas crescerdes,
Em
Meus Fatos crescereis, para Minhas Glórias terdes.
Eu
não Venho e não Vou, Eu sou o Eterno e o Presente,
Sempre
Fui e Serei, em vós, a Essência Divina Patente,
A
vossa presença é em Mim, e Quero-a plena e crescida,
Acima
de simulacros, glorificando em Mim a Eterna Vida.
Abandonando
os atrasados e mórbidos encaminhamentos,
Que
lembram tempos idólatras e paganismos poeirentos,
Buscai
a Mim no Templo Interior, em Virtude e Verdade,
E
unidos a Mim tereis, em Mim, a Glória e a Liberdade.
Sempre
Fui, Sou e Serei em vós a Fonte de Clemência,
Aguardando
a vossa Santidade, na Integral Consciência,
Pois
não quero formas e babugens, mas filhos conscientes,
Filhos
colaboradores Meus, pela União de Nossas Mentes.
ÍNDICE
A Narração de Ambrósio
NO RAMERRÃO DA VIDA 16
PROCURANDO UM RUMO 20
NA NOITE SEGUINTE 26
VISÃO RETROSPECTIVA 32
CENA ESTÚPIDA E COMPROMETEDORA 38
ANTÔNIO NA BERLINDA 44
UMA VISÃO CELESTIAL 48
MARTA ME VISITOU 54
EM CONTATO COM A FAMÍLIA 56
A Narração de Licínio
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA 66
DE NOVO COM TEÓCLITO 70
DIAS DE RECONHECIMENTO 72
PRIMEIRA VIAGEM À TERRA 78
CONVERSANDO COM AMBRÓSIO 80
UMA AGRADÁVEL PERSONALIDADE 86
UMA PALESTRA ENTRE AMIGOS 92
NOVO LAR96 APRENDENDO SEMPRE 98
DE RETORNO À CASA DE JASMIM 104
O VELHINHO REMOÇOU 108
DIVISANDO O PASSADO 112
ÀS MARGENS DO MAR MORTO 114
A
NARRAÇÃO
DE AMBRÓSIO
CAPÍTULOS DA VIDA
O homem vive entre
"porquês". O "porquê" da vida, por exemplo,
interessa a todos e freqüentemente interrogamos`-nos sobre fatos com
que deparamos e que nos deixam perplexos. A Filosofia incumbe, sem
dúvida, senão explicar cabalmente esses fatos, ao menos apresentar
possíveis explicações, hipóteses racionais, teorias razoáveis,
etc. Mas a vida zomba desses esforços e os "por quês?"
continuam a desafiar respostas exatas.
Nenhuma ciência pôde ainda informar convenientemente o homem. O
homem é o que é; mas, disso, conhecimento perfeito não tem. Tudo
quanto lhe é dado saber, por ora, tendo por acréscimo o soberbo
contingente das revelações espiritistas, não vai até o ponto de
poder afirmar estar de posse dos principais e indiscutíveis
conhecimentos.
Vejamos:
que se poderia dizer de justo, de insofismável, ao se ver um homem,
jovem ou velho, sábio ou ignorante, são ou doente, rico ou pobre, à
margem de um regato, empunhando uma vara de pescar? De onde vem, ao
certo, aquela criatura? Que é em si, no rol das coisas e dos seres?
Qual o seu grau perante a infinita escala hierárquica das
personalidades? Em que ponto da escalada estará fadado a estacar?
Existirá um possível termo na senda dos escalões sem fim e sem
número, desse turbilhão de turbilhões de mundos e agrupamentos
demográficos do infinito?
Não
obstante, um homem com o seu caniço imóvel à beira de um regato ou
de um caudaloso rio, jamais deixaria de ser alguma coisa, de ter a
sua história, de aspirar a um fim, de sentir dentro de si um mundo,
de ter idéias e atuar no universo
infinito
que o cerca. Esse homem pouco sabe do conjunto da chamada criação,
das origens e dos processos de manifestação da Vida; porém, não
deixa de ser partícipe da grande Verdade e parte integrante da
Unidade.
Quem saberia tudo a respeito do
leiteiro Ambrósio, aquele homem de 50 anos que voltava a penates,
afoito, chicoteando os animais, correndo o perigo de rolar a
ribanceira e cair dentro do formidando rio que deslizava lá embaixo?
Que pensava ele, nesse momento, no quadro do quanto já teria
pensado, no curso das vidas e das preocupações? O certo é que,
animado do desejo de chegar à casa, fustigava os cavalos que, também
ansiosos de descanso, puxavam facilmente o galope. O sítio de
Ambrósio distava uns 20 quilômetros da cidade, onde residiam os
seus fregueses.
Que
poderíamos dizer, também, sobre o farmacêutico Antônio, residente
na cidade e que, tendo ido levar remédios a uma fazenda próxima,
apertava o acelerador do seu Fordeco, na esperança de chegar mais
cedo ao lar, confiando, como Ambrósio, metade na sorte e metade na
sua habilidade, para evitar algum desastre? Quem poderia prever o que
lhes sucederia dentro em pouco, mais além, numa curva mais fechada
da estrada, ou num ângulo mais agudo do caminho? Como poderiam
imaginar aqueles amigos de infância que, minutos depois, teriam de
enfrentar o transe mais augusto das suas vidas: a morte? O certo é
que os fados, os fados com ou sem fatalismo, haviam tramado o fim de
ambos e decretado que os dois amigos causariam a morte, um do outro.
Foi por isso que, vindo ambos em sentido contrário, viram-se de
improviso frente a frente, em seus respectivos veículos, fazendo
cada qual o máximo para diminuir o alcance da tragédia iminente.
Tudo quanto conseguiram foi aumentar a intensidade da mesma.
Reconhecendo-se mutuamente, Ambrósio e Antônio quiseram dar
passagem ao amigo e, abriram a curva. Com isso apenas conseguiram
chocarem-se violentamente e rolarem juntos o abismo. A voragem
tragou-os! A estrada era por demais estreita e os veículos
desequilibraram-se, tombando aos trambolhões na medonha perambeira.
Lá embaixo, no rodopiar sem fim das águas em torvelinhos, uniram-se
em triste destino os destroços das viaturas e dos seus condutores.
Algumas pedras, deslocadas dos seus lugares, juntaram-se aos
sinistrados, em seu destino. Dois homens, uma carroça, um automóvel
e dois eqüinos poucos sinais deram de si, por alguns minutos.
Depois, o cenário voltou à calma habitual. A rotina tomou conta do
assunto. A natureza amorfa assiste indiferente à morte do homem e do
inseto. Nada foi considerado no seu caderno, com relação às
vítimas, aos seus descendentes e aos seus problemas. Tudo é e tudo
passa.
É a lei do mundo em que vivemos. Aparentemente, Deus não se
interessa com o que sucede no mundo. Há milhões de anos os lobos
devoram os cordeiros e ambos são tratados com igual desvelo pela
Providência. Estava reservado ao Espiritismo explicar como
opera a Justiça Divina.
As compensações são maravilhosas e longe estamos de poder
compreender os processos todos de se operar a reparação.
Consignemos apenas que o aperfeiçoamento das espécies exige o
sacrifício dos indivíduos menos aptos, segundo a Lei da seleção
natural. A luta pela vida e pela sua conservação traz sofrimentos,
mas estes também são aproveitados, para o aperfeiçoamento do
espírito. Destarte, por impiedosa, a Natureza ajuda
a evolução
das formas corpóreas e incorpóreas. As injustiças? Oportunamente
serão sanadas.
No dia seguinte, ao local do acidente
compareceram autoridades e povo. Sulcos no chão haviam sido deixados
pelas rodas e patas de animal. O chapéu de um deles estava, como
testemunha muda de uma falante tragédia. Era, disse dona Maria, o do
seu falecido marido, o farmacêutico Antônio. Ambrósio nenhum
pormenor de si deixara, a não ser o rastro forte das rodas de ferro
da sua carroça. O burburinho na cidadinha foi de pasmar!
Comentaristas os mais fantasiosos surgiram, de improviso. Jornalistas
exagerados puseram-se em função. A imprensazinha falada e escrita
do local não imaginava que os dois amigos, invisivelmente, fizessem
comentário de tantos supostos motivos.
Mas,
tudo foi, como sempre se deu e se dará, tomando rumo às planuras da
normalidade. O inquérito aberto pela polícia concluiu pela prova do
acidente e com o seu encerramento fechava-se o livro da vida terrena
de Ambrósio e Antônio. Dentro em pouco seus nomes eram citados sem
entusiasmos nem pieguismos espontâneos ou afetados. Outros
acontecimentos, outros desastres, desses que proliferam aos milhares,
todos os dias em toda a parte, ocupariam a atenção dos vivos. Tudo
é, tudo
passa.
O Sol não pára. Os mundos descrevem pelo éter a apoteose do Cosmo.
E os espíritos vivem, vivem sempre, para o todo e para si mesmos,
como partes integrantes do mesmo Cosmo. Vida
é movimento,
e os mundos, os seres, as leis e os destinos são outros tantos
acidentes no desdobrar da sua manifestação. Acidentes, passageiros
uns, outros eternos, tudo segue um rumo e obedece a um destino.
Básica apenas é a VIDA, em sua singeleza indiscernível. Por isso,
tudo é e tudo passa sob condições. Mas do SUPREMO ESTADO, que é
fundamento íntimo de tudo e todos, quem poderá dizer algo de
positivo?
Os
seres e as coisas são partículas do TODO a caminhar
com rumo,
na vastidão insondável do próprio TODO. As leis e os destinos são,
não duvidemos, razões fundamentais inerentes ao fato de existirmos.
A possibilidade, que todos têm, de se divinizar, por sublimação,
prova que emanamos de Deus e n’Ele vivemos. Fundamentalmente,
porém, só Deus É. Porque nós somos o que ELE quer que sejamos. No
seio do ABSOLUTO, nosso livre arbítrio também é determinismo.
Existimos, temos valores inatos. Desenvolvemos tais valores e
usamo-los, mas no círculo que o Supremo nos traça. Nenhuma ação
humana exorbita do que leis lhe facultam; e o homem não
faz leis!
O homem é uma lei do TODO e age como pode dentro do seu quadro, que
vai até poder influir nos acontecimentos e nas ações de outros
homens.
NO RAMERRÃO DA VIDA
Desde quando os seres desencarnados
vivem ao redor dos encarnados? Quem poderá dizê-lo? Sabe-se apenas
que o ESPÍRITO BÁSICO semeou de casas o infinito de si mesmo e com
isso, pulverizou de almas o universo, Sua manifestação mais
exterior.
Desde
esse sempre, almas vivem e ligam-se entre si, visível e
invisivelmente. Tudo, porém, segundo
leis.
Até onde chegam as interinfluências é o que ninguém sabe. Sabemos
que tudo paira em campo vibratório, variando todavia até ao
infinito as freqüências, os fatores sintonizantes, para efeito de
atração e repulsão. Bem considerado, o homem é um ser que se
enquadra simplesmente nos valores vibratórios, fora dos quais nada
há. O ser, o poder, o agir, tudo não vai além de vibrar,
de pertencer ao plano fundamental da manifestação, onde as leis de
sintonia imprimem diretrizes e determinam acontecimentos. Um bom
conhecimento dessa verdade seria, para o homem, resolver o
"conhece-te a ti mesmo".
Despojados
dos seus corpos densos, nem por isso Ambrósio e Antônio deixavam de
viver e participar da vida do plano que deixaram. Mais do que
imaginavam, seus defeitos e qualidades eram conhecidos dos outros.
Palmilhando juntos as ruas da cidadela, ouviam
as conversas
de terceiros, em que comentários eram feitos, a meia-voz, em torno
do procedimento de ambos os ex-vivos, um pondo água no leite e o
outro introduzindo alterações nos receituários, no que havia muito
de veracidade. Tomaram parte nas missas rezadas em seu favor e
contemplavam desolados o choro das viúvas, dos órfãos e demais
parentes. Ao cabo de algum tempo a situação tornou-se intolerável
para os dois pobres desencarnados. Viam-se
perfeitamente um ao outro, falavam,
escutavam
como sempre; no entanto, a não ser o seu companheiro, ninguém mais
lhes prestava atenção. Sem saber mais o que fazer, nem a quem se
dirigir, lembraram-se de Deus. Debulhados em lágrimas de sincera
compunção, puseram-se a orar, rogando aos céus recursos para sair
daquele estado.
* * *
Sou
Ambrósio,
um dos personagens do relato, e
quem relata.
Falarei doravante na primeira pessoa.
O
auxílio não se fez esperar, porque a Misericórdia Divina aguarda
tão somente que o homem se arrependa,
para intervir em seu favor. Com os olhos ainda enevoados de pranto,
vimos formar-se ao nosso lado a figura simpática de um homem dos
seus quarenta anos, que nos sorria. Sentimos que fôramos atendidos,
embora não estivéssemos na presença de um anjo, mas sim de um
homem comum. Explicou-nos ele que a nossa situação não era das
piores, em vista de possuirmos regular acervo de merecimentos,
decorrente de boas ações praticadas em vida. Viemos a saber, mais
tarde, que vínhamos de muito longe na esteira dos séculos e das
obrigações. Diferentes graus de parentesco nos haviam unido, em
várias encarnações na Terra, assim como estávamos ligados por
atos bons e maus praticados em comum, por entre os dédalos da
afeição mais profunda e dos erros mais fortes. Mais uma vez a
profundidade mecânica da justiça Superior nos
colocara frente a frente,
para solvência de novas equações dentro do problema intérmino da
vida! Aparentemente, tudo comum, tudo corriqueiro, no movimento
contínuo dos seres e das coisas. Falando com franqueza, não sei
suportar as idéias de caráter místico, misterioso e milagreiro,
dos cultos religiosos terrenos. Para que tornar confuso e difícil o
que é simples
e claro?
Se tudo é tão normal! Se tudo é tão lógico! Pois que leis sábias
e sereníssimas a tudo presidem, sem favoritismo nem perseguição!
Porque então essa quantidade tremenda de bajulação
e servilismo,
pieguice
e hipocrisia
com que se besuntam os religiosismos, para adorar a Deus? Sempre
entendi que faltava lógica aos cultos, porque, embora atribuindo a
Deus todas as perfeições, pretendem suborná-lo e enganá-lo com
cerimônias de falsa reverência. Coerência,
eis o que falta à maior parte das religiões.
Sendo
o homem uma lei, derivante da Suprema Lei, e sabendo que todo e
qualquer fenômeno obedece a leis, qual a razão de recorrer a atos e
palavrórios que, por exteriores, não podem influir nos
acontecimentos e não passam de repulsiva superstição?
Haverá coisa mais nobilitante, ação mais respeitável, meio
evolutível mais eficaz, que conhecer as leis divinas e pô-las em
função? De que ornamento mais belo pode ataviar-se o homem, que não
seja conhecer e desenvolver os soberanos valores internos de que é
dotado por Deus? Herdeiro de faculdades divinas, pode o homem
divinizar-se, da mesma forma que a semente pode tornar-se a árvore
frondosa, se for cultivada. Substituindo a prática das virtudes pela
das cerimônias, onde se colocam os credos? A serviço da evolução?
Por certo que não. Por isso, está escrito: "Caridade
quero e não homenagens".
Deus quer que o homem seja bom e na bondade está a melhor homenagem
a Deus. Indulgências e absolvições só servem para fazer olvidar
sacrossantos deveres e urgentes necessidades de aprimoramento.
Aparentar conhecimentos misteriosos e exclusivos, eis o que sempre me
pareceu exploração
das seitas.
A
Terra, porém, no que diz respeito ao montante da capacidade
intelectual do homem, medra em seara
opaca.
Falta
lucidez.
E falta porque o homem tem procurado fora o que tem dentro, pede a
outros o que já possui por natureza divinal. Seus poderes latentes
não se desenvolvem por se ter brutalizado, de corpo e alma. De
corpo, em virtude da ânsia pelos prazeres terrenos, e de alma, em
virtude das religiões idólatras, parcas em verdades. Religiões que
criaram no homem o nefando vício de olhar demais para fora e de
menos para dentro. Não fora isso, e tivessem sempre lembrado ao
homem a sua origem e destinação divina, e já teria ele, por certo,
procurado desenvolver as suas qualidades superiores.
E
ao profligar tal conduta por parte dos ritualismos sectaristas, que
no mundo se
dizem
religiões,
nada mais faço que protestar contra um amontoado de erros crassos,
comprados a bom preço pelos incautos e por eles guardados com zelo
no seu arcabouço mental. Mais
tarde,
vêem eles o conto em que caíram e pranteiam
o tempo perdido
e a oportunidade desbaratada. É o que sucede a quem procura acender
uma vela a Deus e outra ao diabo. Em vez de adaptar-se à vontade de
Deus, o homem adapta Deus à sua vontade e aos seus interesses
materiais. É cômodo para o corpo, mas funesto para o espírito.
Pus
água no leite, do mesmo modo que Antônio, o comparsa de querelas de
tantos séculos, e irmão bondoso de dias que longe vão, pôs
alterações nas receitas médicas, a bem de pessoais e
inconfessáveis interesses. Mas, direis, não nos bradava a
consciência em defesa dos santos princípios do bem? Sim, mas a
tradição ritualista dizia, também, bem alto nos ouvidos da crença
cega, que as confissões
seguidas de comunhões
a todo pecado desfariam. E, demais, quem não julga que uns tantos
atos menos dignos sejam, tão somente, recursos do ganha-pão e não
pecados seriamente computados? Raros são os que não se aproveitam
de um engano que os favorece. É muito fácil dizer hoje, graças às
luzes derramadas sobre a humanidade pelo Consolador (o espiritismo
cristão), que todo acerto, como todo erro são realizações
internas, onde por natureza e para vantagem ou desvantagem do ser,
provocam situações de paz ou tormento. É pouco o pedir-se hoje a
alguém que medite
no alcance interno das ações aparentemente externas. O homem
experimentado nas coisas transcendentes sabe sentir, mais do que
simplesmente pensar, ser seu estado, ou condição de ânimo, produto
de sua atuação em obras, antes que efeito de sacramentos e títulos
pagos a bom preço, ou donativos feitos em tom meloso...
Outra,
porém, é a escola que se cursa no mundo! E foi nela que me
formei... Por isso mesmo aqui me acho como testemunha de fatos
acontecidos, que a todos interessam, pois a todos são comuns o
programa evolutivo e os santos destinos. Toda lei é de caráter
universal. Ninguém
é especial,
nem freqüenta escola à parte, neste mundo. A todos incumbe
desenvolver as qualidades morais e intelectuais que hão de um dia,
torná-lo autor
do seu próprio destino.
Tire pois o homem de dentro de si tudo quanto possa e queira para
engrandecer-se, de vez que há de angelizar-se por seu trabalho e
esforço e não pelo de terceiros. Quando o ensinamento recebido for
bom, ser-lhe-á proveitoso, mas não deixará de ser inferior ao
proveito gerado da ação espontânea. Lanternas exteriores, singelas
ou fantasiosas, policolores ou não, jamais poderiam iluminar o
templo de fato que é o da Individualidade.
Quem
desejar luz, acenda-a por si mesmo no seu mundo interior.
PROCURANDO UM RUMO
Tenho por certo que eu e Antônio
durante muitos dias molestamos as nossas respectivas famílias, não
sendo igualmente inverdade que tangemos mal a alguns dos nossos
melhores amigos, causando-lhes mal-estar, tudo na ânsia de conseguir
melhora. Foi só depois de passar pelo cadinho de aprendizados
muitos, que viemos a ter conhecimento da extensa série de leis que
estão ao dispor do homem, na carne ou fora dela, para efeito de
influenciações, benéficas ou maléficas, espontâneas ou exercidas
de propósito.
Nós dois, porém, fa-lo-íamos por
incompreensão. Nada sabíamos dessas coisas. E foi por isso que um
dia, quando Rosa e Maria, as duas viúvas, se encontraram, uma disse
à outra com ares tristes e pensamentos descrentes:
—
Estou desolada,
minha amiga, tudo vai mal. Estão se passando coisas no sítio, que
não posso entender. Brigam os que eram mansos, saem os mais velhos
empregados. Ninguém mais pode dormir sossegado. Até parece que as
almas
do outro mundo
andam por lá... Há quem diga, o Belarmino, que tem a mania dos
espíritos, que são os dois que andam juntos, a fazer estripulias
por estarem precisando de esclarecimentos... Que acha você disso
tudo?
— Eu — confidenciou a interpelada
— acho que devemos procurar um meio, um modo, um recurso qualquer
para por termo ao que se está passando. Lá em casa também,
principalmente no laboratório...
— Credo! — exclamou a
interlocutora, arregalando os olhos e fitando ansiosa a amiga.
— Pois é. Eu não ia contar nada,
para não lhe impressionar; mas, como você falou primeiro, vou lhe
dizer o que anda acontecendo por lá: meu marido anda mexendo em tudo
lá na farmácia...
— Virgem Santíssima! — murmurou
Rosa — Estou toda arrepiada.
— Não é para menos. Escute o que
lhe digo. O Gaspar, o nosso velho empregado, já por diversas vezes
saiu correndo do laboratório com os olhos fora das órbitas! É
horrível!...
— Estamos perdidas se isso continua!
— gemeu Rosa, empalidecendo.
— Com fama de casa mal assombrada,
quem mais irá à farmácia?! Se não dermos um jeito, Rosa, ficarei
sem ter com que criar os filhos!...
E o silêncio desceu por instantes
sobre ambas. Entregaram-se por alguns minutos à meditação, até
que Maria indagou, súplice:
— Por que você não fala com o
Belarmino, que é metido em coisas de espíritos, sobre alguma reza
que se possa fazer para nos livrar deles?... Mas, Rosa, seria bonito
deixá-los entregues ao sofrimento?... Como é desagradável pensar
que sofrem, quando, em verdade, foram bons maridos e bons pais!... É
certo que Antônio... Mas, deixemos isso...
Ante a exposição de Maria, viúva do
farmacêutico, Rosa comentou, satisfeita, como quem acha o que de
muito vinha procurando:
— É
isso mesmo que eu vinha pensando! O Belarmino, que eu saiba, é fraco
no entendimento dessas coisas: ele bebe, fuma, joga, diz coisas...
Apenas, é instruído. Há, porém, aqui, um senhor chamado Furtado,
que é homem de bens, embora seja ainda novato em espiritismo.
Segundo me disseram, para essas coisas o caráter
é mais importante que a leitura.
Poderíamos falar com ele. O Belarmino é muito chegado a esse
senhor. Além disso ele é meu freguês de leite, verduras, etc.
Ao cabo de alguns minutos estava
resolvido: Rosa mandaria recado ao Sr. Furtado pedindo para fazer uma
sessão na casa de qualquer delas. As duas mulheres procuravam,
assim, uma solução favorável para os problemas que as defrontavam.
Eu
e Antônio, vez que outra, conversávamos sobre o assunto. Embora
sabedores da nossa condição de desencarnados, levávamos uma vida
triste de encarnados.
Que fazer, quando o desgosto de ser incompreendido, de sentir falta
de paz, de ansiar por tudo, torna a vida uma tragédia? Ah! Mil vezes
a vida na carne, mil vezes, a uma vida de incerteza, inquietação,
sofrimentos morais e angústias intelectuais. Foi quando resolvemos
orar, pedir a Deus um socorro. Rezávamos, chorávamos, redobrávamos
os pedidos! Tínhamos no espírito o grande pesar de viver
parasitariamente, subtraindo aos encarnados um pouco de tudo, e
algumas vezes não pouco... até mesmo em coisas inconfessáveis, em
atos de premência bem animal!...
Ao
sabermos, portanto, que nossas esposas iam lidar conosco por meio do
espiritismo, exultamos. O contentamento invadira-nos corpo e alma!
Corpo, sim, pois
é corpo mesmo o que temos.
O grau de densidade é que varia e o torna invisível ao homem
terreno, mas é corpo para todos os efeitos, para todas as sensações,
para todos os gozos e para todos os sofrimentos. Naquele tempo, pouca
diferença notávamos entre ele e o corpo anterior, a não ser a sua
transparência. Servia-nos quase que só para causar-nos tristeza,
chumbar-nos ao solo, para gemer e chorar. O desespero freqüentemente
assaltava-nos. Tempo de incertezas! Parecia-nos perceber falanges
numerosas de seres na mesma condição que nós, a
rondarem os encarnados
e a lhes sugarem
os elementos com que saciavam a fome e as paixões, e começamos a
temer pelo resultado dos trabalhos dos espíritas. Conversamos,
desconversamos, apreensivos e desejosos de saber mais, de conhecer
algo que nos desse mais segurança, para que aqueles que nos eram
caros no mundo não viessem a nos custar maiores zelos, por se porem
em contato com duendes
das trevas,
ou pelo menos romeiros sem sorte da vida! E foi por ouvi-la falar em
Belarmino e Furtado, que nos veio a idéia de os sondar. Saímos à
procura deles. O primeiro com que topamos foi Belarmino, que
conversava na rua com uma senhora de cor preta. Era a primeira vez
que o víamos depois
de "mortos".
Naquele momento foi que tivemos, ou pelo menos tive, pela primeira
vez, a agradável e singular impressão do que fosse uma conversação
sobre coisas de doutrina dos espíritos. Quando era vivo, tinha tido
ocasião de trocar idéias com ele sobre esse assunto; nada de
anormal, porém, sentira em mim nem ao redor de mim. Eis que agora,
com o desenrolar da conversação, eles vieram a tocar no meu nome.
Imediatamente fui
atraído
para os dois por tremenda força
invisível!
Parecia-me que ia chocar violentamente em Belarmino, quando, no
último instante, outra lei ou força interveio, desviando-me para o
lado esquerdo da senhora de cor com quem ele proseava. Ela sentiu-me
imediatamente, porque percebi que me dizia, repetidas vezes:
— Deus te dê compreensão e paz,
irmão! Deus te dê compreensão!...
E fazia-o com tal simpatia e
sinceridade, que me comoveu.
Como ninguém tivesse tocado no nome
de Antônio, nada lhe ocorrera, sem ser que, assustado, saíra de
perto dos amigos encarnados, com medo de ser arrebatado pelo mesmo
furacão. Ficou à espreita, de longe, desconfiado, até mesmo
intrigado. Quanto a mim, nada pude fazer que ser forçado a
acompanhar aquela senhora! Por mais que quisesse, não podia
afastar-me dela! Ela sabia que me conduzia, e me enviava mensagens
confortadoras, que eu às vezes compreendia integralmente, e outras,
apenas sentia. Contudo, fiquei satisfeito com o acontecido, porque a
companhia dela me causava um raro e delicioso estado de paz. Era como
se eu tivesse tomado algum sedativo... Seus fluidos faziam-me um bem
enorme. Sentia-me curado de corpo e alma!
Coisa interessante deu-se ao chegar
ela à sua residência. Um senhor do nosso plano, muito alto, rodeado
de dois outros de menor estatura, veio a mim, dizendo-me coisas sobre
a conduta que devia manter enquanto estivesse ao lado da médium, até
o dia seguinte, quando haveria uma sessão de espiritismo naquela
casa.
— Os senhores são da família? —
perguntei — Folgo em encontrar quem queira conversar um pouco
comigo, pois preciso de muitos esclarecimentos. Tenho também um
amigo que deve andar aí pelas cercanias... Nós desencarnamos
juntos...
E enquanto desfiava o meu palavreado,
expondo as nossas necessidades e anseios, o homem alto, com extremos
de bondade me atalhou:
— O
seu amigo está ali, olhe, entre aqueles dois servidores desta casa
espírita. Ele também está no programa dos trabalhos, por ter o
nosso amigo Belarmino falado ao presidente de mesa deste grupo, o Sr.
Furtado. Suas esposas estão aguardando a oportunidade de contato
convosco. Contudo, pode estar certo, ainda não poderá falar com ela
amanhã. Nem o seu companheiro. Antes, sabemos já que terão de
trabalhar um pouco pelos outros, por essas levas de espíritos
sofredores que vocês devem ter visto ou reconhecido quando
perambulavam
pelas ruas desta cidade.
Precisamos ajudá-los. Quem
não se eleva durante a vida terrena, ao morrer fica chumbado à
Terra,
em tristes condições, e nós temos de ir ajudando, esclarecendo e
encaminhando esses infelizes.
Fiquei
imensamente satisfeito de ver Antônio no mesmo programa de
recuperação que eu. Conseguimos sorrir, pela primeira vez, um para
o outro, contentes com o rumo que os acontecimentos estavam tomando.
Tanta ventura enterneceu-nos e, pensando nos horrores passados, demos
graças a Deus do fundo da alma, por haver atendido aos nossos rogos.
Foram os primeiros momentos de felicidade espiritual, depois de quase
seis
meses de angústias,
desde o trágico dia em que despencamos pela ribanceira abaixo,
mergulhando nas águas revoltas do rio depois de sofrermos choques,
quebras de ossos e boléus tremendos.
De
tudo havendo de chegar a hora, também disso e de nós chegaria. Hoje
sei e bendigo que possuímos em nós, por leis fundamentais, o poder
de precipitar acontecimentos e fenômenos, bons
ou ruins.
É por ignorância que vivemos a pedir aos céus precisamente aquilo
que pela vontade do céu, digo do Deus interno, temos
o poder de realizar.
Melhor, portanto, do que pedir sempre e de fora, é esforçarmo-nos e
desenterrar os recursos que temos dentro
de nós.
Em lugar de reclamar terras distantes para lavrar, mais judicioso e
necessário é lavrarmos a seara íntima, onde muito há que fazer.
Para ter é preciso conquistar e a suprema conquista é de ordem
totalmente íntima.
NA NOITE SEGUINTE
Repleta de
acontecimentos interessantes foi a noite que passamos na residência
daquela irmã de pele negra. Os guias e trabalhadores auxiliares
trataram de múltiplos casos. O que nos foi dado
ver
naquela noite ficará inesquecível em nossa retentiva. Seres
sofrentes
vinham haurir, em contato com espíritos bons e no ambiente de paz e
saúde, amor e compreensão, o descanso e as noções necessárias
para os seus estados. Estropiados
eram devolvidos à normalidade física; quebrantados de ânimo
voltavam a sorrir; dementes
e perturbados
recobravam a calma e o equilíbrio. Aquela casinha
humilde era uma sucursal
do céu na Terra!
Mais tarde, estudando compêndios de nossas bibliotecas, é que
entendi ser o
céu externo mera decorrência do céu interno.
Quem alcança regiões distantes da crosta, e por isso mais felizes,
por menos eivadas pelas vibrações grosseiras aqui dominantes, é
quem internamente já se elevou e purificou e fez por merecer.
Aqueles, portanto, que vinham extrair do ambiente as virtudes de que
falei, delas necessitavam por não terem em
vida
se preocupado com as mesmas. Em vez de amar, tinham odiado e
recolhiam ódio; em vez de perdoar, tinham nutrido rancores e
encontravam hostilidade; em vez de praticarem a caridade, cultivaram
o egoísmo e topavam com a indiferença, e assim por diante. Quem
planta espinhos não pode esperar colher flores. Infringindo as leis
da Harmonia Universal, tinham por
si mesmos
se colocado em desequilíbrio e sofrimento.
O
mais interessante foi que vimos a irmã de cor deixar o corpo em
estado de perfeita consciência. Já havíamos presenciado isso, é
certo, mas aqueles que víramos, em nossos dias de tortura, saíam e
vagavam como sonâmbulos, tal a pobreza de consciência. Como é
pobre, ou se torna tal, o ser que só vive para a matéria, para a
sensualidade, as vaidades mundanas, o egoísmo mais estreito! Sabe
que amanhã, ou depois, terá de deixar o corpo e enfrentar a
realidade da sobrevivência. Mas, prefere
não pensar nisso
e continua a alimentar as paixões que, bem sabe, um dia deverão
perdê-la. É como o viciado. Sabe que vai ficar sem dinheiro, que
sua família economiza tostões e vive na miséria, sabe que o seu
procedimento é indigno, vil, desonroso, mas... alimenta o seu vício!
Assim as almas encarnadas... esquecem tudo, sua origem, seus deveres,
seus prazeres espirituais, para escravizarem-se aos desejos do corpo
e suas paixões grosseiras. É natural que ao desencarnar tenham
muito de animal e pouco de humano. A irmã de epiderme escura,
todavia, saiu sorridente e feliz do casulo
físico.
Sua aura branca, alvinitente, contrastava com a cor do seu pigmento.
Chamava-se Jasmim, essa bondosa criatura, e o perfume da flor desse
nome parecia envolvê-la, conferindo-lhe forte poder de atração.
Sua personalidade irradiava bem-estar celestial! Assim dizia um dos
guias e eu pude comprovar a exatidão do seu acerto. Foi dela que
recebemos, Antônio e eu, as mais carinhosas palavras, repassadas de
sincero sentimento de fraternidade, de encorajamento, estímulo, de
auxílio de fato.
Seu
corpo, distendido no leito, denotando cinqüenta e tantos anos, era
como fonte de forças sutis, de recônditos poderes da natura! Sob a
pressão poderosa de um dos guias, vi que correntes fantásticas de
fluido
cósmico
penetravam nela pela esquerda saindo pela direita com nova coloração;
isto é, aquele corpo aparentemente gasto por uma vida trabalhosa,
havia atravessado o ciclo inferior e, dominado em seus instintos
animais, servia
a um pensamento sublimado;
cedendo a sua poderosa organização eletromagnética,
predispusera-se à causa do bem, até tornar-se filtro e conduto de
poderosas leis. Era um laboratório minúsculo mas fortíssimo, a
espargir curas e santos chamamentos do Senhor.
A
capacidade de captação
e irradiação
daquele ser espiritualizado, havia se colocado por sublimação em um
grau superior de funcionamento, e entrava
em contato
com as vibrações curadoras do Cosmo!
A
noite seguinte chegara, como chegam todas as coisas que independem da
vontade dos homens, com a precisão que torna marcante o que faz
parte do imensurável mecanismo
do universo.
E a casa pobre foi se enchendo de gente, de criaturas de ambos os
planos da vida, de todas as latitudes sociais, culturais e
hierárquicas. Foi nesse ambiente de mista contextura, de variadas
situações de ânimo, que Furtado chegou, arrastando em pós de si
todo um turbilhão de seres em aparente promiscuidade. Aparente,
sim,
porque ao detalhar as condições de uns e de outros, notava-se que
havia entre eles gente do serviço de orientação a dirigi-los.
Milhares de pessoas, de irmãos, compunham a assembléia espiritual.
O número maior era de carentes de paz e venturas. Eram "sofredores",
como diz a gíria doutrinária, de acordo, aliás, com o Evangelho.
Em
pouco tudo estava organizado.
Todos dispostos por zonas. Uns mais próximos, outros mais afastados
da mesa. Em redor desta, uma trintena dos melhores elementos de
direção formavam como um círculo de guarda e a sua presença
respeitável bastava para manter a disciplina
e a ordem
na heterogênea assembléia. E foi nessa atmosfera de recolhimento
espiritual, de contato com o que de mais dadivoso havia no recesso da
natureza, que teve início a sessão. Furtado, abrindo o Evangelho ao
acaso, leu um pouco sobre a vida de João Batista, explicando aquela
afirmativa que faz crer tenha ele sido enviado para o deserto,
criança ainda, ou adolescente, lá vivendo de mel e gafanhotos.
Mostrou como João Batista pertencia à Seita
dos
Nazireus,
de onde haviam saído todos os grandes vultos de Israel, a contar de
Enoch, a sua maior figura da antiguidade patriarcal. Fez entender que
aquela seita era de ordem superiormente revelacionista ou cultora
do mediunismo,
e que a ela se deve a esplêndida floração de médiuns conhecida na
Bíblia por profetas. O próprio Divino Mestre parte dessa grande
escola de virtudes, a qual freqüentou para receber do mundo aquilo
que o mundo deve conferir a todo missionário e que são: os
conhecimentos
formais, ambientais, históricos,
nos quais deverá vazar, em seguida, o que lhe advier como mandato
reencarnacionista. Prosseguindo, Furtado chamou a atenção dos
presentes para as contínuas referências do Novo Testamento ao
nazireismo, o qual não era bem visto pelo clero da época em virtude
dos seus postulados: perfeita pureza, castidade, abstenção de
bebidas alcoólicas, simplicidade, pobreza, tolerância, etc. Os
nazireus usavam cabelos compridos. Comparou o que fizeram os vultos
de Israel com o que fazem os médiuns de hoje, quando são bem
intencionados e fiéis executores do sagrado mandato. Citou muitas
passagens da vida de Jesus que o mostram curando pelo passe,
expelindo obsessores espirituais, mantendo colóquio com os espíritos
bons, deixando como vestígio da sua passagem pela Terra o exemplo de
melhor mediunismo jamais nela praticado. Jesus
— disse o diretor — era
médium,
o mais completo que se possa imaginar, visto possuir todas as
faculdades desenvolvidas ao máximo. Jesus tinha, disse, o Espírito
expandido sem medida; era
médium completo!
Não fez milagres, provocou fenômenos através de leis. Lembrou que
Jesus mesmo disse: "tudo isso que faço, e mais ainda, podereis
fazer" e mais: "Se tivésseis a fé do tamanho de um grão
de mostarda, nada vos seria impossível." Frisou que sobre Jesus
foram escritas para mais de oitenta obras, no primeiro século, sendo
de notar que mais tarde, homens houve, sectários, estreitos,
mesquinhos, fanáticos, incapazes de respeitar as verdadeiras
exposições dos documentos, que alteraram e falsificaram muito, com
o fito de garantir autoridade apenas para as suas afirmativas
interesseiras, onde prevalecia o cunho político-financeiro. O Jesus
que viveu o Cristo, foi um homem cheio de dons naturais bem
despertos. Nós também os possuímos, por natureza, mas em estado
embrionário
e precisamos despertá-los e desenvolvê-los.
Vimos,
em seguida, ir saindo
o espírito da senhora de cor, para que, por intermédio dela, se
comunicasse um dos mais luminosos seres do ambiente. Era um homem de
aparência muito jovem, mas que causava forte impressão pelo seu
todo psíquico. Seria de todos talvez o mais velho, o mais
amadurecido, aquele que mais havia realizado e colhido na árvore da
vida, a custa de bem orientadas experiências. O espírito confirmou
as palavras de Furtado, assinalando que ao tempo do Divino Mestre, o
que hoje se chamam fenômenos
espíritas
eram cultivados nos Cenáculos
nazireus,
a
portas fechadas,
em virtude de serem proibidos e perseguidos pelo judaísmo.
Jesus veio "religar"
a Terra ao céu, trazendo para o meio da rua, para o conhecimento e
prática de todos, os fatos e a moral que permitia estabelecer essa
ligação. Por isso, espiritismo não é apenas uma religião mas A
Religião.
Disse e reiterou por diversos
exemplos, que tudo aquilo de que tratam os livros do Novo Testamento
já era do conhecimento e culto dos nazireus, pois eles viviam em
perene contato com os espíritos, os anjos esclarecedores, os
mensageiros do Supremo Chefe Planetário.
A
assembléia bebia as palavras da elevada entidade com verdadeiro
encantamento, não só pelas revelações feitas como pela sua
harmoniosa e agradável maneira de falar, que cativava profundamente.
Lembrou ele que o fenômeno do Pentecoste,
a eclosão mediúnica denominada batismo do Espírito Santo, era
o sistema de culto dos Apóstolos,
e tinha conteúdo essencialmente revelacionista.
Fez referência à Epístola de Paulo aos Coríntios, primeira carta,
capítulos 12, 13 e 14, onde o Apóstolo dos estrangeiros indica o
modo básico de reunião para efeito de intercâmbio entre os homens
de aquém e além carne. (Os apóstolos realizavam o que hoje se
chama sessão
espírita.
Quem duvidar veja o texto da Epístola!).
Quando terminou de falar, todas as
mentes estavam profundamente saturadas de um suave magnetismo e
bastante instruídas a respeito de espiritismo e cristianismo.
Depois
da preleção, outra senhora facilitou acesso dialético a outra
entidade, uma mulher muito bela em sua vestidura alvíssima, a qual,
dirigindo-se às mulheres, lhes recordou quanto a civilização do
futuro iria reclamar delas em matéria de cuidados, atenção e
esmero moral, para que as extravagâncias de toda ordem não envolvam
o mundo em seus tentáculos caóticos. Denotando bons dotes de
profetiza, discorreu sobre o que
será o terceiro milênio
e o que é preciso fazer para auxiliar o seu advento e participar das
suas alegrias.
Os acontecimentos desenrolados nesse
dia — e faz isto quase trinta anos! — vieram confirmar as seguras
previsões daquela mulher extraordinária, de beleza e sabedoria
desconhecidas na Terra. Também nunca mais a vi.
*
* *
A seguir, Jasmim deixou o corpo, como
que adormecido na cadeira, e veio para o nosso lado, onde figura a
par e igual com os elementos máximos da falange superior. Furtado
também, esse denodado trabalhador, deu entrada triunfal em nosso
plano, tendo sido enviado para outras regiões, onde o programa de
serviço lhe reclamava a presença.
Muitos seres passaram pelo grupo. De
muitos servidores do plano físico já me vali, para dar comunicações
diversas, nesses vinte e tantos anos de lutas e doces convívios, mas
nunca mais vi aquela mulher toda vestida de branco, a refulgir como
se fora fanal celeste!
VISÃO RETROSPECTIVA
Ao término da sessão, quando
aguardava instruções sobre o que me seria dado fazer naquela
colméia espiritual, eis que me vem ao encontro simpática figura de
mulher, sorridente e feliz, de olhar expressivo e voz branda, como
portadora de venturoso convite:
—
Convide o seu e
nosso amigo, porque temos de partir imediatamente. O senhor deve
entrar o mais breve possível no conhecimento de certos fatos
desenrolados em longínquos
dias,
cuja recordação lhe é necessária. Como tal ordem vem do Distrito
Astral a que o senhor pertencia antes de encarnar, deve-se deduzir
que ela encerra um convite para prosseguimento de trabalhos de
resgate e progresso. Alegre-se, meu amigo, com a graça que lhe é
oferecida de ressarcir débitos do passado e continuar a sua
evolução.
— Sou grato, senhora — respondi —
ao Supremo, por tudo que acaba de me ser revelado. Sou também muito
grato a quem não tenho ainda a honra de saber o nome, mas que me
convida, mensageira que é de chefes esclarecidos e bondosos, para
penetrar portas adentro de saberes, sem os quais nada poderia
intentar, quer para melhoria de condições, quer para traçar rumos
progressivos.
A bondosa senhora primeiro declinou o
seu nome, dizendo-se serva pequenina de todos aqueles que apreciam a
compreensão e procuram praticar o bem. Depois, franzindo o sobrolho
pela primeira vez, como a sentir o contragosto de ter que por em
função uma palavra de observação, esclareceu:
—
Disse estar
agradecido ao Supremo por aquilo que lhe transmitimos, como convite a
novas realizações e conhecimentos, para si interessantes. De fato,
amigo Ambrósio, nossa atitude deve ser de perene agradecimento ao
Emanador. Dia a dia, minuto a minuto, deve aumentar nosso amor para
com o Pai, que não só nos
tirou de Si,
como nos mantém e prepara para um futuro feliz, tal como o pai
terreno, que (favorece o meio) alimenta, educa, e ensina o filho a
viver por si. Porque Deus provê até o ar que respiramos, a
conservação do nosso corpo, tudo enfim. Não podemos olvidar,
também, que nossa condição de semideuses nos torna artífices das
nossas próprias condições, forjadores de situações felizes ou
dolorosas. Ninguém deve responsabilizar a Deus, que é em nós BASE
e QUALIDADE, por lhe advirem dores no curso da vida. O justo é
volver os olhos para dentro
e compreendermo-nos autores diretos de situações boas ou ruins. Há
explicação para tudo e com o auxílio do espiritismo é possível
localizar nossos atos
mais remotos
que deram causa às atuais condições. No quadro dos valores inatos
é que Deus está presente dentro de nós. Temos o poder de criar, e
liberdade de aplicar esse poder para o bem
e para o mal,
arcando porém cada um com a responsabilidade do que fizer. Venho,
portanto, ao convidá-lo, transmitir um recado superior; mas, note
bem, filtrado o seu mérito íntimo por aqueles que estão colocados,
pelas suas altas conquistas, em postos de mando e autoridade, acharam
eles que o amigo já está em condições de aproveitar o ensejo que
lhe é oferecido. Não fossem seus méritos intrínsecos, suas
realizações últimas, e não estaria eu aqui, em nome deles, a
convocá-lo para novos progressos. Creio que compreende o que digo: o
que Deus nos fez foi tornar-nos capazes de autoconstrução.
Caso queira investigar a lógica do que afirmo, como irá mesmo ter
tempo de fazer, averigúe nos próprios seres, sofredores ou felizes,
onde está localizada a determinante do seu estado. Verá que nas
obras pessoais,
e nunca nos favores ou nas iras de Deus. Em
Deus, tudo é Justiça,
e Justiça que, para ser integral, age automaticamente
dentro mesmo dos seres e das coisas. É a lei de ação e reação,
causa e efeito, chamada lei do Carma
ou do destino.
Todos os seres e todas as coisas possuem valores íntimos próprios,
que devem movimentar e desenvolver. Jesus, o Instrutor Máximo da
Terra, não encarnou para salvar diretamente os homens, mas sim
mostrar como cada qual pode salvar-se
e ajudar os outros a se salvarem. Cumpra cada um o seu dever e estará
trilhando o caminho da salvação.
— Essa teoria vale por uma
revelação, principalmente para o meu entendimento de homem criado
sob moldes adoradores exteriorísticos. Como deve saber, irmã Marta,
fui educado num culto onde tudo se busca fora, por milagres, graças,
e pouco resta ao homem interno por fazer. Eu não sou culpado de ser
idólatra ou antropomorfista, de ser um traidor da doutrina de
Jesus-Cristo!
A esse tempo, muita gente deste plano
rodeava-nos dentro daquele lar humilde, materialmente pequeno, mas
que se estendia para além das suas paredes de tijolos. E foi com
muito peso na palavra que Marta voltou à fala:
— Pois
está
a findar um ciclo,
para efeito de passagem
a nova etapa evolutiva.
A humanidade precisa pensar um pouco mais nos sublimes valores
internos. Tratar deles com mais atenção e carinho, em vez de
esperar de fora a salvação. Jesus deixou-nos uma recomendação
nesse sentido na parábola das virgens, na qual nos mostra que as
pessoas prudentes
tomam providências para que não lhes falte luz, enquanto as loucas
esperam a salvação
do auxílio de terceiros. Adorar a Deus exterior, descuidando o
sagrado dever de desabrochar as divinas qualidades internas, seria o
mesmo que pretender saciar a fome ou a sede à força de ver os
outros comendo ou bebendo. Desbravemos os sertões internos para que,
nas terras seivosas da santidade genérica, possamos ostentar
florações dignas da mesma.
Como ninguém mais falasse, e estando
Antônio junto de mim, disse ela em tom que comportava um misto de
autoridade e bondade extrema:
—
Vamos, que nos
aguardam.
Partimos, de fato, como que arrancados
por tremenda força! O grupo, composto de uns vinte e tantos
espíritos trabalhadores, mais uns cinco ou seis recém-esclarecidos,
inclusive eu, demandou paragens várias do mundo espiritual. Três
aqui, dois ali, outro além, e a caravana foi-se desfazendo.
Despedidas alegres umas, tristes outras, e chorosas também. Tudo
humanamente sentido, superior e inferiormente, de acordo com os
transes ou a intensidade dos traumas psíquicos do momento.
Naquela
mesma noite, muito havia de me acontecer ainda! Coisas muitas se
deram, de rir e de chorar. Cenas chocantes, interessantes, doces,
amargas. Momentos de entusiasmo! Momentos de quebrantar! Tanto
encerra a vida de um homem. Tudo visões
do passado!
Chegados
a uma casa para mim desconhecida, vimo-nos subitamente diante de uma
aparelhagem
complicada.
Marta convidou-me a ocupar lugar em frente à máquina, junto com
Antônio e uns poucos espíritos. Uma prece foi feita ao Senhor dos
Mundos, finda a qual pude divisar inúmeros seres
de alta hierarquia,
cuja irradiação balsamizava agradavelmente o ar. Percebi que
formavam um segundo círculo e os seus olhares denotavam pureza e
mansidão. O ar tornou-se levíssimo, ao mesmo tempo que suave
embriaguez me invadia os membros. Noções novas vinham-me à idéia
sobre pessoas e fatos da minha vida. Sentia pena de mim mesmo e de
todos os seres, bons e maus, grandes e pequenos. E lágrimas
começaram a correr dos meus olhos, silenciosamente. Não sei
explicar o turbilhão de sensações que me empolgou. Em cima do
aparelho formara-se uma névoa leitosa que, aos poucos, se dissipou,
surgindo
paisagens
de lugares, árvores, pessoas e casas. O cenário, a princípio
minúsculo, foi se avolumando e aproximando, a ponto de tomar aspecto
natural. Via-se perfeitamente o que faziam e diziam as pessoas
exóticas que nele apareciam. Uma delas pareceu-me ser minha
conhecida, não sei porquê. Firmando a vista, reconheci-me
a mim mesmo!
A capacidade, aparentemente mágica, daquele aparelho revelava-me,
mostrava-me, fazia-me viver, reviver, sofrer e gozar. Que turbilhão
de anseios, de repulsões, de tremores e temores, meu Deus! Gritei,
pedi, implorei; e por fim cedi... Não era eu que mandava; eram
razões superiores, por erros
graves antanho cometidos...
Hoje percebo quanto me era necessário passar por aquele cadinho
informativo e purgador.
Mas,
indagarão, o que foi que se deu? Apenas isto: por lei, como devem
saber, até os minérios
absorvem e guardam impressões vibratórias. É a psicometria? Que
seja; mas é bom lembrar que a lei
das vibrações age sobre tudo o que vive ou é, seja espírito ou
matéria.
É certo que, em princípio, tudo é ESSENCIALMENTE ESPÍRITO, por
ser Deus ESSÊNCIA UNIVERSAL, ponto de partida de tudo e todos. Tudo,
pois, é em base um mesmo elemento, variando
os estados de manifestação
e as condições de aglutinação molecular. Como criou Deus esse
elemento base, ninguém
sabe.
Constata-se a sua existência e ninguém de bom senso dirá que Deus
foi buscá-lo aqui ou ali. O segredo das origens pertence ao número
das coisas que não nos é dado saber, ainda.
Recebendo,
portanto, a matéria, como sabemos, influências vibratórias, como
não guardaria em si o espírito, em sua matéria quintessenciada, os
seus registros históricos? Que é a memória,
senão a faculdade de entrar
em contato com esses
registros? Digo mais: não pode ela evitar essa influenciação, que
independe da vontade. Quantos desejariam esquecer certos fatos e não
o podem? A psicometria,
ou seja a prospecção da alma, permite
saber tudo o que aquela alma fez ou presenciou,
embora ela mesma disso não tenha consciência, no momento.
Revi,
pois, fases diversas de vidas
passadas,
num misto estranho: ora apreciava os fatos de fora, como espectador,
ora revivia
aquelas situações, sentindo emoções fortes e passando de novo
bons apuros. Presenciei meu nascimento na Palestina, pouco antes da
vinda do Senhor à Terra. Mudei-me depois, com o meu grupo familiar,
para os lugares onde em tempos remotos tinham existido as cidades de
Sodoma e Gomorra, condenadas a desaparecer sob o fogo celeste devido
aos seus crimes. Espalhadas pelo chão, algumas ruínas quase
cobertas pela vegetação rasteira atestavam a execução dos
decretos divinos. Rebanhos pastavam calmamente, na pradaria extensa.
Poucas casas. Ao lado, o mar, histórico e sepulcral Mar Morto, assim
chamado devido ao excesso de salinidade, que não permitia a presença
de peixes. De permeio, para a direita, no confim do Lago Salgado, as
benfeitorias dos Nazireus, com o seu Cenáculo. Terras, campos, hoje
estéreis, praias, templos, tudo revivido, tudo renovado para que um
criminoso — eu!
— pudesse inteirar-me de feios cometimentos!
Qual
o móvel de tudo? Permitir ficasse eu sabendo que por tais bandas,
como homem formado, senhor de terras, parente de padres, inimigo
fidagal da Seita Profética, pus em jogo, por ignorância e em defesa
de interesses de parentes, uma trama contra quem viria a marcar, por
todos os tempos, o valor máximo no cômputo dos merecimentos
humanos. Endurecido e egoísta, não havia nazireus que me topassem
bem! Achava que os sacerdotes e fariseus tinham sobras de razões
para perseguir aqueles feiticeiros, portadores de idéias
revolucionárias, cúmplices do diabo! Mal andavam as autoridades em
apenas afastá-los de suas funções. Cumpria persegui-los por todos
os meios! Nada com a gente que infringia e corrompia a Lei de Moisés!
Aqueles elementos tinham
contato e conversa com os mortos!
O que cumpria era persegui-los de todos os modos! Lapidá-los!
Exterminá-los!
Tal era o meu modo de entender.
CENA ESTÚPIDA E COMPROMETEDORA
Sei bem o que
pregam hoje católicos, protestantes e espiritistas, sobre o
nascimento do maior espírito da demografia terrícola. Sei que
afirmam ter ido o Precursor, em criança, para o deserto, lá vivendo
de mel e gafanhotos. Isto é o de menos, pois ainda se come bichos
pelo mundo afora. Porém, que admitam ter
sido o menino enviado para o deserto, isso é absurdo. Foi, sim, para
um Cenáculo nazireu
na fronteira do Egito, remanescente das escolas do profetismo hebreu.
Naquela região desértica florescia ainda a
mais profunda escola espiritualista de todos os tempos,
aquela que contou em seu seio com o que de mais importante deu
Israel, a escola então ocultista, que foi reerguida
por Samuel,
o grande vidente. Suas portas foram escancaradas, mais tarde pelo
Cristo, que tornou seus ensinos e suas práticas de direito geral das
gentes, a quantos queiram conhecer a Verdade. As práticas mediúnicas
eram mal vistas pelo judaísmo, como ainda o são por todos os que
vivem para a matéria e nada querem com a espiritualidade.
Escudavam-se os sacerdotes na proibição das evocações,
estabelecida por Moisés em virtude do desvirtuamento das finalidades
do intercâmbio, por parte da população. A moral evolui. Ao tempo
de Moisés imperava o "olho
por olho, dente por dente".
Jesus substituiu essa fórmula pela do perdão.
Os livros da antiguidade consideravam que "o temor de Deus é a
base da sabedoria", ao passo que o Cristo, fazendo novas todas
as coisas, mostrou que a base da sabedoria é a caridade.
Que
pensem o que quiserem os que me lerem, se quiserem ler. O que digo é
claro como o sol meridiano. João Batista, e também o Divino Mestre,
freqüentaram aquele Cenáculo, (embora em épocas diferentes), tal
como convém a todo missionário que, reencarnando, submete-se à lei
do esquecimento e necessita despertar ou completar conhecimentos
históricos e doutrinários, para sobre essa base edificar a sua
obra.
Não é exato que o Cristo tenha desaparecido aos doze anos, como não
é certo que o Precursor tenha vivido sozinho no deserto até se
tornar homem, e capaz de cumprir o mandato que, em tempo, lhe seria
indicado pelo Alto. Igualmente me lanço hoje a falar, assistido por
agentes mensageiros do plano astral, em cumprimento de lei, de
superiores desígnios, mau grado minhas pequenas capacidades. Muitas
podem ser as concepções na Terra e no astral, mas a realidade total
é uma só, e esta independe de concepções.
Sei
perfeitamente bem que ninguém tirará proveito libertador do fato de
computar o Mestre entre os Nazireus, ou do seu aparecimento ou
desaparecimento aos doze anos, ou coisa que o valha. Todos são
livres de aceitar uma ou outra versão, ou de recusar as duas. Tudo
redundará inútil, se o estudioso não se resolver a levar à
prática, a incorporar os ensinos do maior dos vultos da Terra, o seu
Diretor Planetário, o seu Guia, em viagem instrutiva para todos os
homens, de todas as épocas, o cumpridor celeste da promessa de
derrame do espírito sobre a carne1.
Voltando
ao episódio em que me vi às margens do Mar Morto, deparei com o
Divino Mestre, por entre dunas e cordeiros, a meditar nas coisas que
tinha de mister, na solidão das noites cálidas de verão, em
preparos para a grande e triunfal sortida. Tinha ele mais ou menos
vinte anos de idade. Eu beirava os meus quarenta. O aspecto sonhador
e angélico daquele jovem não me comovia.
Interpelei-o um dia sobre o assunto
das suas meditações. Falou-me, então, das veredas de Deus, dos
anjos instrutores, das faculdades dos profetas, das coisas que iria
fazer, da grande mensagem que trazia ao mundo. Eu não podia
compreender a sua preocupação com coisas tão transcendentes e,
muito menos, as suas teorias sobre do que o mundo precisava. O
espiritismo de hoje, cristianismo restaurado, bem faz supor o que me
teria dito o Mestre. Impacientei-me, sem conseguir que ele se
alterasse.
Belo,
muito belo, manso, muito manso, hoje me espanto de não ter percebido
a sublimidade daquele ser. Mas, eu pouco pensava nas coisas
superiores e o principal da chamada criação para mim era o mundo
terreno. O resto, secundário. Ele voltava o seu olhar claro e
profundo na direção de Jerusalém, onde devia saber findaria seus
dias por entre os apupos de uns, as sanhas assassinas de outros, as
preces de alguns e todas as bênçãos do céu. Não obstante o seu
todo pacífico, as idéias que expelia me escandalizavam. Increpei-o
de incompetente e inexperiente para opinar sobre o assunto.
— Um dia me dareis razão —
respondeu ele, fitando-me serenamente.
— Nunca! — exclamei exaltado, com
ímpetos de feri-lo. Prometi-lhe pancada e por pouco não o agredi,
como primeira dose de veneno que o mundo lhe daria. Ele, porém,
manso e compassivo, foi-se indo pelo areal afora, depois de dizer com
profundíssimo acento:
— Se a Verdade estivesse contigo,
por certo serias manso e humilde, tolerante e benigno, ainda mesmo
que eu estivesse errado.
A meu mau grado, não pude deixar de
sentir o tom melodioso e agradável daquela voz bem timbrada.
Causou-me também admiração a novidade da resposta, bem como a
doçura desassombrada do adolescente.
Depois
desse fato, mais
de dez anos passados,
havendo-me trasladado para Jerusalém, de novo vim a atritar com o
mesmo homem, agora já bem mais grave em sua apresentação
fisionômica. Os
mesmos belos traços,
mas um pouco mais de gravidade nos olhos infinitamente sonhadores.
Descalço, o manto opalino, cabelos repartidos ao meio, barba
bipartida, voz sonora, com harmoniosas modulações, dotada de
possante convicção, caminhava ele por entre a turba de admiradores,
curiosos, doentes e discípulos:
— "Buscai o reino de Deus e sua
Justiça, e tudo o mais vos será dado de acréscimo" —
repetia sempre.
Suas palavras, a meu ver, espargiam o
veneno da desobediência ao código de Moisés. Com os poderes
cabalísticos que todos os nazireus pareciam possuir, prodigalizava
ele curas espantosas, milagres esses que eu acreditava serem provas
irrefutáveis de conluio com Belzebu.
Com
freqüência recordava aos ouvintes que a sua passagem pelo mundo
seria
rápida,
que meditassem nas suas palavras pois era depositário de grande
mandato, da celeste promessa do derrame do espírito sobre a carne, a
fim de que todos pudessem profetizar e testemunhar a realidade do
mundo espiritual. Declarou que deixaria na Terra, para sempre, a
prova da sua passagem, tanto pelas obras como pelos ensinos, e acima
de tudo pelo Consolador, que mandaria para representá-lo e ficar
conosco, quando fosse sacrificado pelos homens. Vi-o dizer, várias
vezes, aquilo
que os livros não registram,
de serem todos os homens iguais perante as leis que regem o universo.
Muitas e belíssimas coisas disse ele ainda, que os livros não
consignam mas que, a seu tempo, virão a ser conhecidas. Dotado de
fascinadora eloqüência, vi-o arrulhar como pomba e bramir como
leão, chorar com o povo e enfrentar sobranceiro o orgulho de uns e a
prepotência de outros. Vi-o arrastar pelas estradas poeirentas em
fora, multidões e multidões, quer da carne, quer de gente de outros
planos da vida. Vi,
acreditem, o Cristo
dentro e fora dos quadros físicos.
Acompanhei, como comprometido, ao
martírio da cruz! Meu primo, padre fanático e cruel, tinha por
certo que liquidar aquele perturbador da ordem, era dever sagrado a
cumprir. As vibrações da ignorância e do egoísmo, do mal enfim,
excitadas desde o início da missão renovadora do Mestre, tinham
atingido o paroxismo! A conturbação, senti-o mui bem, fazia fremir
a atmosfera da Terra. O mundo e tudo o que era do mundo repelia com
violência aquele que lhe falava do espírito.
O
homem materialista
esquece as faculdades superiores de que é dotado e despreza os
prazeres sublimes da alma, empenhado em satisfazer os do corpo. Um
dia chegará, porém, em que as dores e desilusões o levarão a
procurar uma felicidade mais durável e ele compreenderá e aceitará
o que antes rejeitava.
Cristo a todos veio apressar esse dia.
Pregando e exemplificando a superioridade do espiritualismo, ele nos
leva a pensar nas verdades que revelou e a converter-nos ao Bem mais
depressa.
Revendo
hoje a cena culminante do Calvário, percebo, graças ao duplo poder
de penetração deste aparelho, as falanges trevosas dos dois planos
exultando de ódio e alegria com a morte do Justo. Encarnados
e desencarnados,
identificados pelos mesmos sentimentos, vibravam de gozo com a
derrota aparente do Cristo. As mentes ensombradas excitavam-se uma à
outra, ensejando os maiores crimes. Focalizei os dois ladrões e vi
que eles vociferavam e maldiziam, sendo
errônea a lenda do bom ladrão!
É invenção humana, assim como muita coisa mais, que é tida por
verdade provada, ou como verdade admitida. Pareceu-me ter visto dois
vultos deslumbrantes de luz, amparando o moribundo e por fim
conduzindo-o, por entre legiões de legiões de seres alegríssimos.
Vi que se formou então uma nítida separação entre o que ia mais
para cima e o que ficava embaixo, ao rés do chão!
Vi,
saiba quem quiser saber, o que estou relatando e aquilo que não
quero relatar. Basta
isso que aí fica.
Não posso — porque não é possível — com o meu pouco, salvar
os meus irmãos terrenos, mesmo porque a libertação de cada um há
de ser resultado do esforço próprio e só
virá por obras.
Todos deverão aliviar a sua carga de defeitos, para poder librar-se
aos ares. Cada imperfeição eliminada é mais um grilhão de que nos
desprendemos. Atos, palavras, pensamentos incorretos são
bolas de ferro
a reter-nos no solo. Milhares de pessoas têm escrito sobre o drama
do Calvário. Disseram o que entenderam dizer, baseando-se no que
ouviram contar. Em conseqüência, muitos erros passam por acertos,
mas não prejudicam nem alteram o fundamental, contido no Evangelho.
Também pedi para contar alguma coisa, por mim mesmo vivida, como
parte daquele drama. Procurei entravar a missão do Cristo,
resultando ficar ligado à mesma, pois não há ato nem pensamento
que não tenha suas resultantes. Todavia, os obstáculos opostos
pelos homens já estavam previstos e a missão do Santo cumpriu-se.
Trouxe ele, assim, para a praça aquilo que era ocultamente
praticado pelos grandes mestres.
Foi o Cristo quem vazou aos homens um batismo em Revelação, sem as
características de cor, credo ou fronteiras. Foi o Cristo quem
fundiu todos os ensinos num só: o Amor; todos os deuses num só: o
Pai; todos os homens num só: o Filho.
ANTÔNIO NA BERLINDA
Foi o Cristo quem demonstrou
inteligentemente aos homens o sentido do versículo bíblico que diz:
"Vós sois deuses". Fê-lo exibindo os poderes de fato
desdobrados. Todo homem é em si portador de um Cristo interno, o
qual deve fazer resplandecer e nessa refulgência alçar-se aos
páramos do Supremo Estado, onde não mais poderá ser atingido pelas
maldades, que terão deixado de exercer sua influência sobre ele.
Jesus disse: vós também podereis fazer isto que eu faço e mesmo
mais, convidando-nos assim a desenvolver os referidos poderes
latentes, hoje chamados mediunidades.
Sim.
Na mensagem do Cristo todas as mensagens estão inclusas, as passadas
e as futuras. Porque o Evangelho é a Vida em função, em todos os
sentidos. Seus capítulos ir-se-ão desdobrando, suas sentenças
distendendo-se, seus profundos sentidos irão penetrando cérebros e
consciências, sob o manto esclarecedor do mediunismo
bem cultivado à luz do Amor.
O Consolador, prometido por Jesus, ou seja o espiritismo, que nada
mais é que o cristianismo em sua pureza e beleza originais, é o
informante eterno ao dispor do homem.
Ao
cabo de pouco, quando o meu
suor de espírito
me banhava todo, despertei para o estado consciente. Antônio, então,
entre medroso e confiante, balbuciou:
— É a minha vez?...
O mentor principal disse-lhe,
benévolo:
— Por
ora não, irmão Antônio. Terá que passar ainda outra
vez pela carne,
pelo cadinho redentor e evolutivo, antes
de enfrentar essa visão retrospectiva.
O seu estado não permite ainda que entre no gozo de tal
conhecimento, pois saber é sempre um prazer, principalmente quando
se sabe que quase tudo está desfeito, por meio de atos meritórios
praticados posteriormente. Você viu o primo de Ambrósio, aquele
clérigo fanático, que tanto tomou parte no tremendo drama?
— Vi,
sim senhor. Mas vi somente como quem vê
num teatro...
— Pois
eu te afirmo, pelo que sei da história
de ambos,
que da próxima vez que vier da carne, se bem se desempenhar por lá,
este aparelho estará ao seu dispor para entrar no conhecimento vivo
daquela encarnação, assim como Ambrósio viveu
e reviveu hoje o dele.
Porque foi você quem viveu aquela personalidade... Não se assuste,
porém, com essa informação, por já estar quase tudo pago e
resgatado. Falta um nonada, apenas, para um grande passo...
Ora, mesmo conturbado mentalmente, não
podia ouvir falar em boas ações praticadas, sem me lembrar de
certos fatos da última encarnação, a pesarem no quadro das
circunstâncias gerais e a influenciarem desagradavelmente no meu
estado, onde poderia reinar desejável paz de espírito. Tínhamos,
bem nos lembrávamos, procedido mal para com os nossos fregueses,
embora sem grave prejuízo para eles, em vista da fragilidade do
suborno por nós posto em circulação. Lesamos muito, lesamos pouco,
em face do Tribunal da Consciência? Eu sentia que havia errado e que
o peso do erro ia como me achatando, comprimindo, aterrorizando! E
foi nessa hora que uma angústia invencível me invadiu, obrigando-me
a reclamar explicação da parte daqueles benévolos instrutores.
Foi em pranto que me volvi ao
instrutor chefe para lhe falar. Não pude fazê-lo, é claro, tão
emocionado estava. Ele compreendeu e dirigiu-me palavras de consolo.
Não negou que eu tinha errado bastante, enchendo o farnel de
responsabilidade com muitos agravos. Porém, disse: você também fez
boas coisas; foi solidário com obras de alcance social, auxiliou na
construção de hospitais, abrigos, deu esmolas bem precisadas, criou
dois filhos alheios, etc.
Passou-me a mão pela mente,
levantou-me o semblante, acrescentando em seguida, plenamente
consciente da realidade que defronta cada criatura:
—
Ambrósio, ninguém
nasce perfeito. A evolução é lenta e laboriosa para todos. Não se
deixe aniquilar pela impressão da própria inferioridade. Mais culpa
carreiam aqueles
que absolvem faltas alheias e ensinam de modo tão frouxo.
Você não era tão responsável quanto hoje lhe parece, porque o
"quantum"
dos
seus conhecimentos era e é relativamente baixo, em matéria de leis
e de religião. E como no passado cometeu falta bem mais grave, o que
realizou na última encarnação já representa um progresso, que é
levado em conta. Outro, no seu estado, mas contando com mais
vantagens e precedentes mais favoráveis, não teria recebido tão
depressa o acolhimento que você está estranhando. Terá tempo para
desfazer-se desse peso, bem como para alar-se aos empíreos lugares,
às mais puras regiões.
Encarou-me com os seus olhos lúcidos,
com a força da sua personalidade possante e sorrindo confidenciou,
colocando-se modestamente no mesmo nível que eu:
—
Também tenho muito
por liquidar ainda... Vislumbro uma
volta à densidade da matéria,
para, em resgatando faltas e conquistando méritos, poder elevar-me
àquelas regiões de que falamos... Todos nós, aqui, somos ainda
grandes devedores... E como vê, não nos pede o Deus Interior, por
meio dos Seus agentes orientadores, e distribuidores de serviços,
uma reforma pronta e radical, uma total e imediata emancipação.
Teremos sempre tempo, desde que não cometamos faltas
pronunciadamente cruéis, crimes sérios contra as leis de Harmonia
Universal.
Enxuguei o meu pranto, sentindo-me
como que mil quilos mais leve. Observei que Antônio estava aflito,
ensimesmado, e julguei que fosse devido aos mesmos fatos. Contudo,
não me parecia estar ele sentindo a mesma comoção que eu, depois
de passar por aquele crivo impressionante, por aquela revisão
potente.
Havia-me tornado muito mais sensível,
delicado. Os homens e as coisas apareciam-me sob novos prismas,
inspirando-me simpatia. Fisicamente a mudança não era menor. As
pernas fraquejavam-me. Uma fraqueza tremenda invadia-me todo,
atingindo, a meu ver, o próprio espírito, o mais profundo do meu
ser, tal a sensação aguda da pressão moral. Estava refeito daquela
ânsia de pranto, mas a debilidade me obrigava quase a ter de
reclamar um leito. O instrutor principal notou isso e fez-me o mais
favorável convite que no momento seria imaginável:
— Desçamos um pouco na escala
hierárquica dos planos erráticos; vamos ao lugar que virá a ser o
de sua moradia. Lá tudo está pronto para recebê-lo, com um bom
leito a aguardá-lo... Vamos...
Num
segundo,
para lá nos havíamos dirigido. Pareceu-me que tudo mudou
instantaneamente. Dois leitos em uma sala ampla, onde vasta
biblioteca também figurava.
Franqueando-nos o aposento agradável,
o mentor esclareceu em tom de despedida:
— Fiquem à vontade... Depois do
sono voltarei para lhes dizer alguma coisa mais. Não vindo eu,
procurem Manoel, que é também morador deste prédio.
Manoel era um daqueles espíritos
bons, o primeiro amigo que nos acatara, grande trabalhador no grupo
espiritista que funcionava na casa pobre de Jasmim, alma lustral a
animar o corpo de ébano, coração amante a desgastar-se pelos
semelhantes.
UMA VISÃO CELESTIAL
Entregue às ordens
de um sono
profundo,
tive um sonho deslumbrante. Não sei se prolongou pelo tempo todo do
sono, ou se durou apenas o suficiente para ver o que de mais alto me
estava determinado.
Sabemos
que o
dormir de um espírito é agir fora do corpo respectivo,
em plano mais rarefeito, tal como acontece com o encarnado, que tem
assim a possibilidade de desenvolver atividade em terreno
dimensionalmente mais livre, onde as possibilidades de ação quase
não conhecem tropeço. As
distâncias, ali, nada significam
e tudo se processa rapidamente, em segundos desenvolvendo-se cenas
que custariam horas e dias na vida carnal.
O
que sei é que o mentor principal, aquele que tudo tinha encaminhado,
que tinha ordenado a Marta que me fizesse atingir tal plano, de novo
apareceu, mas em companhia de minha mãe. O laço fluídico que
prende um espírito ao seu perispírito não é menos potente que o
que ata o encarnado ao seu corpo. É
um fato!
Por isso mesmo, lembrava-me de tudo, mas da forma que um espírito
encarnado lembra, uma vez que o fenômeno se dê em forma de sonho, e
não como no caso de desdobramento lúcido. É bom conceber
sensatamente o que é ou sucede por faculdade mediúnica,
distinguindo do que é sonho ordinário. No curso do sonho, pois,
minha mãe tomou o lugar daquele mentor, no papel de guia, para os
esclarecimentos que fossem de mister. Foi ela quem passou a
argumentar, a explicar, a perguntar, ficando o mentor apenas ao
dispor de algumas oportunidades de ingerência dialogal, ora
assentindo, ora não, o mais das vezes fazendo um gesto inteligente,
assim como se dá nas conversações em grupo, em que não é
possível falem todos. O mais interessante foi um convite de minha
mãe, para que fôssemos orar em um
templo do local,
daquele que eu então desconhecia, e que agora sei ser o
plano-moradia
de minha mãe.
Frente ao belo templo, também
encimado por uma cruz, que era atravessada em diagonal por um peixe,
disse-me ela com aquele sotaque português dos seus dias na carne, e
com a mais carinhosa inflexão de voz que lhe era possível, também,
durante a romagem pelas estradas do mundo, onde as formas são mais
grosseiras:
—
Ambrósio, para se
adorar a Deus não se precisa de coisas exteriores, bem como
dispensáveis
são os templos materiais.
Nenhum ser poderia adorar melhor ao seu Emanador do que sabendo
bastante, e muito mais amando,
no convívio universal. Todavia, uma casa preposta a esse fim, é um
lugar onde os homens podem reunir-se,
com ordem e método,
para efeito do culto santo. De nada valerá o cerimonial de adoração
se no íntimo dos fiéis não houver amor ao próximo e sentimentos
benevolentes. Este templo não comporta imagem alguma, havendo apenas
um crucifixo pregado na parte posterior do mesmo. Isto porque é um
lugar de concentração mental e elevação interna, como todos os
templos desta região. Sendo interno, o culto não comporta o
sacerdócio profissional, que aqui não existe. Aqui se fala, se
prega, se debate, tudo em ordem e para fim edificante. Duas legendas
ornam os lados da igreja. Uma diz: DEUS É TAMBÉM ÍNTIMO AO TEU
PRÓXIMO. E a outra diz: AMAR PRATICAMENTE É A LEI DO CRISTÃO.
Estas duas divisas completam-se, oferecendo oportunidade para todos
os mais belos e edificantes pensares, conferindo bases de fato para
as compenetrações
que levam aos grandes empreendimentos espirituais. A consciência da
unidade
divina
entre
os seres há de ser a força propulsora de todos os atos de
fraternidade, como sejam a tolerância, o perdão, a resignação e o
espírito de renúncia e abnegação. Isso é o que se procura
inculcar nas mentes, em nossos cultos e palestras.
E pude considerar:
— Nem
é preciso mais que educar, para que o homem se porte como deve. Em
tudo que presenciei, até hoje, por estes lados da vida, como
programa instrutivo, a educação
ocupa lugar primordial,
sendo mesmo a pedra angular do sistema.
— Na Terra — observou-me ela —
os homens também pensam assim; mas pensam sectariamente... Seus
pontos de vista tendem para o exclusivismo. Educação, para eles, só
o é o que cheire a rotinismo carcomido, a partidarismo, a teoria
engarrafada...
— Assim é... — foi o que me
ocorreu dizer, rememorando certas coisas.
— Aqui
— prosseguiu — não é assim; a palavra é dada a toda e qualquer
idéia. Adora-se a Deus no todo e na parte. Estuda-se
livremente.
Ninguém tem o direito de pensar que a VERDADE foi feita para ele
saber e os demais ignorarem. O método é agir sempre pró-bem de
todos e estudar livremente. Não se admite pureza doutrinária que
não comporte sentido evolutivo.
— E o clero não é, de certa forma,
uma instituição necessária? É claro que deve haver um programa...
— arrisquei.
— A
questão é que não
há clero algum.
Deus por aqui não é vendido nem comprado. De pregar o Evangelho há
muita gente capaz; e gente que não faz da fé, própria ou alheia,
meio de vida. A mesma coisa se dá com a interpretação das
Escrituras, que segundo São Pedro não constitui privilégio de
ninguém. Os cargos são eletivos e rotativos, para todas as funções,
nesta região. Há muita gente capaz para toda e qualquer função.
Quem quer exercitar-se em administração, tem ensejo de o fazer,
bastando apresentar qualidades e vontade.
Entrementes,
dávamos entrada
no grandioso templo;
por dentro, como por fora, a beleza estava na simplicidade. Um
profundo silêncio ali dominava, facilitando o ingresso mais perfeito
às regiões profundas do eu, onde Deus pode ser adorado como
ESPÍRITO E VERDADE que é. O que se sentia ali, verdadeiramente, é
que Deus, para ser bem compreendido e adorado, (no que é possível
ao ser relativo compreender e adorar o que é infinito), é como
VERDADE INTERIOR a tudo e todos. Nunca em minha vida senti, como ali,
que para bem amar a Deus não basta seguir à risca o ritual de
preces e cerimônias. Antes de tudo, é preciso usar ao máximo
a inteligência
e a consciência, a razão e o sentimento.
Para sentir
é preciso também compreender,
e vice-versa. Só assim poderemos amar ao próximo como a nós
mesmos. E concluí que a humanidade terrícola está muito longe de
poder amar verdadeiramente a Deus. De rótulos estão cheias as
religiões terrenas, pois todas ensinam a procurar Deus longe
da Terra,
e mais distante ainda dos corações. De outro modo, como poderiam
supor, e cem por cento aceitar, haver irmãos predestinados à
perdição?!
Uma
vez dentro do templo, de pé, pôs-se minha mãe a ensimesmar-se.
Depois, vagarosamente, dirigiu-se para um banco, onde se sentou. Eu a
segui, compenetrado. Uma estranha sensação de bem-estar começou a
invadir-me. A própria respiração tornara-se uma função
agradável! Em pouco, não sei de onde, sublimes harmonias se fizeram
ouvir, penetrando-me a alma, no que de mais puro pudesse eu ser
atingido. Eu conhecia de nome o estado chamado êxtase,
mas nunca o sentira. Agora, começava a compreendê-lo. Não há
alegria no mundo que se compare à felicidade desse estado! Repleto
dessa euforia, comecei a divisar celestiais criaturas em torno de
nós. As suas irradiações iluminavam o templo! De repente, um ponto
mais brilhante formou-se no meio da seráfica multidão e eu vi
surgir o Mestre,
talqualmente como o havia visto na visão retrospectiva que já
descrevi. O seu olhar exprimia uma paz imperturbável, infinita! Os
pés descalços, os cabelos repartidos, do mesmo modo que a barba, o
semblante infinitamente doce e inteligente. Era a expressão pura da
simplicidade gloriosa!
Com naturalidade, foi-se avizinhando,
deslizando. Sua presença impunha ao mesmo tempo respeito e amor, no
mais alto grau. Lágrimas de comoção brotaram-me dos olhos. Sem
sentir, ia dobrando os joelhos. Ele, porém, fez-me levantar,
acenando com a mão direita, num gesto suave. Depois, bem pertinho
já, falou com simplicidade, como de amigo para amigo:
— Onde
estiver a VERDADE, aí estarão a mansidão,
a tolerância
e o perdão.
É do que precisará o homem para ser feliz. Ao que se armar de
Verdade,
jamais
ocorrerá apelar para as ações indignas, para a vontade de vencer a
qualquer custo. A
VERDADE é Deus.
Num
instante, revivi todas as mazelas da minha última vida, parecendo-me
haver atravessado vidas e vidas para lembrar erros praticados. Tive
vontade de sumir de mim mesmo. Tive desejos de ser nada. Minha mãe
levantou-me o semblante, dizendo coisas agradáveis. Olhei e vi que
Ele havia desaparecido, mas a multidão celestial ali permanecia.
Aqueles seres angélicos entoavam agora um hino de beleza
arrebatadora, que lembrava aquela sentença evangélica que diz haver
mais gozo nas alturas pelo arrependimento de um pecador do que com a
perseverança de noventa e nove justos.
Eu estava de pé; minha alma ainda
estava de joelhos!
Quando
tudo havia desaparecido, fomos saindo eu e minha mãe. Ela me trouxe
à beira do leito, e foi então que dei acordo de mim, depois de mais
de 20 horas de profundo
sono,
disseram os guardas da casa.
Quando
contei a Antônio o meu sonho,
ele imediatamente me disse:
— Que
vontade de ir à carne, resgatar o que me falta!...
MARTA ME VISITOU
Sucumbir
na carne e chafurdar nos pantanais, é coisa da vida. Também o é
emergir
dos lodaçais fétidos e tenebrosos. O que a mente mais imaginosa não
seria capaz de criar, nestes lados da vida é coisa comezinha.
Fui
visitado, no dia seguinte, por Marta, aquela mensageira já citada.
Transmitiu-me ordens do instrutor chefe, no sentido de ficar ao
dispor de um dos trabalhadores do grupo de Jasmim. E assim fiz.
Fiquei à disposição de Manoel, aquele devotado amigo do bem, por
muito tempo, por muitos anos. Antônio também permaneceu por prazo
assaz longo na mesma residência.
Tornara-se bom conhecedor dos préstimos socorristas. Um dia, porém,
fomos convidados a visitar
a Terra,
mas em lugar muito diferente, em país estranho, seio de um povo cuja
linguagem não entendíamos.
— No
meio desta família reencarnarás,
dos seus bens há de tirar proveitos para o resgate final. São
baluartes do Consolador, em função progressiva. Precisas disso,
Antônio, em virtude de teres tomado parte no martírio do seu
Ínclito Propugnador. Grandes coisas poderás conseguir, pois
faculdades ser-te-ão concedidas para, em sofrendo pelos irmãos,
iluminar-te na Luz do Senhor.
Depois da palavra breve e concisa do
amigo espiritual, Antônio sorriu o seu mais feliz sorriso, de
quantos cultivara no mundo espiritual. Sua alma pedia mais uma
oportunidade! Sua inteligência confiava no plano superior! Sua
espiritualidade vislumbrava o Cristo a aguardá-lo de braços
abertos!
Depois de mais algumas palavras
elucidativas, disse-lhe o mentor:
— Aí
também estão outros tantos adversários
do Cristo,
naquele tempo. Porque dentre os trabalhadores do Consolador, uns
são os mesmos
colaboradores de então, sendo outros
dos grandes adversários,
compenetrados hoje da sublimidade do ideal cristão, e em serviços
reparadores. Não há favor nem despotismo em Deus; o que há é
justiça e oportunidade para todos que se fizerem disso merecedores.
E
volvendo à nossa região-moradia,
foi Antônio entregue ao círculo de atividades preparatórias
do reencarne.
Volveria à carne, mais uma vez, em serviços de auto-redenção.
Julgue quem quiser, se fazer o mal é ou não é perder tempo, por
desvirtuar o sentido progressivo da própria existência.
EM CONTATO COM A FAMÍLIA
Muitos meses se
passaram, muitos trabalhos foram realizados, grandes experiências
nos foi possível acumular antes que nos fosse dito qualquer coisa no
sentido de comunicação com a família. De nossa parte mantínhamos
o colóquio perene; mas o contato era unilateral. Durante as dormidas
do corpo,
mantínhamos relações de entendimento. Mas a falta de compreensão
e insuficiência psíquica, o descuro prolongado dos sagrados dons
latentes, tornava-os refratários
às melhores possibilidades de memória. E não buscavam as sessões
para fim
educativo;
queriam apenas sorte
e paz.
Todavia, assistiam a quase todas as sessões realizadas na casa de
Jasmim. E o efeito era benéfico; cessaram os desassossegos, o moral
levantava-se, as coisas do céu começavam a ser discutidas e iam
substituindo as preocupações exclusivamente materiais. Aos poucos,
o egoísmo
ia cedendo lugar à caridade,
despertava a consciência, nascia o HOMEM ESPIRITUAL, rompendo a dura
casca do animalismo, dantes tão rija!
Foi
então que Manoel nos dissera:
—
Hoje, Ambrósio,
falará aos seus por intermédio de Jasmim. Dirá aquilo que bem
entender, de par com o seu próprio modo de sentir. Afinal, para se
falar de certas coisas, são-nos impostas restrições; mas, no seu
caso, nada nos foi recomendado; não há nada em suspenso ou carente
de licença. Saúde-os, estimulando-os ao bem. Observe-os, mas como a
irmãos. Provoque a autoconfiança, mas considerando os percalços da
vida e as necessidades de sacrifício próprio. A visão do plano
superior não deve tolher as funções normais da vida, bem como
estas nunca se devem levantar contra o sentido
progressivo,
que é a finalidade
da existência.
Entre meios e fins, o homem sensato faz balanço sério, convindo em
que tudo
que prejudica os fins deve ser posto de lado.
Lembre sempre e passe adiante, o sentido daquelas palavras do Mestre:
"Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça e todas
as demais coisas vos serão dadas de acréscimo." Como o reino
de Deus é de ordem interna e só por progressos morais e
intelectuais poderá ser alcançado, em desdobramentos, em
patenteações, fale-lhes de modo a que possam ir deixando de parte
os cultos formais do mundo religioso. Bem vê que em nossos planos,
tudo é questão de extrair, elaborar e repartir, seja
espiritualmente ou materialmente, moralmente ou mentalmente, os
recursos inerentes à criação, em suas várias densidades. Incuta,
pois, em suas mentes, que estando o grande tesouro dentro
de cada um,
aí mesmo deve ser buscado, elaborado, cultivado e, em seguida, feito
o sagrado serviço de emprego coletivo, pois todo aquele que tem,
para servir é Deus. Deus
serve a uns por intermédio de outros.
Buscar na fonte os valores totais e distribuí-los, eis a Lei de
Deus. Diga, enfim, que é preciso erigir na consciência humana,
templo para o culto da vera Religião!
Ouvido religiosamente, deixou-me a sós
o companheiro de tão belas jornadas de reconquista e recuperação,
em variados sentidos. Saiu rumo aos seus quefazeres.
Deixei-me
ficar entregue aos devaneios naturais, a esses reminiscentes que nos
abordam o pensamento, nos invadem o domínio da alma toda, nas
vésperas de desfechos afetivos. Quando a noite estendeu o seu manto
de silenciosas sombras, envolvendo a paisagem em seus refolhos
sonhadores, fiz o caminho que medeia entre a morada de hoje e aquela
de então. Cheguei precisamente quando Jasmim atendia a alguém, uma
senhora, carente de aplicação
de mãos
e água fluida. Não sei porquê, mas sinto um ato desses como coisa
mais séria que doutrinar um irmão.
Manoel,
de pronto, atendeu ao apelo
mental da médium.
Apresentou-se sorridente e, com o seu costumeiro senso prático,
visualizou figura triste de mulher desencarnada, pesando
dolorosamente sobre a encarnada. Era um espírito sofredor, uma
mulher de coração inflamado, a blasfemar, a derramar em tom
impaciente e sem rodeios, toda a angústia de que era geradora sobre
a encarnada,
prejudicando-a, provocando-lhe estado bem acabrunhador. O coração
entumecido da morta pesava
sobre o da viva
por meio de filamentos densos, tão densos que à primeira vista se
diria poderem ser vistos por qualquer encarnado.
Quando
Jasmim colocou sua mão espalmada sobre a garrafa contendo água,
orando em seguida ao seu guia, Manoel, este já havia convocado aos
serviçais próprios, funcionários em departamento competente.
Vieram dois amigos nossos, como viriam dois médicos do mundo carnal,
de malinha cheia em recursos. Estudaram a queixosa mulher, convindo
em que sua doença era derivada da influência estranha, apenas. E
derramaram na garrafa do conteúdo de três frascos. Eram extratos da
flora astral, química a que chamarem transcendente. Apenas matéria
em grau quintessencial, nada mais, aplicada
por parte de mortos aos vivos.
A ressonância, para efeito de reação eficaz, está nas gamas
fluidas da própria composição física do ser encarnado. Do
espírito à matéria mais densa, todos os graus dos gases, dos
vapores, dos líquidos, são dotados de poder de absorção. E o
resultado apresenta-se no organismo, independente do conhecimento de
quem é campo para tais elaborações. Um pensamento são, de paz e
saúde, faz que funcionem bem as glândulas de secreção com que se
relaciona, principalmente o fígado e o pâncreas, grandes
responsáveis por muito daquilo que de melhor ou pior se passa no
corpo humano.
Durante
a preparação da água, Manoel falou aos
ouvidos espirituais da médium
mais ou menos nos seguintes termos:
— Essa
irmã errou muito, tendo feito sofrer sua mãe. Ambas se
entrecomprometeram perante as leis de equilíbrio interno, onde
repercute a lei de Equilíbrio Universal, a chamada lei de Deus.
Conturbadas as mentes, conturbado fica o metabolismo em suas gamas
mais íntimas. Com a continuação então surgem as erupções, vêm
à tona os desequilíbrios mais dolorosos. Cumpre agora, para que
sare a encarnada, processar
a cura da morta.
Com orações, passes, água fluida, desejos de paz e saúde, tudo se
tornará fácil. Dê-lhe um boletim sobre a água fluida, para que
siga à risca as recomendações. Dentro de alguns dias faremos
comunique-se a sofredora desencarnada, para efeito de esclarecimento.
Depois, conforme venham a se por as coisas, faremos aquilo que venha
a merecer a encarnada.
Os dois serviçais do posto de
fluidificação da água pediram a Manoel que captasse fluidos
luminosos da médium, aplicando-os à água. E Manoel fez um serviço
de mestre, absorvendo e logo projetando sobre o líquido as emanações
ódicas de Jasmim, que formavam em torno dela uma roupagem de luz
azulada. A médium suspirou profundamente, parece que sentindo a
perda fluídica. E a água passou a brilhar com belíssimo colorido
azul.
Em
seguida, foram-se os dois e ficamos a sós. Jasmim deu um boletim à
irmã doente, onde estava impresso o que devia fazer e recomendou que
cumprisse o que aí se achava ensinado. Se não souber ler, disse,
coloque o boletim debaixo da garrafa, durante a noite. Hoje conheço
a
força do pensamento
e sei como faz bem pensar em coisas boas e manter preocupações
elevadas, de paz
e amor. Amar os maus
é uma necessidade tão grande como abominar o mal. Nunca poderemos
ser felizes enquanto conservarmos dentro de nós uma
parcela do mal,
seja sob qual forma se apresentar: rancor,
egoísmo, ressentimento, inveja, preguiça,
etc. É preciso amar, amar
constantemente.
A princípio isto não é fácil mas, pela oração, chegaremos a
descobrir motivos para amar o próximo. Começa-se orando por aqueles
a quem amamos de verdade, passando depois àqueles que nos fizeram
mal, perdoando-os e desejando-lhes felicidades. Este ato de caridade
projeta
uma antena luminosa
às mais altas esferas, por onde descem fluidos sublimes. Além
disso, a boa disposição atrai os agentes do bem e da paz que, aos
milhares, cruzam o espaço para auxiliar os que se esforçam pelo
bem.
A
mulher também se foi, carreando o seu fardo, o seu lastro de
angústia, mas já vencendo um bom pouco da pressão
que sofria de sua mãe
desencarnada,
em virtude de faltas cometidas. O primeiro passo estava dado. Só
restava prosseguir para a melhoria de ambas. Quantos casos iguais
existem no mundo? A quantos sofredores do mundo, por isto ou por
aquilo, se poderia recomendar o mesmo programa de recuperação em
todos os sentidos ou em alguns?
A
este respeito recomendo a transcrição do boletim. Eis uma ótima
atitude. De minha parte, pouco depois, chegou a hora de falar aos
meus. Falei de irmão para irmãos. Concitei ao bem, aos sagrados
desideratos, de acordo com as minhas novas concepções da Verdade.
Porque não é demais, talvez, dizer que parentes
consangüíneos é toda a humanidade.
Quando compreendermos isso teremos dado um grande passo à frente.
Mas é preciso compreender, sentir e viver essa verdade. Sem
vibrações de amor e bondade não há felicidade, há prazer, o qual
é como a fruta da limeira que na hora é doce mas depois amarga.
Amando os estranhos descobriremos novos encantos nos amigos e
familiares. Repetimos hoje aquilo que Jesus disse muitas vezes e que
não aparece nos livros: "Todos os homens são iguais em face
das leis que regem o universo; cada um, porém, colherá segundo suas
próprias obras."
Por
ora, é só o que tinha a dizer. Espero ainda, em futuros relatos,
poder abordar alguns interessantes episódios vividos nestas paragens
e que possam ter utilidade para os demais.
A
NARRAÇÃO
DE LICÍNIO
DÉDALOS HISTÓRICOS
Nenhum homem, por
não saber no presente nem quando venha a possuir conhecimento exato,
poderá fazer afirmativa qualquer com relação às leis a que se
acha jungido. É o ser um centro convergente e divergente, um mundo
espiritualmente capaz de captar e transmitir, nem ele sabe o que, de
forças e poderes. Está, por natureza, devido a valores ingênitos,
capacitado a manter relações com o todo interior, com o infinito
exterior, e por isso mesmo, predisposto ao íntimo arrolamento dos
feitos. Não sabe e não pode ainda, com certeza, equilibrar-se de
maneira elegante na justaposta realidade integral, relativamente à
origem
e ao fim;
mas, é um centro do infinito e possui em si as leis de relação,
que lhe facilitam agir, reagir, captar, elaborar, transmitir,
autogravar, etc.
Onde
está postado o homem? Falhas são as concepções humanas sobre
espaço e tempo, isto é, pouco pode o homem quando quer saber de si,
de
si alheando-se.
O ideal é, portanto, partir
de dentro para fora,
começar da célula-mater. É difícil? Não, pois as leis de reação
nos levam às melhores concepções. Diz o latim que quem
pensa é.
De fato, ser, pensar, sentir, agir, reagir, captar, elaborar,
transmitir, etc., são leis poderosas demais para serem negadas ou
renegadas por simples, possíveis e deselegantes meneios
negativistas. A sofística da negação é frágil por demais ante a
catadupa de maravilhas realísticas! Para pensar-se
é preciso ser-se,
e quem é, certamente, parte e relação do infinito e para o
infinito, muito é! Bem se faz, pois, em estudar-se o homem. Aquele
que de
si parte
em autodesbravamentos, grandes conquistas labora na vastidão do
universo!
Como
partícula infinitesimal, mas inteligentizada e consciente de um bom
passado histórico-evolutivo, passei a ser abalado por fortes repuxos
intelecto-morais, acontecimento que muito me fez meditar,
forçando-me, por fim, à consulta de mentores mais esclarecidos,
meus técnicos e outros tantos especialistas no assunto. Assim como
os ventos assolam os campos, os bosques, as cidades e as nuvens, ora
devastando, ora renovando, ou de qualquer modo forçando renovos,
assim foi, deu-se comigo, tangendo-me a um acabrunhamento, a algumas
introspecções.
Era como se forças tremendas do Cosmo, poderosamente íntimas, me
tivessem apanhado por capricho de seus irrecorríveis segredos.
Vi-me, cidadão pacato de uma cidade
astral,
incrustada esta, por sua vez, no mecanismo infinito do Cosmo, presa
de cruéis cataclismos internos! Como podia ser? Por que isso, sem
prévio aviso de autoridades superiores? Afinal, como para tudo há
explicação, apressei-me à inquirição necessária. Busquei chefes
e, por estes, com muito carinho, fui mandado aos técnicos do
assunto.
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
Sacudido por
esquisito vendaval interno, fiz todo o trajeto entre uns e outros,
até chegar ao local e pessoa indicada a fazer o possível, e que no
caso era o suficiente. Teóclito foi o homem do momento, o técnico,
o instrumento por onde Deus me facilitou entrar num saber que, por
sua vez, valeu como medida de salvação. Quando digo técnico, não
quero entendam a quem tenha feito um curso de competência, mas de
ordem formal, como se dá no mundo das configurações; é para o
lado fundamental que desejo pensem; esta técnica seria impossível
pelo processo de absorção formal de um conhecimento. Para o
exercício em causa, seriam precisos os valores dimensionais
superiores, a capacidade
de penetração,
o avanço rumo a outras medidas de extensão de leis. E Teóclito
argüiu-me bondosamente, havendo-lhe eu feito a seguinte explicação,
que me pareceu acertada:
— De dias a esta parte, caro senhor,
sem perceber nada no meu mundo exterior e nada fazer para a
modificação no interior, sinto-me presa e vítima de uns
arrebatamentos insuportáveis! Estivesse lá pelas raias da vida mais
animal, por superstição ou qualquer coisa, diria estar sendo
rondado pela morte, ou visitado por presságio menos feliz. É como
se tivesse dentro de mim um vulcão tétrico, um formidando revolver
de angustiosos e inexplicáveis acontecimentos. Sinto vontade de
correr, de afrontar e buscar tudo, contanto que venha a ter uma
explicação do que acontece, do porquê que o motiva. E é por isso
que venho de percorrer uma senda que me trouxe a incomodá-lo.
E o bom Teóclito, sorrindo, teceu
estas considerações:
— Bem
sabe que nunca nos julgamos incomodados ao ter que servir. É lei, ou
de lei, que as partes entre si tenham de auxiliar-se, para que a
Vontade Suprema seja servida. Quem
não auxilia ao menor,
ou àquele que assim julgue, não serve ao Máximo Espírito, à
Essência Total, base de tudo, que é Deus. No seu caso, também e
por acréscimo, conto com o pedido de muitos amigos, de muitos irmãos
junto a quem tenha elevados débitos a saldar, compromissos d'alma.
Farei o pouco que me pede e com o desvelo que me seja possível.
Apanhou-me
pelo braço e conduziu-me a um belo salão, de cuja janela se
divisava uma paisagem lindíssima. Fechou as janelas, fazendo questão
de escurecer o mais possível o ambiente. Depois, falou-me sobre o
mundo das forças
sutis que nos regem.
Disse-me que todos estamos a caminho de leis sublimes, marchando
lenta e seguramente, as quais estão em nós e as ignoramos. Que nem
por isso deixamos de ser por elas tangidos, quer para efeito de
relações em geral, quer para efeito de influenciar
e ser influenciado.
Falou do espírito superiorizado, como sendo aquele já de posse do
conhecimento dessas leis e capaz, ainda, de manejá-las à vontade.
Disse de mil coisas do mundo sublime que antevemos intimamente, que
está em nós por natureza, por sermos emanação divina. Depois, com
palavras simples, convidou-me a pensar firmemente nos acontecimentos
que vinha de me julgar vítima, esclarecendo que, pelas ondas
mentais
por mim emitidas, iria ter conhecimento com a causa.
Pus-me, mentalmente, a serviço do
amigo. Nesse momento, como em fenômeno de bi-locação, via dois
homens, um ao lado do outro, sendo um desencarnado e outro encarnado,
estando o desencarnado a transmitir seu pensamento ao outro, o qual,
por estranho mecanismo, o passava ao papel. Notei estarem os dois
plenamente conscientes e rodeados de outros agentes do mundo astral;
estes mui seriamente encaravam o serviço em curso. Tomei a postura
severa de todos, tendo ficado por longo tempo sob o domínio daquele
absorvente acontecimento. Logo após, ouvi alguém chamar-me pelo
nome:
— Licínio! Licínio!...
Ao dar por mim de novo, era Teóclito
quem me chamava insistentemente. Fiquei, por momentos, como aturdido.
Em seguida, uma grande tristeza invadiu-me a alma; era tão bom tomar
parte naquele conclave, onde um homem morto falava aos vivos por meio
de um cérebro para tanto disposto! Acima de tudo, a santidade do
acontecimento; e esta fora revelada pelos elementos componentes da
reunião.
— Era isso! — disse Teóclito
muito satisfeito.
— Mas isso o quê? — perguntei,
pois de nada me inteirava em vendo aquilo ou tomando parte, mesmo por
pouco, em tão augusta assembléia.
E Teóclito esclareceu:
— Aquele homem, deste plano, que
falava pelo encarnado em linguagem escrita, está relatando um feito
que em muito lhe toca também. É uma narrativa biográfica e
histórica — uma confissão. Como em tudo aquilo você tem parte e
responsabilidade, eis que poderosos contingentes de forças sutis
punham-no em contato com o feito, embora inconscientemente. Agora,
sabedor do que está ocorrendo, procure enviar apoio ao homem
relator, quer para auxiliá-lo, quer para colocar-se em terreno
positivo, isto é, dominando leis, para o serviço ser feito, também,
com o seu concurso. Isto trar-lhe-á vantagens várias, vindo, ao que
fiquei sabendo, a relatar a parte que lhe cabe como partícipe que
foi do grande acontecimento.
Eu estava maravilhado! Iria ter que
falar? Na Terra? Cercado de tanta gente nobre destes planos da vida?
Mas — que iria falar?... Inquiri a Teóclito; ele me olhava de alto
a baixo como quem descobre novidade num alguém sem outra
significação que não seja ser vivente e desejoso de progressos.
Depois de breve pausa, respondeu:
— Hoje
aconteceu, sem dúvida, algo interessante para mim e para você que é
um daqueles que tomaram
parte na crucificação do Divino Mestre,
de modo mais ou menos saliente e significativo. Isso vai nos dar
grandes oportunidades para belos estudos e felizes empreendimentos.
Teremos muito a rever com o nosso trabalho.
Essas informações bastaram para me
por a alma em angústia. Eu o matador do Cristo?... Como poderia
viver, até aquele instante, na santa paz de Deus? É bem verdade que
em matéria de encarnações passadas, de personalidades vividas, não
recordava tal tempo. Quando muito, conhecia apenas uma vida em que
havia sido surdo-mudo; além dessa etapa, tudo ignorância! Tudo
mutismo! Tudo treva!
— Não
deve se deixar sobressaltar por isso. Afinal, como viu, o homem que
tangia ao encarnado também é um dos culpados. Ninguém tem o
direito de pensar temerariamente com relação a um erro qualquer,
cometido pelo seu irmão de origem e jornada. Lastimar o erro e
procurar
saná-lo,
eis o dever de todos. Tudo o mais provém da inferioridade. Quem se
coloca na condição de juiz e situa-se como argüidor enérgico,
pode bem estar a preparar-se maus bocados; ao que lhe convido, amigo
Licínio, é estudar a questão a fim do seu testemunho constituir
boa instrução aos irmãos de aquém e além carne. O dever é
sempre no sentido de mais para o alto e mais para a frente.
Como ele fosse abrindo as janelas e
saindo em seguida, acompanhei-o. Descemos para os jardins da
residência, havendo-nos sentado debaixo de frondosa árvore. Em
frente estava localizado um grande lago. Os peixes saltavam,
espadanavam, pondo à vista suas colorações nos saltos dados. Tudo
ali era e é belo, sem ser um plano muito superior. Respira-se paz
por tais paragens e já é o bastante.
Quando me despedi de Teóclito, estava
comprometido. Ele, por sua vez, falaria aos chefes para conseguir-me
mais tempo, a ser aproveitado nos serviços de que vinha de se tornar
sabedor. Deixei-o nos jardins e fui para minha casa, situada bem mais
no centro da grande cidade.
Ao
chegar ao lar, fui para o quarto sem pronunciar qualquer palavra a
quem quer que seja. Queria orar, pôr-me em contato com Deus, bem lá
nas profundezas de mim mesmo, depois de mergulhar o mais possível
nos domínios de minha consciência. A seguir, dormi umas horas.
Quando acordei e fui para a sala, minha irmã Darci contou-me o que
eu havia falado durante o sono. Embora possa parecer aos encarnados
um
pouco estranho
nós possuirmos um corpo
para tais fenômenos, essa é a verdade: temo-lo. Esta
vida é prolongamento dessa,
em tons os mais variantes, isto é, variando as intensidades
fenomênicas ao infinito. Aqui há de tudo e mais aquilo que aí não
se pensa ainda! Quem quiser certificar-se, espere um pouco. Mas,
muita prudência! Para que lhe não toque, por seu turno, ficar a par
somente dos planos abismais, onde a Terra pareceria, em confronto,
lindíssimo paraíso!
DE NOVO COM TEÓCLITO
Qualquer coisa de
superior devia estar se passando, julgava eu, então, para explicar a
facilidade com que me colocavam ante acontecimentos interessantes.
Fiquei ao dispor de Teóclito desde o dia seguinte àquele em que
pela vez primeira estivera em sua residência. Passei a tomar parte
em reuniões, cujos membros falavam de serviços
junto aos encarnados,
acentuando no falar, no sentir, e fazendo respeitar, ser o mister uma
como missão de bem alto determinada. A prosa era boa, os novos
amigos muito atenciosos, a causa elevadamente santa! Tudo era
matizado com pureza, tudo era respeitável! Falavam de coisas
desconhecidas para mim, pondo em evidência sempre, a significação
do próprio Evangelho!
Fazendo
amizade, fui penetrando nas questões. Eram trabalhadores do
Consolador restaurado, daquela igreja do Cristo de fato consolidada
sobre a Revelação, no dia de Pentecoste, com o chamado batismo de
Espírito Santo. Ganhei um livrinho intitulado: "O ALICERCE DO
CRISTIANISMO" e nele aprendi tudo quanto de melhor poderia saber
quem bem lesse e melhor entendesse, no mundo, todos os textos sobre o
derrame do Espírito, tal como vêm de ser expostos, a começar do
Velho Testamento. Estão expostos os textos descritivos de um derrame
de dons sobre a carne, e o autor explica o espírito
do texto,
separando o despertar dos dons e, por estes, a possibilidade de
relações interplanos. Não confunde entre os dons e os espíritos
comunicantes, como é comum entender-se pela leitura de textos, visto
cada autor sacro ter entendido e contado à sua maneira. Pelos textos
explicados, Jesus veio a ser o derramador do Espírito, o
Homem-Símbolo que abriria à humanidade uma nova
era,
onde a Revelação, tornada de conhecimento público, faria um
serviço de informante
progressiva.
Fiquei
ciente da missão do Precursor, que era anunciar a chegada do
batizador em Espírito, daquele derramador de dons e revelações,
tão aguardado. Soube ter tudo seguido
uma trilha
pura e francamente integrada nas disposições do Supremo Senhor. O
Cristo sucedeu ao Precursor na
hora exata,
começando a evidenciar os poderes dos dons despertos. A seqüência
de feitos, diz o livrinho, é atestado da prova que o Mestre
oferecia, dos valores efetivamente representativos dos dotes
internos. Tudo queria dizer: DESPERTAI-VOS!
Depois
do Cristo ter feito uso dos dons despertos, reclamando para eles toda
a atenção — pois sem esse despertar ninguém se tornará superior
— fez notório o fato de haver, para depois da crucificação, um
acontecimento que seria o qualificado de batismo. Os Apóstolos
aguardavam o batismo! Esperavam um acontecimento, para eles de
Revelação superior, testemunhante da volta
do Cristo em Espírito
— aquele que era, de há muito (desde os Profetas) aguardado como o
fenômeno testemunhador do próprio Cristo.
O
livrinho especificava bem ser desse dia em diante vigente a igreja do
Cristo, sem
donos e sem formalismos,
mas à base pura de AMOR e REVELAÇÃO. Desse acontecimento em
diante, é que os Apóstolos saíram apregoando, ter-se de fato dado
o batismo de Espírito, o testemunho de Jesus ter sido o Cristo. E
como os textos estão todos na Bíblia dos homens, quem quiser
estudar é só lê-la na parte referente ao batismo de Espírito, a
contar da promessa, isto é, do que se lê no Velho Testamento.
Informa
o livrinho que predicara muito o Mestre em torno da corrupção
que os homens lavrariam na igreja; que um dia haveria restauração,
citando mesmo o nome do agente por meio de quem esta se daria. Faz
citações em torno das questões corrompistas, colocando Roma
como centro corruptor, por banir a Revelação,
o culto puro e simples, e estabelecer em nome do Deus Único e do
Cristo, aquela onda de formalismos vendáveis, aquela avalanche de
fraudes, idolatrias e burlas, que de então passaram a medrar pelo
mundo como se fosse Cristianismo!
Após tantas informações a respeito do tempo de duração da
corrupção, entra a falar na restauração, tecendo considerações
sobre o Espiritismo, como sendo a igreja do Pentecoste restabelecida.
Com
esses princípios, disseram-me, estava capacitado a saber
mais.
Era o que eu desejava, dado não me sair da mente a oportunidade de
comunicar-me com os irmãos da carne.
DIAS DE RECONHECIMENTO
O dever do homem,
encarnado ou desencarnado, é subir
sempre
na escala dos conhecimentos e da purificação, para poder dar,
praticamente, testemunho de ser cooperador feliz no movimento de
progresso das almas irmãs. Quantos são os modos e meios de
progredir? Por quantas gamas se filtra o saber integral? Ninguém
precisa assustar-se com a vastidão do programa, porque a
vida é programa infinito
e ninguém é aluno, obrigado a aprender de hoje para amanhã, a
lição que lhe seja dado estudar. Basta não se percam oportunidades
sadias, para estar-se quites com a lei de progresso contínuo. O
fulcro da questão é MORAL; aliada ao SABER, eis que surge o
indivíduo-autoridade, eis que desponta à claridade do sol da
existência, a divindade característica da lei de origem! O que é,
por natureza, evidenciou-se; o que estava a cargo do sagrado direito
de auto-organização, por labor
interno,
pela proficiência do ser, patenteou-se. Procrastinado foi o homem
inferior pela chama interna do homem-Deus! É o Cristo revelado por
Jesus, como interior ao homem, que foi pelo homem exposto, para que o
gozo de tal glória entrasse para o seu patrimônio. Belo, sem
dúvida, o catecismo da própria vida! Fundamenta-se na lei de
necessidade interna, nunca na sanha dos conchavismos humanos. A
igreja
de Jesus, tal como o catecismo daqui ensina, reclama da parte do
profitente, AMOR, REVELAÇÃO e CIÊNCIA, sem o que não haverá quem
possa se dizer autoridade. Se a igreja dos homens professa em
contrário, sem dúvida é porque houve adulteração.
E houve mesmo! O céu, que vem por evolvimento em AMOR, REVELAÇÃO e
CIÊNCIA — o céu do Cristo — não pode ser sectário; mas o céu
das religiões, esse nunca deixará de sê-lo. Para o não ser, só
mesmo havendo uma filosofia que seja a FILOSOFIA, uma ciência que
seja a CIÊNCIA, uma religião que seja o sentimento gerado, a
conseqüência do determinado pela FILOSOFIA e CIÊNCIA, o sentimento
de UNIDADE com Deus e de FRATERNIDADE entre as partes manifestas do
próprio Deus, que é ao que se
chama Criação.
Religião não é um programa formal. Religião não é amontoado de
façanhas convencionais. Religião não é soberba sectária.
Religião
não é viver à custa da fé.
Religião não é servir a culto externo algum. Porque Religião é
consciência da origem, é respeito pelo plano geral, é devoção às
Sagradas Finalidades. Religião sem FILOSOFIA, sem CIÊNCIA e sem ser
conseqüência daqueles dois fatores básicos, não é Religião: é
apenas cambalacho de homens, rotulado de Religião, para que
estômagos se forrem, bolsos se encham e orgulhos partidários se
refestelem. E a prova, têmo-la — cabal e inconcussa — na
porcentagem elevadíssima de seres que emergem dos vários painéis
religiosos do mundo, em demanda aos planos da inconsciência
espiritual,
do limbo e das guelras hiantes da dor!
Eis o que digo, eis a palavra de um
experimentado. Fala a minha experiência. Poderia calar-me; de pé
ficariam sempre — intocáveis — as dolorosas realidades! Se o
pranto se fizesse sentir em sinal de protesto e se os rincões tredos
pudessem apresentar-se à vista dos homens encarnados, falar-lhes
como advogado, discutir a falsa lógica dos amontoamentos clericais
do mundo, por certo que os homens ficariam a ouvi-los, senão por
senso da verdade, pelo menos por temor aos horrorosos quadros, às
dolorosas evidências!
Qual a razão por que assim afirmo?
Porque
um dia, livre das demais obrigações, completamente ao dispor dos
amigos notórios em serviços consoladores, comecei a receber
instruções e a visitar planos erráticos
inferiores.
De quantas coisas tristes tornei-me conhecedor! Quanto de doloroso
medra pelas almas! Como se desviam para monstruosidades tais,
espíritos cuja origem já os vota aos gozos indizíveis? E diga quem
quiser que as religiões sempre ensinam bem! Ensinar
bem é
acompanhar a necessidade evolutiva dos seres, palmo a palmo, nos seus
avanços. Quem
sabota o ensino
do qual se faz carente, por evolução, por avançamento do poder
assimilativo, nada mais faz que coagir à rebeldia, ao crime e às
trevas
conseqüentes. Tal tem sido o procedimento dos homens que muito falam
em Deus, mas de um Deus engarrafado, um Deus que cabe em pílulas, um
Deus que lhes garante louçã vida animal, econômica e exclusivista!
—
Agora — falou-me
um dia Teóclito, que é um espírito muito mais poderoso do que à
primeira vista se poderia supor — você irá conhecer o processo
usado por nós, de
ordem superior,
para orientar a tais irmãos. Tendo visto como vivem outros de nossos
irmãos, nos mais variantes estados de prostração e dor, facilmente
poderá imaginar como teve que viver por muito tempo também. Porque
você vem, irá ver, de libertar-se, faz pouco tempo, de jugo
doloroso por encarnações penosas e estadias prolongadas em reinos
de pranto e ranger de dentes.
— De
fato — intervim — pressinto ter cometido qualquer coisa muito
grave. O que sentia ao visitar esses planos abismais,
parecia-me como reviver
tempos lá vividos, angústias bem curtidas por esses países. Tinha
como que um quadro por mim mesmo pintado, ante minha visão de
espírito e gostaria de fazer alguma coisa pelos que por lá, ainda
infelizmente, transitam.
Sorriu
inteligentemente o bom Teóclito ao ouvir meus protestos humanitários
e sensatamente ponderou:
—
Complexo é o
problema. Se bem marche a humanidade para melhores dias, e as
doutrinações se dêem em maior escala, com o conhecimento dos
homens de boa vontade, e por suas diretas intervenções, também é
certo que em Deus não houve nem jamais haverá licenciosidade.
Ninguém pena, amigo, sem ser seu, e justo,
o penar!
Você vem de ser beneficiado, desde algum tempo, com o esquecimento
temporário
de suas ações passadas, em virtude da recuperação elaborada.
Agora, porém, que entrará no domínio das recordações, por via de
serviços por prestar ao Consolador, em
curso maravilhoso no mundo,
não queira saber mais em matéria de justiça do que o próprio
Deus. Viu para saber; conserve a sabedoria para produzir, mas faça-o
no âmbito das leis de causa e efeito. Não está sendo chamado a
servir de juiz junto a irmãos em purgação e muito menos ainda, da
Suprema Justiça. Considere que sendo de ordem interna o céu, que
pode ser gozado ao infinito, também o é, o inferno; este,
igualmente, conta da parte do espírito as mesmas naturais
prerrogativas para recalcar ou exaltar. Peço-lhe, porque de mais
alto lhe ordenam, saiba fazer o bem, sem, contudo, indispor-se com a
Suprema Justiça. Ao ser obrigado a comparações entre o sofrimento
de alguém e o rigor da Lei, saiba que o rigor da Lei é aplicado
pelo espírito,
nunca por Deus! De Deus vem tudo, mas genericamente;
despertar para o bem ou para o mal e fruí-los, isso pertence ao
próprio espírito.
— Mas — obtemperei — e se o
espírito não conhecer semelhantes regras fundamentais?
Brando, respondeu Teóclito:
— De
um lado, amigo, por natureza ninguém quer sofrer e isso basta para
que saiba e sinta não ter que causar sofrimento a quem quer que
seja. De outro lado, deve convir terem vindo todos os ensinos, desde
os Vedas, com o sentido de forçar
o conhecimento das origens,
do plano evolutivo e das finalidades por atingir. Os verdadeiros
ensinos, em que pese terem surgido aos poucos e progressivamente,
sempre apareceram pela Revelação,
pelo intercâmbio entre um plano e outro. Portanto, de que Deus
surgiram no mundo cleros formais? Com que autorização levantaram-se
organizações profissionais de exploradores da fé? Dizem, os
simplórios, que em nome da necessidade de cultivar a idéia de Deus.
Nada mais ridículo! Pois se o ser é em si de origem divina; se
comporta virtudes; se pode entrar em relações com os do outro plano
da vida e assim foram vindos todos os ensinos, onde a autoridade
daqueles que, à custa de implantarem formalismos sabotadores do
progresso, truncam
de fato o modo clássico, puro, leal e insubstituível de cultivo
espiritual?
Por onde, afinal, deve-se conhecer as coisas atinentes ao espírito?
Pelos formalismos forjados por homens e sob cuja dependência vivem
cardumes de parasitas da sociedade? Não; um conhecimento sugere
outro, ao passo que um formalismo só a outro formalismo é capaz de
estimular! A lei do espírito é a investigação consciente,
contínua e ungida de amor. Para tanto, sempre deveria ter ficado de
pé o culto moralizado e puro da Revelação! Eis, amigo Licínio, o
que se restaura no mundo. Eis o porquê de tanta repetição em torno
da mesma questão. Aos trabalhadores inferiores, a esses, pouco ou
nada de compreensível se diz e pede... Há, por conseguinte,
necessidade de que outros, mais experimentados, compenetrem-se da
grande
reforma que bate às portas da humanidade
da era presente. Queremos; sabemos o que queremos e por isso mesmo
tangemos no sentido de libertação de consciências. É hora de
saberem os homens que do céu interno, de Deus, ninguém se aproxima
sem ser por aproximar-se de si mesmo. E para tanto realizar, só
pelos caminhos também internos da moralização
e do saber!
Eis o que terá que dizer no mundo dos encarnados, ao se comunicar
pelos canais mediúnicos.
Fez breve pausa, meneou de certo modo
a bela cabeça, para acrescentar de modo significativo:
— Não
se esqueça de que serviço idêntico está sendo feito por muitos
daqueles que truncaram, aparentemente, o andamento do Cristianismo
nascente. É da Soberana Vontade que todos tenham oportunidades de
dar o seu testemunho, no mesmo campo em que tiveram a infelicidade de
falir. Ambrósio, aquele que viu na transmissão de idéias, também
foi
um dos que
moveram calcanhares contra a Causa do Mestre. Afianço-lhe que essa
regra se irá prolongando, visto os adversários
da restauração,
mais tarde ou mais cedo, uma vez tornados merecedores, terem também
que fazer sua parte...
Por
mim, estava saturado de ensinos. Como vinha de viver, desde criança,
pois da última vez desencarnara com apenas três anos, uma vida
alheia a tais cogitações, muito me parecia aquilo tudo. Tinha lido,
aprendido, ouvido, cultivado e me dado por satisfeito, com o que era
em geral ensinado nos nossos santuários, onde o
sentido histórico
nunca tinha chegado a ser levado a sério. O fundamental era tudo e
este cingia-se a poucas regras e muitas obras, nenhuma formalidade e
respeitos integrais aos reconhecidos valores. Muitas vezes, tinha
ouvido a Espíritos superiorizados dizerem:
— Na
face obscura do mundo e nas zonas inferiores, prevalecem leis menos
intensas. Muitas vezes, dado as falhas
na organização de um caráter,
uma grande sabedoria faz um grande negador de soberanas verdades.
Tudo, portanto, por semelhantes plagas da vida e do universo, deve
partir
de baixo para cima,
do saber mais tosco rumo aos conhecimentos por vezes apenas
empíricos. Aqui,
depois de tanto marchar o espírito pelas vielas de vidas e
experiências outras, tudo
se torna fácil.
É como
ver-se tudo de cima para baixo,
do fundamental para o relativo, do espiritual ao material. Os
problemas Deus, Cristo, imortalidade, evolução, reencarnação,
comunicação, pluralidade dos mundos habitáveis, etc., com nada se
provam, com pouco se sente e muito se vive. Como tudo parte de leis
que nos são superiores, cogitar sobre sua justeza seria absurdo;
jamais poderíamos assim pensar com respeito aos problemas de ordem
moral. Estes tocam-nos diretamente em qualquer tempo e local. Se bem
tenhamos mais fortes elementos de cooperação a dispor, já pela
evolução feita, já pelo meio ambiente excelsamente favorável, nem
por isso deixam de estar, essas responsabilidades, a nos afetar
diretamente. E como o mundo material reclama,
no presente, a
reencarnação de seres superiorizados,
eis que, para vencer em meio tão denso quão inferior, cumpre
armar-se de toda
cautela possível.
Tudo isso, para mim, tinha parecença
daquilo que ocorreria com os outros. Não me dei, jamais, depois de
ter crescido e ficado adulto por aqui mesmo, ao serviço de pensar
que um dia isso me calhasse por turno. Agora, ante as explanações
de Teóclito e o cogitar contínuo de tantos vultos, em relação ao
caso, sentia-me como avassalado por um novo mundo de coisas por
vasculhar. Estava assoberbado de serviço mental!
PRIMEIRA VIAGEM À TERRA
Um dia, quando um pouco daqueles
arroubos pungentes me sacudiram ainda o ser, falei a Teóclito, irmão
sob cujas ordens fiquei. Sem perder tempo, o bondoso espírito
convidou:
— Quer ir até onde está
trabalhando aquele nosso irmão?
— Quero! — respondi afoito, como
se tivesse sido contemplado com divinal graça.
Quase sem perceber, vi-me ao lado do
irmão que transmitia sua palavra por meio de um homem que se achava
sentado junto a uma máquina de escrever.
Notei a dificuldade do trabalho, em
virtude de o encarnado, como diremos?, viver bem menos depressa que o
desencarnado. De paciência, muita paciência, tinha de fazer-se ele
cultor, para poder transmitir. Levando em conta o quanto de
consciente é o homem, pode-se imaginar o trabalho dificultoso e os
aborrecimentos, com a diferença de concepções, o que motivava,
muitas vezes, estacar por minutos e horas o prosseguimento do relato.
— Eis
aí
— falou-me Teóclito — como
se faz uma transmissão aos encarnados,
como foi realizada em todos os tempos. Variando, embora, os tons
mediúnicos ou mesmo os padrões, a Revelação sempre foi feita na
base de intercâmbio dos dois planos. O Senhor que falava no Velho
Testamento, os Anjos do Novo e os Espíritos do Novíssimo, com a
restauração, tudo significa uma só e mesma coisa, uma lei em curso
para um fim emancipador. Dessa lei valeram-se, e valem-se, todos
aqueles que viveram e os que se acham presentemente no mundo, lutando
para a melhora do planeta
em geral. O Cristo veio a esta pesada atmosfera, forrou-se
de carne e ossos como os seus irmãos,
tendo feito, à custa de ter os dons desenvolvidos ao máximo, tudo
quanto já é do nosso conhecimento. Veja bem, portanto, qual a
significação do batismo de Espírito Santo, simbolizando a
manifestação dos dons e a comunicação dos espíritos. Esse ato
profético-simbólico deu-se no Pentecoste, e não
fosse a corrupção
vinda posteriormente, onde estaria a humanidade postada, pelo menos
em conhecimentos, contando com um lastro de quase dois mil anos de
Revelação ostensiva e em bases evangélicas?
A assembléia de ponderados vultos que
rodeava o espírito relator fez sinal afirmativo com a cabeça. Eu,
como de hábito, simples estudante, signifiquei o meu respeito à
afirmativa com um silêncio respeitoso.
Avizinhei-me
e fui ler no papel; o irmão relatava fases de suas vidas, uma delas
tendo sido aquela em que foi
contemporâneo do Mestre
e onde teve a infelicidade de se tornar um dos criminosos da maior
tragédia do planeta. Segundo me dissera Teóclito, também tive
parte infeliz na dolorosa conjuntura. Hoje, tudo bem revivido, afirmo
o acontecimento. Custou-me isso muitas dores e provas! Um dia,
liquidadas as faltas, voltei ao mundo e desencarnei como um menino de
três anos. Cresci
no mundo astral
e prossegui numa vida exclusivamente espiritual. Já relatei como vim
a saber de tudo isso, que é o motivo pelo qual me acho presente,
leitor irmão, com um pouco de minha história. E você, irmão em
origens e destinos, que terá feito? Que ações vantajosas ou
desvantajosas pesarão sobre o seu arcabouço de responsabilidade e
direitos históricos? Veja, pois, não julgue! E se tiver de julgar,
observe este ensinamento: "Não julgueis e não sereis julgado;
se tiverdes de julgar, porém, fazei-o com piedade, uma vez que
difícil vos é conhecer a reta justiça".
CONVERSANDO COM AMBRÓSIO
Existem verdades,
ou matizes da VERDADE,
de
que nem por exagerado cálculo podemos ainda cogitar. Estão muito
acima de nossas possibilidades de análise; mas, vivem em nós e nós
vivemos nelas. Que somos, então? Somos herdeiros de celestes dotes,
a que devemos dar todo culto assistencial, para podermos despertá-los
e gozá-los. Todavia, o que se sente, embora não se entenda ainda,
nem por isso deixa de ser sublime em sensações d'alma. Tal se deu
comigo, quando pela primeira vez deparei com Ambrósio transmitindo
recados deste plano aos ainda imersos nas densidades do mundo físico.
Qualquer coisa se me moveu no fundo do ser, provocando incontido
desejo de travar relações com ele. Queria saber de onde vinha, o
que fazia e por quê; não por mera questão de curiosidade diletante
ou comparativa, pelo que dissesse respeito ao mundo psicológico;
mas, sim, por um sentimento indefinível de profunda manifestação
afetiva e doce arroubo do coração. Emergiam-se d'alma e afloravam
nos horizontes da razão, incutindo-me o desejo de procurá-lo, todas
essas sensações sublimes. Como não soubesse onde encontrá-lo,
mesmo depois do nosso segundo encontro, ao caro amigo recorri,
inquirindo:
— Irmão Teóclito, onde poderia
encontrar-me com Ambrósio? Um sentimento arrebatador impele-me a
procurá-lo; parece-me, não sei bem, termos casos em comum para
resolver, algo de imensamente interessante. Contando o irmão com
vastíssimo cabedal de influências, pelos seus méritos, desejava me
proporcionasse um contato, caso não haja determinação superior
contrária.
— Tudo
— emendou ele com afirmativo gesto de cabeça — está sendo
guiado
de mais alto
e você segue o que lhe é inspirado,
digo mesmo, quase que inculcado. Gente muito próxima de você,
Licínio, está a lhe indicar o caminho certo e passos felizes.
Queira, pois, falar a Ambrósio. É um alguém merecedor, de fato, de
nossa estima, pelo que tem feito por recuperar-se. Sabe bem, Licínio,
valer a embalagem do passado como força incoercível, difícil de
ser vencida. Por essa razão, quem à custa de auto-impor trabalhos
cristãos faz por resgatar
parcela de grandes débitos, muito de respeito merece. Ambrósio é
dessa têmpera; faz por vencer-se, por triunfar sobre si, naquilo que
em si criou lastro condenável. Veio da carne há pouco tempo; se
cometeu alguns delitos, muito mais fez a bem daquela parte do próximo
mais carente de amparos e solicitudes fraternas.
Como
se fazia sublime esse homem, quando falava ungido de amor, de
esperança e fé, com relação a um irmão que lutava por
soerguer-se! O seu todo, embora o esforço em contrário, refulgia em
luzes de cambiantes colorações, que dele pareciam partir, em
demanda a outras paragens do infinito! Quem sabe, amigo, focalizado
por ondas mentais tão excelsas,
que manifestações não estaria a sentir Ambrósio, achasse onde se
achasse? Já sei que, muitas vezes, quando sentimos a presença de
Deus mais intimamente, outra coisa não está ocorrendo a não ser
que um Seu filho, mais avançado, com o seu pensar e sentir
divinizados, esteja a nos tocar com o cinzel do amor! Felizes
daqueles que fazem por merecer amor! Muito mais felizes, porém, são
aqueles que já sabem amar muito!
E Teóclito terminou, num adorável
convite:
—
Sentirei muito
prazer em apresentá-lo a Ambrósio. Uma parte me cabe em tudo quanto
vocês andaram fazendo... Conheço-os de muitos dias... Acompanho
seus passos há
muitos séculos...
Estive ao seu lado nos dias torturantes e nos momentos de alegria e
recolhimento... Vi-os, muitas vezes, cair e levantar, levantar e
cair, tornar a levantar e prosseguir na jornada... Contei suas
blasfêmias e decorei seus agradecimentos... Quer, pois, ter contato
com Ambrósio? Ninguém mais do que eu gozará esse momento de
felicidade celestial, ao ver que dois irmãos carnais de outros
tempos, novamente se apertam entre os braços, depois de uma
separação
de séculos!...
De
quase vinte séculos!
Nossos
olhos estavam marejantes; bem no fundo do meu ser, alçado nas
sublimidades de pensamentos tão evocadores, parecia-me ver deslizar
personagens pelas estradas poeirentas do mundo, seguindo caminhos
variantes, a perder de vista na esteira dos tempos... Pareceu-me um
autodespertar, tudo aquilo! Teóclito, imóvel à minha frente,
fitava-me com firmeza com seus olhos meigos; suas faces eram banhadas
continuamente por cristalinos filetes. Nesse momento uma nuvem
doirada apareceu diante de mim, foi tomando forma e uma glória
inexprimível fez-se presente!... Nem sei como lhes relatar tão
grandioso acontecimento: haverá um modo de exprimi-lo? Não posso
assegurar que sim; só sei é que parecia desfazer-me em pranto
feliz! O céu interior, mais intenso, afigurava desabrochar em mim, e
o infinito, como vindo todo ele em procissão de mundos e belezas, a
dar-me parabéns, pela prenda de Deus recebida! Sentia, então,
dentro de mim, a infusão
divinal:
eu, o espaço e o tempo, identificávamo-nos integralmente!...
Passado
o momento emocional, foi o Mestre
o primeiro a falar; sua voz era como uma melodia vinda dos confins da
eternidade e das distâncias siderais; sua personalidade como que se
desfazia em luzes e amores indiscerníveis; seu aspecto moral
impressionava como se fora a Lei de Deus personificada!... Tudo nele
era superiormente maravilhoso e tive a impressão de elevar-me aos
píncaros de celestiais moradas!...
Logo
tudo se modificara. Estava
como que na Terra.
Tudo havia se transformado; o cenário era uma realidade já vivida —
uma paisagem de mim bem conhecida. Eu tudo sabia, tudo sentia, tudo
via, embora não estivesse sonhando e soubesse estar sendo obrigado a
tais cometimentos; gozava o prazer espiritual de tamanha realidade a
revelar-se. Eu era juiz, expectador e réu, a um só tempo, ante
aquele perpassar de panoramas, tempos, personalidades, fatos
vividos!
Que maravilhoso modo de rever todo um passado de erros e
reconquistas!... Em seguida, de novo volveu o Mestre; mas lá ao
longe, incrustado no zimbório celeste, a ombrear-se com os astros da
mais bela noite deste mundo e de toda minha história de habitante
do infinito!
Teóclito sorria, não sei se com os lábios ou com o espírito
alcandorado. Percebi que olhava para o alto, para as regiões mais
extratefeitas, para as zonas interestelares, enfim, para as regiões
mais puras, por serem mais afastadas das grosserias da crosta; sua
boca balbuciava uma prece que eu não ouvia, e por isso não a
compreendia, mas que minha alma experimentava, ufana e rendendo
graças. Não sei qual a causa ou influência, mas Teóclito brilhava
como se fora um Sol espiritual! Aos poucos, volvendo a si, fez o que
era do seu conhecimento e poder, restringindo-se. Quando me igualou,
disse com simplicidade:
—
Recebemos a visita
do mais amigo dos amigos. Há qualquer coisa de significativo em toda
a manifestação do Mestre. Pense bem e estude a seus próprios
sentimentos, pois não duvido de que algo esteja por acontecer. Deve
ser uma oportunidade, seja no sentido que for. A
todos que muito erraram contra Ele,
jamais deixou de manifestar-se em tempo, demonstrando ser perdoador
pessoal e Mestre geral. Jesus nos acompanha, sempre e amorosamente;
consolados seriam os homens das baixas regiões e da crosta se se
lembrassem dessa circunstância! Afastam seus pensares, afastam seus
sentires e alegam não serem visitados... Quando lhes falam os
espíritos de Deus e lhes brada a consciência, atribuem o fato à
mecânica dos fenômenos de ordem psicológica rampeira... Não
concebem que em tudo aquilo que tange a razão e o sentimento, esteja
o
zelo de um Sentido Superior,
a bênção de uma ocasião de estudo, a oferta orientadora de uma
Autoridade Amiga; afinal, Licínio, por todos Jesus espera e poucos
esperam a Jesus.
Meditava na frase, quando ele disse,
com ares de quem não olvida uma obrigação:
— Vamos até a região onde habita
Ambrósio. Tenho pressa em me desfazer de um compromisso.
A
companhia de alguém bem superior, em certos casos, significa não
precisarmos ter vontade... Todavia, saltamos
para uma cidade e região bem diferentes,
inferiores em tudo um pouco, mas lugar de paz, trabalho e progresso.
Nossos corpos — digamos assim — por nossa vontade de
identificação, ficaram mais pesados, mais animalizados e menos
universais. Admirava como a
densidade do corpo tangia o espírito
a sentir menos, a vibrar frouxamente. Afinal, manifestava-se a lei de
relação entre o ser e o meio ambiente. Não é só por encarnar que
um espírito se vê constrangido a embotamento, forçado à lei
restritora; descer na escala das hierarquias astrais também é
submeter-se à mesma lei. Digo mais: havendo necessidade ou vontade,
esta em certos casos, fica-se acima dessa lei. Tudo, portanto, mera
questão de poder, querer e precisar. O que para baixo limita
faculdades, para cima chega a constranger. Muito para baixo,
procurando igualar condições, sente-se amargura por inferioridade,
por dor, por perigos e riscos; para cima, então, forçamo-nos por
superioridade — torna-se insuportável. A felicidade é sempre
composta, constituindo-se no produto de uma aliança de fatores. O
céu interior, pelo menos, deve estar em boas condições de sintonia
com o céu de fora. Quando um espírito dá preferência a um plano
inferior, por querer
auxiliar
a alguém inferior, ou servir de um modo geral, compensa-se
com a satisfação moral daí decorrente. Há, portanto, sempre uma
recompensa
para aqueles que se fazem merecedores.
Fomos
andando pelas ruas da bela cidade,
em busca de Ambrósio. Minha alma exultava! Parecia-me andar à cata
de séculos de vida e história. Quando chegamos frente a bela
moradia, falou Teóclito, acompanhando as palavras com suave gesto de
cabeça:
— Aqui
está ele escrevendo aquilo que depois transmite. Vamos aborrecê-lo
um momento. A seguir, como nos convém e ao serviço, tratemos de
deixá-lo em paz. Os trabalhos que está prestando são por demais
superiores
em valor coletivo;
merecem todo o nosso respeito.
Fiquei triste, muito triste! Pensava
ter o amigo, o irmão de outros dias e o companheiro de tantas ações
corretas e outras tantas erradas, por horas a fio ao meu dispor;
todavia, como acabara de saber que a filosofia é de uso vantajoso em
todos os momentos da vida, pus-me a pensar na justeza do alvitre.
Faça o servo aquilo que seja bom ao Senhor, porque em seu benefício
redundará.
UMA AGRADÁVEL PERSONALIDADE
Como exerce
diferença sobre o ser, ou suas manifestações psicológicas, o
tornar-se
consciente
das origens divinas e dos soberanos destinos da vida! É idéia,
admitida e tornada padrão ético, sucedem variações preciosas de
ordem psíquica. Eis o Ambrósio que vim de encontrar.
—
Quando para estas
bandas veio — informou-me Teóclito, enquanto dávamos entrada no
lar simples e feliz — era ele, ainda, portador daqueles caracteres
que definem o homem embutido no que de animal e econômico haja ou
possa haver em sua conformação de dignidade. Depois, porém,
tomando
conhecimento da lei,
a qual independe do raciocínio humano e que é transcendente a todo
e qualquer elocubrar relativo, cedeu aos imperativos do Amor
e da Razão
superiorizada,
lavrando em si significativa metamorfose. Seus próprios traços
modificaram-se à pressão de um ideal
de pureza
e necessidade de melhores conhecimentos. É esse o homem, o irmão a
quem irá conhecer. Embora tenha sido dele inseparável em
outras vidas,
agora é ou será uma amizade nova. É inferior a você em conquistas
hierárquicas, mas, não se esqueça, igual em natureza e destinos,
sendo que o plano de evolução, por isto ou aquilo, pode trair o
presumido, fazendo com que as situações se invertam, isto é,
elevando-se o de mais baixo e vice-versa. Sei do quanto é capaz em
bondade e em valores de fato; falo, porém, apenas para lembrar a
nossa falibilidade.
Não poderia eu, jamais, julgar de
outra forma as palavras de Teóclito. Eram sempre avisos e lembretes,
apenas. E como sabia e sabe ainda, a tudo matizar com seus requintes
de irmandade solícita! Seria incapaz de menosprezar ou tecer um
conceito menos digno, a quem pensasse ou sentisse revelando-se
inferior no cotejo do orçamento hierárquico. Porque, de fato, em
Teóclito respeitava-se tudo: simplicidade, ternura, devoção ao
dever, amor às melhores sapiências, etc., sobretudo ao dever
funcional! Não valia só por si; valia pela razão do que elaborava,
daquilo de que era órgão relator, por injunção de abalizadíssimos
mentores, de eméritos condutores.
Ao
darmos entrada na moradia
simples,
deparamos com simpática figura de mulher. Para ser franco, quem é
antipático em lugar atraente? A quem vi, jamais, por estes
continentes do bem, da paz, que pudesse dizer ser menos simpático? É
o homem mesmo quem tem natureza para influenciar e ser influenciado.
Com escola, propósitos e merecimentos, espírito crítico e vontade
de trabalhar, quem deixaria de somar seus poderes de manipulação,
de cooperador
na obra de harmonização em geral?
Assim, pois, esta mulher era igual, por dentro, ao plano que habitava
por fora. Os dois céus, diremos assim, conviviam bem junto desta
alma feliz a seu modo e possibilidades.
— Está trabalhando? Disso estou
certo — comentou Teóclito, sorridente, depois de apresentar-me.
— Dois irmãos de mais alto o estão
auxiliando na preparação do pequenino relato. Creio, porém, não
devem demorar. Ambrósio tem trabalho, hoje, na casa de Jasmim, e
estamos quase na hora...
Assim
dissertava a bondosa irmã, quando foram saindo da sala contígua,
três homens. Reconheci a Ambrósio, é claro; notei a elevada
catadura dos outros dois, na radiante personalidade. A distinção
dos altos seres é poderosa em sua simplicidade transbordante; mas
não deixa dúvidas, outrossim, pelo halo de indiscernível ternura
que os cerca, característica essa que, quando menos, de muito
prestígio dispõe e de muitas glórias imarcescíveis faz
eloqüência. Altos, muito altos, eram esses irmãos; nos excediam de
quase meio metro, sendo todos os demais ali presentes também
avantajados em altura; não sei se é do conhecimento dos encarnados,
mas aqui
se fica bem mais alto!...
Chegaram-se a nós conversando amavelmente, chamando-nos pelos nomes;
já conheciam a Teóclito, não a mim.
Prosseguiram
trocando impressões, os dois homens e Teóclito, enquanto Ambrósio
me conduzia para outro compartimento, onde nos sentamos comodamente.
Ali, uma menina de três anos e um menino um pouco mais crescido,
estudavam.
O álbum era desses que por aqui todos os escolares conhecem,
mostrando por gravuras coloridas os diferentes planos do astral, isto
é, uma geografia à luz de melhores verdades. Na capa encontra-se a
Terra sólida. Para dentro, vão aparecendo os como anéis paralelos
e superpostos, isto a contar do centro da esfera; e descrevendo
regiões, comprovam zonas hierárquicas ou a lei dos merecimentos. A
não ser no plano da carne, cada um mora onde deve morar!
Conceber e gozar, isso é lá com as realizações do homem e suas
possibilidades sensitivas; relativamente à Justiça, a Deus, à
Harmonia, nem há mais claro, nem menos escuro. Tudo é relativo ao
merecimento do indivíduo? Então tudo é, por si mesmo, justo. Por
justiça vive-se entre deuses e em esplendentes regiões? Então,
também por justiça, poder-se-á viver encafuado em tredos lodaçais,
em lúgubres países, em sofríveis regiões. Considere, portanto, o
homem como quiser, em torno ao limbo ou dos excelsos empíreos; o
dispositivo mecânico da Suprema Justiça só se fará conhecer pela
própria vida? Não se discute com ela porque ninguém a vê. Falam
os santos, anunciam os arautos, proclamam os grandes mensageiros!
Mas, se bem possam todos os bons viver a própria Suprema Justiça,
em gozo intraduzível, nem por isso se faz ela, que eu o saiba,
palpável em sua intimidade, em sua natureza. O bom encontra-a em
forma de paz e glória? Pois a ela mesma topará o ímpio, sob o
manto negro das expiações inenarráveis! Justiça
é justiça,
e de todos, faltosos ou não, ela está a par dos que em glória
vivem e daqueles que em pranto se afogam. Ladainhas convencionais,
arrependimentos de última hora, miscelânea sacramentista,
peditórios nauseantes, lamentações de qualquer jaez, nada
adiantam! É mesmo pelas
obras
que o homem se define ante a Soberana
Justiça!
Cultivem por conseguinte, amigos em geral, atos dignos de admiração.
Somos muito livres e não nos devemos perder por culpa própria, essa
é a regra por excelência!
— De quem são? — perguntei, mais
para forçar um início de prosa do que mesmo por desejar saber,
indicando as duas crianças.
— São de Deus. — respondeu-me
Ambrósio sorrindo — Quando fui trazido para esta casa,
encontrei-as como a filhos do meu amor e das minhas obrigações. São
crianças da região, administrativamente a cargo de certas pessoas.
— Então, amigo Ambrósio, as
famílias daqui também podem admitir crianças para educar, tal qual
na região onde habito?
— Para que elas eduquem pessoas
grandes, isso sim! Minha irmã viveu uma péssima mãe e como poderá
deduzir... Bem...
Por
segundos, meditei sobre o que acabara de ouvir e como não tinha por
hábito discutir o mérito da Legislação Superior, nem seus atos
executivos, contornei logo outros campos da cultura espiritual.
Ambrósio devia ter lido muito daquela biblioteca ali presente. De
tudo sabia um pouco, estendendo-se em certos setores específicos do
saber com maestria. Ao cabo de meia hora, lembrou seu trabalho junto
aos encarnados, convidando-me para acompanhá-lo. Nesse momento,
surgiu a bondosa mulher com dois copos sobre a bandeja,
oferecendo-nos o conteúdo — saboroso líquido com gosto de frutas.
Não sabia, quanto à solicitação de
acompanhá-lo ao trabalho, se aceitar o convite ou recusá-lo, pois
Teóclito nada me havia referido sobre os seus quefazeres. Contudo,
fomos para junto deles, ouvindo que falavam a respeito do relato de
Ambrósio, ou melhor, por ele transmitido. Com a nossa chegada,
disse-lhe um daqueles dois vultos:
— Contam com a sua presença,
Ambrósio, na sessão... Leve o amigo Licínio; quando terminar,
iremos buscá-los.
Partimos
pelos caminhos do pensamento,
cavalgando eu a vontade de Ambrósio. Chegamos, sem demora, junto de
uma casa bem pequenina e pobre, onde nobres vultos destas terras,
procuravam servir, em companhia de devotados e notáveis servidores
encarnados. O que era pequeno e pobre por fora, muito se multiplicava
em belezas e distinções espirituais. Jasmim, a médium de cor,
estava ornada de uma elegantíssima e absorvente vestidura de luz!
Almas amantes zelavam por todos os presentes, quais anjos de guarda!
Trabalhadores do bem, soldados do exército de Jesus Cristo,
batalhavam com amor junto de inconscientes e sofredores em geral!
Cada
um por sua vez, assim como reza o bom senso,
assim como ensina o Apóstolo dos Gentios, no Capítulo quatorze da
Primeira Epístola aos Coríntios, ia sendo conduzido para junto do
cadinho refundente da mediunidade gloriosa. Entravam brutos,
xingando, repelindo, etc.; saíam debruçados sobre suas próprias
reverências ao Sagrado Princípio. Uns agradeciam de um modo, outros
em expressões diversas. A totalidade, por tradição, errava
pensando em um Deus externo, em uma justiça de fora. Muito custará,
sem dúvida, modificar concepções ronceiras! Haja, porém, pelo
menos, boa vontade, para que, a custo, outras e mais justas venham a
ser as concepções com relação a Deus e Sua Justiça, por parte
dos espíritos do planeta. Muitos atribuíam tudo ao favoritismo de
Deus. Diziam: "Como Deus foi bom para mim no dia de hoje!"
— "Até que enfim, Deus se lembrou de mim!" — "Deus
que se lembre também dos outros que sofrem!", etc.
Tudo,
pois, respirando antropomorfismo,
favoritismo e necessidade de lembrarem a Deus! Quando surgirá mais
conhecimento
no cérebro humano, relativamente às verdades fundamentais? É
preciso, então, esforço, para imaginar sobre um Deus que a tudo
rege do interior para o exterior? É difícil conceber que Deus não
pode ser um esquecido? Seria preciso apelar para a lógica, sem ser a
comum, a fim de notar que a Deus não é preciso que se lhe peça
Amor, Justiça ou qualquer daqueles atributos que constituem Sua
natureza? É que, acostumados a desleixar dos divinos bens, queremos
depois admitir que, apelando por favores de fora, venhamos a ser
melhor aquinhoados, perdoados ou tornados puros e sábios, por
mágicas tais. Ninguém, contudo, receberá coisa alguma que não
seja por justiça! Nos
abismos medram bilhões de seres
que gritam: Senhor! Senhor!... mas que, infelizmente, descuraram dos
Seus ensinos, quando ao tratar com os irmãos de jornadas e
destinos... Eis do que todos os alunos da vida haverão de
convencer-se, através dos ensinos do Consolador!
No final dos trabalhos, chegaram os
três; Teóclito e aqueles dois irmãos; os demais trabalhadores
saudaram-nos reverentemente, dado evidenciarem grande superioridade.
Com o encerramento, houve debandada. Apenas vários espíritos
familiares permaneceram ao lado de alguns presentes, seguindo logo,
cada qual mais satisfeito. Aquela gente simples, humilde, parece que
sabia, por sentimento, da imensa verdade que se passava para além de
suas vistas! A intensidade de um sentir elevado supria, sem dúvida,
aos rudimentos da cerebração analítica. A intuição, por certo,
vencia de muito às deficiências racionais. Nada queria do
Espiritismo, aquela gente simples, contanto se lhe facultasse o poder
dar, quer pensamentos, sentimentos ou propósitos sãos. Em mente
alguma percebi invocações e pedidos que não fossem pelo bem
alheio, pela saúde e prosperidade espiritual de todos. Lembrei-me,
isso sim, daqueles que só fazem religiosismo e nada pelo gosto
espiritual de auxiliar, ou pelo bem alheio, mas, sim, visando sempre
as recompensas de favor ou semelhantes.
UMA PALESTRA ENTRE AMIGOS
Por Moral
Divina, compreendo a própria Lei Divina;
logo, por moral humana, devo compreender aquilo que, à luz da humana
razão, seja a concepção daquela moral e a obrigação de
cultivá-la diuturnamente. Quem disse que moral é produto do
chicanismo humano, ou quis fazer humorismo, e bem mal sucedido, ou
então devia ter a cabeça onde se tem os pés...
Porque, afinal, seja para o fim que
for, não se admite peça Deus ao homem, abdique de seus foros de
inteligência para estimar as leis e os princípios por onde se
filtra a Sua Lei, nos mais belos florões já conquistados pela
humanidade.
O
homem, para entender, precisa fracionar!
Para fracionar, só apelando para o senso discernitivo. E discernir
sem ser por etapa, será do poder humano? É certo existirem no mundo
uns crentes em si mesmos, uma certa classe que pensa com isso fazer
mais e melhor; porém, no fundo desse cabotinismo, saiba-se, está
sempre alguém que dele fez mercado ou meio de vida. De resto, todo
homem deve gostar de progredir, uma vez que sua rota natural é a do
progresso;
sem esse desiderato, só mesmo focalizando o homem pela objetiva do
taradismo. E quem fala jungido por uma tara qualquer, por um vício
extra-recalcado, não vale por um homem!
Foi a esse respeito que girou a
conversa, ali mesmo no reduto do pequeno grupo, iniciada em virtude
de haver um dos presentes, um encarnado, dito a Jasmim:
— A
Moral Espírita assombra-me! Com seus ensinos tornados específicos,
à custa do Espiritismo, o próprio Evangelho tornou-se muito mais
intenso. Tudo deixou de ser apenas regra, para constituir-se
vida.
Sinto que tenho a obrigação de guardar em mim o Evangelho, pois
reconheço que saber as lições, só por isso, nada se pode
conseguir, a não ser mais responsabilidade.
A teoria aumentando a responsabilidade, quem poderá atribuir-nos o
merecimento sem ser a prática?
Tenho certeza de que Jesus, ao ensinar e não escrever, ao viver e
não grafar, nada mais, nada menos quis demonstrar senão que em
matéria de Evangelho, tudo é questão de prática.
— Maravilhoso! — exclamou um
daqueles elevados seres.
E
partimos em demanda
a outros rincões do planeta,
bem para longe de suas contexturas, sólidas de certo modo, para
penetrarmos em outros de seus mesmos matizes condicionais. Na
residência de Teóclito, muito para cima do plano onde exercia
mandato, aportamos, e a conversa encaminhou-se para outros assuntos.
O que eu queria era tratar do meu caso; mas, eu e meu caso sumíamos
ante aqueles subidos irmãos. Por sinal que, agora, em melhores
celeiros da espiritualidade, todos crescemos em certo brilho. No
entanto, aqueles amigos tornaram-se potentes em uma radiação que
infundia não apenas a força do brilho, mas e acima de tudo, um
profundo
poder moral.
Valiam como se fossem leis soberanas, ou pelo menos agentes delas.
Ambrósio estava maravilhado! Creio que seus olhos jamais haviam
visto tais coisas. Pareceu-me ter sido tudo aquilo previamente
preparado, uma vez que estas manifestações de ordem superior,
intensamente celestiais, carreiam consigo a pujantes lastros de força
estimuladora. Ante uma tal grandiosidade, pura em sua excelsitude,
onde cada qual cresce pelo que é, quem não se sentiria convidado ao
máximo empenho pró elevadas conquistas internas? As glórias que se
manifestam em suas características de simplicidade, fundamentadas na
soberania das leis gerais, nunca amesquinham a ninguém! Tenham
paciência os arautos de fictícias
modéstias,
deste ou de outro plano qualquer, porque isso tudo reflete apenas
falso e vicioso aparato de ordem tão mesquinha quanto falível. A
verdade por si só, melhor será quanto mais exposta!
Se o homem sofrer com a sua presença, quem diz que não sofre com a
presença da mentira e da imperfeição? O brilho de um ser elevado,
convida e não deprime!
Quando já não mais pensava em mim ou
nos meus casos, eis que diz o mais evolvido daqueles dois:
— Com
relação aos seus interesses pessoais, creia, amigo Licínio, ser
preferível nada desejar com pressa. Por ora, nada se lhe está
pedindo; fique, pois, à vontade, na consciência de que, pensando no
bem, fazendo por conhecer mais a técnica
do intercâmbio mediúnico,
tudo se lhe há de por diante, em tempo oportuno. Outros
estão guiando seus passos...
Aguardam de você um trabalho fiel, nada mais. Como vê, está sendo
servido pelo próprio Senhor, através de seus arautos.
Ante essas palavras, eu fremia por
dentro e por fora. Minha consciência bradava em busca do senso do
dever. Apelava para o que tinha e sentia ser por demais uma nonada. A
montanha do dever cresceu em vulto, na proporção exata em que se
definhou o cabedal de energias morais e intelectivas. Pedi ao
Supremo, do fundo de mim mesmo, um amparo! Daquela gente não poderia
sair um pedido insignificante. Que me iriam pedir? Tal pensamento
punha-me a alma em sobressaltos.
Quando voltei à normalidade, sorriam
benignamente os três, estando Ambrósio banhado em francas lágrimas
de alegria. O mesmo irmão, levantando-se, assim se expressou:
— Faça
moradia na casa de Ambrósio... É um lugar feliz. Não se esqueça
de que muita gente bem categorizada, neste
tempo de renovação intelecto-moral do planeta,
deixa os merecidos tronos espirituais, para servir com muito proveito
junto das humanidades de fato necessitadas, ou sejam as da carne e as
das regiões inferiores do astral. Vá, que nós saberemos cuidar do
que lhe couber por direito, em tempo seguramente justo.
Minha
mente prosternou-se ante os santos desígnios do Supremo, que de
dentro de nós, do profundo de nossos egos, ordena leis, seres e
oportunidades em nosso propósito. Eles
partiram,
ficando nós três — Teóclito, Ambrósio e eu — entregues a
sublimes meditações. Sim, irmãos da carne; sim, amigos em geral;
sabem o que seja um
pensar em êxtase
sobre os destinos do espírito? Podem avaliar em que glórias se é
obrigado a elocubrar, ante a presença de elevações por si mesmas
já indescritíveis? Que somos nós, então, que podemos viver numas
e anteviver
a outras? Devemos ser e o somos, semideuses. Porque para ser,
evoluir, até tal ponto, sentir, compreender alguma coisa, anteviver
estados tão divinados,
só mesmo como semideuses! A Escritura, embora enxertada ao extremo,
diz no Velho Testamento: “vós
sois deuses”.
O Cristo repetiu; a Escritura está certa. É por isso mesmo que,
hoje, acompanho quem diz jamais ter havido a chamada criação da
parte de Deus; tudo o que há é automanifestação
do próprio Deus!
Tudo em Deus, na Divina Essência, é aquilo que aparenta ser. Quando
diz a Escritura que Deus é Princípio
e Fim,
por certo diz que em Deus não
há Princípio nem Fim.
As concepções variam no homem, por via das contingências
evolutivas, do direito de autopersonalizar-se. Quanto mais evolve,
pois, mais se integra
o homem no plano
universal,
compreendendo a UNIDADE DIVINA, de quem é parte e manifestação. É
muito justo que o ronceirismo religiosista de qualquer matiz, de
qualquer cor, não deva querer assim admitir, de um momento para o
outro; mas, quem foi que conseguiu liquidar o trabalho de um
verdadeiro profeta? A quem pode matar, o homem, tacanho e escravo de
um ramerrão qualquer? A que homem se entrega a palma da vitória,
por ter saído vitorioso, na luta contra a lei
do progresso contínuo?
Que gritem, pois, todos os beócios do mundo, que de nada valerá;
marchamos para os empíreos divinais, na pauta bendita do próprio
Sagrado Princípio, onde nunca tivemos tempo de fabricação, mas
onde sempre fomos, existimos, em Deus! Não
há Criador nem Criação; há Deus imanifesto
e
manifesto!
Fala
por mim, saiba-o quem quiser, um sentir não meu; longe, bem longe
ainda, de tais merecimentos estou; e este sentir me diz que só
viremos a nos encontrar bem, quanto mais chegarmos à Unidade Divina.
O que somos, por natureza, temos que saber e sentir por
autopersonalidade. Eis a finalidade do livre
arbítrio,
o mérito da parcela de liberdade, que nos fundamentos também é
determinismo, pois do contrário seria falha a própria Unidade.
Todos, um dia, teremos de ser dela testemunha!
E para os grandes testemunhos, quem invocaria os berros da
mediocridade? É para trás ou para a frente que se deve marchar?
NOVO LAR
Teóclito, em
fração de minuto, fez tudo quanto julgou exato; levou-nos para a
casa onde habitava Ambrósio e partiu. A madrugada ia bela com a lua
em minguante. Espiando na esteira do horizonte visual, divisava-se a
seqüência de acidentes geográficos a perder de vista; é que a
casa ficava sobre uma elevação, facilitando o prazer de uma
paisagem, que de dia era belíssima e, à noite, invocativa de
lembranças perdidas nos abismos do subconsciente. Ficamos, por
alguns minutos, perdidos na vastidão de nós mesmos, a revolver as
coisas com que a Suprema e Íntima Causa nos brindara, nesse dia
maravilhoso e ungido de mil proveitos! Fomos para nossos
leitos;
sim, leitos, pensem lá o que quiserem, é verdade, uma verdade um
pouco estranha e inacreditável para os seus entendimentos relativos.
— Nessa cama dormia Décio, um
companheiro que se foi para as vielas redentoras da encarnação. —
disse Ambrósio, tornando-se melancólico — Você vem, com certeza,
para a Justiça Divina ter curso normal; mas, também, para que
corações saudosos sejam recompensados... Eu quero pensar assim...
Minha irmã adotara-o como filho, há uns vinte anos atrás, deixando
um profundo sulco em seu coração!... Ela, que errou e não soube
ser mãe na Terra, chora agora, todos os dias, por causa desse
erro... Eis mais um pouco de Justiça, sob bases éticas e
estéticas...
O
dia, rico em acontecimentos superiores, não esgotara em mim a
capacidade de emoção; fiquei triste, porque já sentia, dado as
coisas que vinha de saber, alegrar-me com o gozo e padecer com os
sofrimentos alheios. E prometi:
— Espero corresponder aos nobres
sentimentos que me irão embalar nesta casa. Sinto muita satisfação
em saber disso, pois assim tudo poderei empregar de esforços, para
contrabalançar a perda.
E
dormimos.
APRENDENDO SEMPRE
Não me detenho em
detalhes, por estar avançada a série de trabalhos a respeito das
coisas cá de extratumba, onde nas duplicatas
etéreas da Terra,
pode-se viver do melhor ou pior modo. Assim, portanto, tendo-nos
levantado pelas onze horas, depois de ter lanchado,
partimos. Ambrósio anotara, num seu caderninho de apontamentos, um
rol de serviços a prestar, tudo relativo a atividades junto a grupos
espíritas. O chefe dividia atribuições e os trabalhadores
entreajudavam-se quando era necessária a cooperação. A não ser
isso, cada um agia por si. Agora cumpria-me servir e aprender com
Ambrósio, eu que, desde o meu crescimento até o dia em que fui
chamado por aqueles arroubos, nunca havia visto uma sessão. Cabia-me
preparar para esses outros misteres do mecanismo da vida.
Saindo
do seu domicílio
— agora nosso — Ambrósio entrou pelos jardins adentro da casa
vizinha e chamou por um irmão de nome Alencar. Quando este saiu,
fui-lhe apresentado, e ele, por sua vez, quis apresentar-me à
família.
Fiquei contando, no meu farnel de conhecimentos e amizades, com mais
uma meia dúzia de adoráveis criaturas. Alencar, pouco depois, saiu
conosco. Marchamos
rumo a um lugar medonho!
— Lembra-se — segredou-me Ambrósio
— daquele tal de Luís, por quem fizeram preces ontem e de quem
demos notícias pouco lisonjeiras?
— Lembro-me, é claro —
respondi-lhe, relembrando os trabalhos do grupo espírita.
—
Agora iremos fazer
por ele alguma coisa, em virtude de se ter cumprido um período de
purgação. Aquela senhora era sua esposa, quando vivia na carne. E
por ter em sonho falado com espírito de suas relações, sobre o
marido, uma vez acordada não sossegou enquanto não pediu por ele.
Eis um pouco mais do mecanismo
judiciário do universo.
Encontram-se as pedras e os homens...
—
Agora — balbuciou
Alencar — tenhamos muito cuidado; estamos em zona
perigosa.
Legiões de infelizes enxameam por aqui, ao
rés-do-chão,
movidos pelos mais negros instintos e propósitos. Embora nada
tenhamos em comum com esta atmosfera nem contato com ela, por comida
ou bebida, cumpre-nos manter vigilância superior.
De
fato, ao longe, um alarido fez-se ouvir, que num crescendo se foi
aproximando, tendo em seguida desaparecido. Depois, de longe em
longe, pios de aves noturnas se fizeram ouvir. Tendo eu dito se eram
corujas da Terra para aqui vindas com a morte do corpo, Alencar
explicou-me baixinho:
— Pode
ser isso; mas pode ser um som emitido por alguém, que havendo
regredido
tanto em moralidade,
tenha revolvido em si características orgânicas primitivas.
Como sabe, em nós albergam-se o pior e o melhor. E tudo pode
desabrochar...
Agora, com o ruído, gritos
angustiosos levantaram-se na escuridão, uns praguejando, outros
clamando por socorro, outros prometendo sevícias. Foi como mexer em
vespeiro tremendo, o havermos confabulado. Resolvemos prosseguir em
silêncio. Ambrósio devia estar se guiando por faculdade ou amparo
superior. Eu, pelo menos, pouco conseguia ver.
Ao cabo de jornadear pelo campo seco e
escuro por alguns bons quarenta minutos, estacou Ambrósio, pondo-se
à escuta. Depois, devagarinho, encaminhou-se para um dos flancos, de
onde voltou para dizer:
— Está
aqui...
Vamos arrastá-lo...
Fomos
acompanhando o obreiro do bem; quando se pôs a apalpar no chão,
alguém fez um berreiro infernal. Ambrósio fez-nos, também, deitar.
Como nenhum dos dois falasse, mantinha o meu silêncio. Medo,
garanto, não tinha. O mais fácil seria zarpar à custa de poderes à
vontade; mas, pensava, e o socorro
ao irmão sofredor? Como executá-lo sem sacrifício próprio?
— Vamos arrastá-lo... — convidou
Ambrósio baixinho.
Fizemos
qualquer coisa que poderia ser chamada de grande! Arrastamos,
pareceu-me, ao tal irmão, por muitas centenas de metros, antes de
lhe podermos dizer que éramos de paz e agíamos com Deus, a pedido
de sua mulher e por ter-se acima de tudo, cumprido
um tempo de purgação.
O homem aceitou nossos argumentos, tendo pedido preces, muitas
preces... Isso foi muito bom, pois o tornou acessível às nossas
emissões eletromagnéticas. Passou a andar com muita dificuldade.
Caminhava trôpego, mas era bom; evitava esforço nosso... Falo com
pureza d'alma, que jamais
me passara pela mente
que coisas assim tivessem de ser realizadas. Sabia dos planos
inferiores, mas julgava a libertação por outros processos, os quais
não sei bem como explicar. Hoje sei que os há, dependendo a
variação de múltiplos fatores. Uns penam nos abismos; outros se
redimem socorrendo-os. Isso em linhas gerais. Como se vê, sempre em
equilíbrio de razões, sempre surgindo a força dos contrários como
propulsora dos fenômenos restabelecedores. Sempre
as leis de Causa e Efeito!
Quando
ia consultar a Alencar sobre a possibilidade de vencermos o peso
específico
de Luís, com os nossos poderes de dinamismo psíquico, eis que
prontamente me diz, sorrindo entre dentes:
— Ele
vai ainda para lugar
bem sofrível,
embora muito melhorado em relação àquele de onde o fomos tirar.
Luís poderá melhorar bem, em pouco tempo, mas a poder de esforços
próprios. Chegou-lhe o tempo de purgação consciente, porque até
aqui, como pode facilmente compreender, nada tinha para ter vontade;
note outra fase de matiz
judiciário...
Andou o homem longo trecho, falando e
defendendo-se. Quando fez a primeira pergunta, respondeu-lhe
Ambrósio:
—
Deixamo-lo falar,
propositadamente, para sabermos um pouco de suas razões. Contudo,
amigo, lembre-se de que esteve entregue à Suprema
Justiça,
ela que não consulta e se impõe de dentro para fora, por
automatismo
ingênito.
Logo, tendo de esbarrar no que é de dentro e não de fora, por que
comenta? Não sabe ao menos confiar nos Supremos Desígnios?
Custa-lhe muito olhar para dentro do seu coração?
— Não posso defender-me?... —
apelou Luís, parando para falar.
—
Defenda-se, sim,
porém de si para consigo; em si errou e em si lavrou sentença
cominadora.
Nenhum tribunal externo o condenou!
— Então, sem ter pessoas ou
organização judiciária perante quem me possa defender, como
poderei ser atendido e liberto?... — tornou Luís, acabrunhado,
revelando desconhecer tudo em matéria de Lei Divina.
— Em si mesmo — explicou-lhe
Ambrósio — encontrará a Suprema Justiça, perante a qual poderá
atacar e defender à vontade. Estude em si o quanto possa sobre a sua
atuação no mundo. O que soube e ignorou. O que fez e o que deixou
de fazer. Encare os problemas do bem, da paz, do amor, da piedade, da
paciência, da resignação, da lealdade. Lembre o quanto foi de bom
como filho, irmão, marido, pai, empregador, empregado. Confira tudo
sob o guante da Divina Lei, a quem deve ter ferido, na parte tocante
à sua identificação e parcela de responsabilidades. Confronte o
que lhe pôs Deus, em natureza, ao dispor, com aquilo que com
malícias e menosprezos desmereceu, sem dúvida. Levante, em si, um
balancete sério.
— O senhor sabe a meu respeito
alguma coisa?!... — atalhou, confuso.
— Eu
sei de mim mesmo... E isso já é o bastante. Decerto, também tenho
experiência quanto à intangibilidade da Justiça Superior, por essa
razão enfronhada em nossa individualidade, para não ter de julgar
de fora. Antes, nós
mesmos
é que a fazemos funcionar pró ou contra. Vede bem, caro Luís, não
adianta ir à procura de bode expiatório a respeito dessa questão.
Caso queira discutir, afianço que voltará ao lugar de onde acaba de
ser tirado; porque deve acertar por si, de hoje em diante, para
melhorar.
— Isto é bem encrencado!... —
comentou, aturdido.
— O mais encrencado ficou para trás;
como poderá ver, bem longe está daquela região ressequida e
trevosa. Isto já não é bem melhor?
O homem olhou em volta e viu certa
claridade. Tudo avermelhado, mas podendo-se enxergar; havia vegetação
e campos mirrados. No céu fumaçado percebia-se a claridade
superior. A luz da esperança iluminava-lhe o coração.
— Sim, está muito melhorado!... —
respondeu submisso e ponderado.
—
Então —
recomendou-lhe Ambrósio — faça como vou dizer-lhe. Pense nos
erros que outros contra si praticaram; reflita, muito mais, porém,
nos deveres
que não soube exercitar. Quem acusa se acusa; quem se acusa se
defende.
Defenda-se descobrindo falhas íntimas e trabalhando para saná-las.
Só isso vale por todos os argumentos que queira somar em seu favor.
As condições corográficas
melhoravam cada vez mais. Em certo momento, galgando elevado cume,
divisamos vastíssima muralha, lembrando aqueles muros que protegiam
as cidades antigas, as primeiras trincheiras imaginadas pelo homem.
Alencar disse a Luís.
— Eis
aí o país onde irá morar, pelo tempo que dele carecer. Come-se ali
o pão duro e veste-se a roupa grosseira. Tudo é inferior nesse país
expiatório,
tudo é rude e pronunciadamente sofrível. Procure, portanto, vencer
e sair o mais depressa possível. Com boa vontade, vencerá. É só
querer; o poder está em si mesmo.
— Mas tenho vontade de ir para
melhor! — exclamou Luís.
— Muito
bem, pois faça por merecê-lo. Quem quiser ser benquisto, para tanto
se apreste. De resto, só com boa vontade não se faz pão; primeiro
os ingredientes, depois a boa vontade e em seguida o trabalho
executor. Como poderá ver, entender e sentir, o reino
do céu
é em igual molde, realizável. Está em
nós como ingrediente;
precisamos de boa vontade e trabalho executor para manipulá-lo. Nada
mais justo e simples, não acha? O difícil seria se estivesse fora
de nós.
—
Contudo — argüiu
Luís estacando na vagarosa marcha — de
que me valeu ser religioso?!...
Deus parece que... que não cumpre tratos!...
Ambrósio fitou-o bem, avizinhou-se e
falou com bondade:
—
Entre as verdades
de Deus, que representam leis naturais, e as verdades religiosas —
formalismos humanos e quitandas vendáveis — há muita diferença.
Enquanto Deus, de dentro dos seres, pede conhecimento
e obras,
os religiosismos pedem formalismos tapeadores, fanatismos,
exclusivismos, ódios sectários, etc. Não se esqueça de que o
estamos cuidando, à Luz do Consolador
restaurado,
daquela eclosão mediúnica do Pentecoste, de onde, por ordem de
seqüência, viriam todos aqueles informes de que lhe disse o Divino
Mestre:
"Mas o Consolador, que é o
Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará
todas as coisas..." (João, 14-26).
Se,
portanto, houve truncamento
na ordem de ensinos subseqüentes, isso se deve ao romanismo
que, banindo aquele culto que ficou sendo o dos Apóstolos, implantou
o paganismo romano,
rotulado de Cristianismo. É hora, porém, em que toda
a Terra será sacudida pelo aguilhão da Verdade.
O
Elias
que devia vir e restaurar as coisas, já
veio e
lançou as bases, em
obras fundamentais.
O que produz essa base, logo poderá saber, quer pelo que se passa na
Terra, quer pelo que se dá nos nossos planos inferiores. O Cristo,
portanto, está em dia com as suas profecias. Resta que os homens o
compreendam e sigam. Não há religião, por conseguinte, fora da
VERDADE, e a VERDADE está no homem, nos seus poderes interiores.
— Vou estudar esse assunto, quando
possa — concordou Luís.
—
Terei prazer em
oferecer-lhe um catecismo. — propôs-se Alencar — Um catecismo
sem jaça, porque acima dos interesses de seita, bolso e estômago.
Poderá saber como nasceu, viveu e morreu o Cristo, reaparecendo dos
mortos, ou em
Espírito,
para testemunhar sua obra na grande manifestação mediúnica da qual
já falamos. Foi em relação à VERDADE que o Cristo fundamentou o
sentido religioso de Sua obra, nunca, no entanto, sobre esta ou
aquela religião. A VERDADE é a RELIGIÃO.
Assim conversando, atingimos as
muralhas. Esperamos até que nos viessem buscar. Vieram e
introduziram-nos, encaminhando-nos para as autoridades da região,
que eram espíritos bem impositivos e pouco escrupulosos, pelas
características que evidenciavam. A elas ficou entregue Luís.
Prometi-lhe entregar um catecismo e partimos todos em demanda a
outras obrigações, deixando Luís acentuadamente entristecido.
DE RETORNO À CASA DE JASMIM
Um outro
trabalho que fomos atender,
constituiu na condução de um homem recém-desencarnado, em
regulares condições, ao cadinho mediúnico. É muito interessante o
que ocorre em uma comunicação de espírito necessitado, desde que
seja o ambiente simples, sincero e instruído. À custa dos elementos
ectoplásmicos retirados aos médiuns e presentes bem intencionados,
operam espíritos conhecedores, verdadeiras reformas. Manifestam-se
brutos, dementes, doentes, estropiados, e
saem
humildes, mansos, ponderados, submissos, curados, menos imperfeitos,
etc. Há qualquer coisa de mais profundo nisso que o mediunismo faz;
algo que os estudiosos não penetram ainda, por via de sua inerência
transcendente.
Esse novo atendido tinha alma
regularmente plasmada nos moldes cristãos, à altura de suas posses
hierárquicas, isto é, pelo que pôde viver do cristianismo em si,
como o podemos deduzir, nós os seres ainda constituintes da grande
massa terrenal, que pouco fazemos mentalmente e quase nada
praticamente...
— Bem... Embora me sinta doente...
Como poderia esperar isto?... Contudo, pelo que se vê... — foi
tudo o que Fabrício pôde dizer.
Ambrósio falou-lhe dos planos em
crescente esplendor, para aqueles que em si mesmos, interiormente,
procuram crescer. Fez ver como seria prejudicial uma mudança
profunda e repentina, para a organização emocional da maioria.
Prometeu-lhe levar a assistir a uma sessão espírita, onde muito
poderia lucrar, em melhoras e aprendizados imortais.
— Aceito, aceito!... Sempre fui
contra toda ordem de religião, mas quero ver daqui como é esse
negócio de Espiritismo... Minha cunhada era médium... Eu nunca quis
saber nada disso...
Como
o velhinho falasse em ser do contra com relação a toda religião,
aguçou-me o desejo de trocar com ele idéias. Queria saber um pouco
mais sobre esse intrincado problema psicológico, de onde crentes
partem para as trevas e céticos ascendem ao conhecimento
do estado e merecimento de socorros imediatos.
Por isso, falei a Ambrósio nesse sentido e ele me disse, oferecendo
oportunidade:
— É
sempre o mesmo porquê.
Clamar: “Senhor! Senhor!”, em ladainhas e peditórios besuntados
de melosidades
afetadas,
não resolve o problema do céu
interno;
o que lhe irá contar o velhinho, como poderá esperar, é isso. Não
ganhou algum aprendizado, que por certo vem em demanda a quem busque
um credo qualquer, mas, também, não se comprometeu acreditando nas
falsas virtudes absolvicionistas de certas afirmações litúrgicas e
sacramentistas.
Retirou-se Ambrósio, prometendo
voltar em breves minutos, penso eu que precisamente para dar-me
ensejo à prosa tão desejável. Pilhando-me a sós com o trêmulo e
encarquilhado homem, inquiri:
— Então, amigo, não cultivou
idéias deístas durante tão longa romagem pela carne?
—
Idéias sim, amigo,
mais do que idéias... O que fiz foi fugir das religiões... Nunca vi
credo algum que não fosse fábrica
de fanáticos!...
Cada religião faz questão de fazer uma turba de cretinos que só
sabe querer Deus para si e para mais ninguém!...
São pios que querem ver aos ímpios nos infernos, como já disse
sério autor, que li faz bem anos... Logo, amigo, procurei fazer do
culto da moral
estabelecida através do
Decálogo,
a religião de minha vida. Não me sinto arrependido!... Respeitei ao
máximo o direito alheio. Aos homens dei o melhor dos meus exemplos.
Aos filhos e netos pedi uma conduta decente. Como cidadão, em geral,
procurei servir mais do que ser servido. Fiz minha parte sem reclamar
da sociedade e sinto que a sociedade nada me deve; poderia eu ter
feito mais por ela? Não sei... Sabe-o Deus... Sabe-o Deus...
Parei por algum tempo a meditar em tão
interessante organização mental. Reparei que o homem vibrava em
uníssono com a mais poderosa sinceridade. Que seus olhos radiavam
fulgor elevado. E comentei:
—
Parece que as
religiões, o que fazem, é toldar
o bom senso nas criaturas;
por isso deve ser que o Cristo, falou sempre na VERDADE
e nunca na religião.
É que a VERDADE vem de Deus e as religiões os homens as fazem e
desmancham. Jesus partiu do princípio sólido das obras conscientes
e amorosas, significando que fora disso tudo é falácia. O senhor,
portanto, foi mais lúcido até certo ponto...
O homem estranhou mesmo minhas
reticências. Presto, empertigado, inquiriu:
— Até certo ponto?!... Como
assim?!...
—
Moralmente o senhor
venceu; mas cientificamente, deixou muito a desejar. Não
aprendeu o que poderia ter aprendido,
se tivesse buscado um credo, o mais racional possível, o mais
experimental e filosófico. Como deve conceber, a religião, de fato,
abarca todos os quadrantes da atividade humana. Em tudo está Deus e
a tudo se deve estudo, compreensão e aplicação honesta. O universo
não é um composto místico, apenas, nem só moral, nem só mental,
etc. É uma VERDADE que se expande num infindo de frações. Por isso
mesmo, deve-se aprimorar
o coração e encher o cérebro.
Lembre-se de que Jesus pediu uma adoração a Deus, com toda a
inteligência e de todo o coração. Isso significa um emprego em
toda linha, do mais moralizado possível ao mais intenso em
conhecimentos gerais. Religião, amigo, é coisa assaz séria! Jesus
não se perdeu em ginásticas formais, em adulações repugnantes;
com os seus conhecimentos, cooperou na Obra Divina, legando-nos um
exemplo
imortal!
Sua ação foi exercida junto dos enfermos, da carne e do aquém
carne, curando e encaminhando. E note que no final do ministério, em
missão, foi carimbado tudo com a chancela da Revelação,
de onde surgiriam os ensinos preciosos no curso dos tempos. Note bem
que ser Cristão não é admitir o Cristo contemplativo.
Como se livrou no mundo do culto dos formalismos inventados por
homens, à custa dos quais vivem parasitariamente, livre-se agora das
prevenções contra o saber superior; é o meu conselho de irmão e
amigo.
Qualquer sensação íntima tangia o
bom velhinho, fazendo-o prantear e causando-me pena passageira. Mas,
que fazer? Tinha dito o necessário. Fui, pois, sentar-me ao seu
lado, donde pude abraçá-lo, estimulá-lo.
— Não estou triste... Choro de
alegria... O senhor fez-me muito bem... — expandiu-se, substituindo
as lágrimas por belo sorriso.
— Como dou graças a Deus! —
murmurei satisfeitíssimo, aliviadíssimo...
Entrementes,
Ambrósio entrava e pedia ao velhinho para o acompanhar. Estava na
hora do início da sessão. Fomos,
por essa razão, os
três à velocidade do pensamento,
para o seio de um ambiente simples e feliz, pelo gozo de uma
espiritualidade que se elevava ao máximo, apesar das condições
terrenais do ambiente.
O orador da noite terminava sua
palestra. Devia ter dito coisas superiores, de vez que a seu lado se
achava elevado vulto destas paragens. Quando ele se sentou, o guia de
Jasmim tomou-a como vaso intermediário, dirigindo-se aos presentes.
Pouco a pouco, o espírito da médium libertava-se, vindo para o
nosso lado, plenamente consciente, feliz, marcantemente iluminado!
Ditosa VERDADE, que tais coisas operas nas almas que te adotam por
paradigma! Ditoso Deus! Que serás Tu? Que Glória és no íntimo de
tudo e de todos? Como definir-te, Senhor, se com tão pouco nos
prendes por completo?
O VELHINHO REMOÇOU
O fenômeno mais
importante, o capitular da ordem consciencional, já se vê, é o
ser; é o merecer. Ser é o que é, por força de indiscutível
Soberana Vontade, sejam os ares, as pedras, as plantas, as
toupeiras...
Mas, para merecer uma recompensa, é
bem diferente! Que alguém mereça sem construir o merecimento, isso
é impossível de se conceber, relativamente às glórias
espirituais.
Os
trabalhos transcorreram bem, sendo encaminhados alguns irmãos, além
de se terem aproveitado da elevação fluido-eletromagnética,
milhares de seres trazidos para o recinto pelos chefes e serviçais
de algumas zonas inferiores; também é de notar, os proveitos
advindos da ilustração
intelectual.
O poder propulsor de uma idéia,
ninguém pode calcular ao certo pelo simples ato de ouvir. O próprio
subconsciente encarrega-se de elaborar movimentações no plano
inconsciente, de onde um dia emergem em florões
de
intuição,
em anseios de pesquisa, em desejos de progresso. Ouvir
uma prédica sentida,
eis um modo bom de imantar os recônditos micro-celulares do cérebro,
através do magnetismo da palavra humana. Não é só a parte
inteligível ou técnica que vale, como superfluamente se pode supor;
uma cerebração disposta, aceitando a inteligência da oratória,
confere entrada aos valores psicométricos decorrentes da ondulação
mental ou emissora. Imanta. Faz do cérebro talismã renovador
poderoso. Triste feito, também, é o ouvir-se asneiras, comentários
negativistas, medíocres e criminosos.
A
imantação pode ser intra e extra. Quando alguém se
vicia a pensar
de certo modo, inculca no cérebro valores psicométricos em
determinado sentido; depois
alega que não pode conceber de outro modo.
Crê nas suas próprias convicções, e diz ao mundo que tal assunto
ou questão, só a seu modo podem ser admitidos. É
obcecação pura.
É introversão. Os
credos formais fabricam disso à vontade;
nada provam, nada revelam, nada demonstram, nenhuma segurança podem
dar e arrastam após de si legiões de "crentes",
de viciados
mentais,
de criaturas que cedo começaram a aceitar, como passivos, as
catadupas de idéias que se impuseram pela psicometria. Estes planos
da vida, nas regiões
inferiores,
também são ricos com respeito a essas misérias. Legiões de
fanatizados vivem
por aqui como viviam aí,
doentes em si mesmos, carreando a tara triste das sobrecargas
idólatras, inócuas e iníquas. Sabem discernir entre razão pura e
sujeição psicométrica?
A
lei é sempre a mesma; o uso a que se submete é que varia. Mede-se o
resultado pela aplicação. Quem aceitar boas infiltrações, muito
bem. Do contrário, espere por dias de luta, uma vez que uma carga só
deixa de ser força vigente, quando outra mais poderosa a eliminar.
Pode-se dizer que no homem racional é contínua a queima de umas
cargas por outras superiores. É o homem que desfila livremente pelos
caminhos do progresso, aceitando-o cada vez melhor, sem se mumificar
em sarcófagos fanático-mentais. No entanto, a
Terra está cheia de doentes desta ordem,
para todos os efeitos ou matizes do pensamento humano. Poucos são os
veramente clarividentes;
a maioria é pouco ou muito tarda, age por injunções de ordem
inferior. A lei da hereditariedade ainda terá muito que dizer, que
ensinar aos psicólogos e antropologistas, porque abarca o homem, do
espírito à matéria, influindo sobre seus campos, moral, mental,
intelectual, etc.
Mas, vamos ao velhinho. No final dos
trabalhos, quando parecia que o patrono ordenaria o encerramento, o
que fez foi fazer um sinal a Ambrósio. Este, lépido, foi buscar
Fabrício, que a tudo observava com muita atenção. O velhinho
estava, efetivamente, maravilhado.
—
Venha falar pelo
"telefone
da carne".
— disse-lhe o trabalhador do bem — É uma dádiva que irá
receber, da parte da Suprema Justiça, por haver tão nobremente
respeitado, no mundo, o direito dos outros. Venha logo! Venha
logo!...
O
velhinho estava nervoso, visivelmente alterado. Como por encanto,
toda aquela gente que formava mais ao longe da falange de espíritos
relativamente esclarecidos, prorrompeu em palmas
e vivas
ao velhinho. Foi uma espontânea manifestação de carinho, sugerida
pela influência da idade, que sempre torna o seu portador mais
simpático? Foi alguém superior que imprimiu esse ato àquela
enormidade de seres? Não sei. Logo mais iríamos ver que o velhinho
se colocara em vida, pelas suas ações, sob signo altamente
favorável.
De
longe ainda, o poder atrativo da mediunidade o imantou! Quando queria
alegar qualquer coisa, não querendo comunicar-se, já estava falando
aos encarnados.
O presidente atendeu-o, fazendo-lhe um convite para tratar do sério
problema da vida real. Daí a instantes, todos orávamos pelo
velhinho. Sabendo que um ambiente de sessão flutua em colorações,
segundo a intensidade com que se pensa, fica-se a par de tudo quanto
venha a ocorrer. Com o velhinho, porém, os acontecimentos
realizaram-se muito além da minha previsão. Elevou-se tanto, que
muitos perderam, momentaneamente, a capacidade de vê-lo!
Quando
recuperaram a visão, o velhinho havia
se tornado um homem de uns trinta e poucos anos,
quando muito. Rejuvenesceu! Embora esse fato seja lei comum, não é
fácil dar-se com recém-desencarnados; são precisos muitos méritos!
Não
foi só isso que sucedeu. Muita gente superior fez-se visível,
envolvendo ao sorridente Fabrício em sua aura sublimada. E lá se
foi o velhinho de pouco antes, brejeiro e encantado, para os altos
cumes da vida planetária! Eis um convite aos duendes que somos nós,
que passamos e perdemos
tempo, pensando em seitas.
O principal está no AMOR! O AMOR força o homem no encalço da
CIÊNCIA e, aliados, precipitam a AUTORIDADE, fazendo-a aflorar na
personalidade.
Sei
que terá tido Fabrício, vidas de realizações nobres; mesmo assim,
porém, porque é que um grande irmão passa pelo mundo observando in
limine o
sentido MORAL da vida, sem se incomodar com o religiosismo formal?
Por que deixou de respeitar aos pretensos poderes redentores da
bajulagem em que se perde a humanidade, para dar largas ao respeito
devido à Lei Divina, nas ações sociais?
Jesus ensinou, quando de Sua passagem
pelas dunas da carne, que aquele que não ama ao próximo, a quem vê
e com quem vive em companhia, não pode amar a Deus! Jesus não disse
isso para inventar regras; já era verdade eterna. Felizes, pois, os
que amam muito e praticamente.
DIVISANDO O PASSADO
Com o seguimento dos trabalhos,
aprendendo sempre, engastando na retentiva, sempre que possível,
emolumentos em sabedoria, fui também solidificando o centro emotivo,
a ponto de não mais chocar em face de cometimentos os mais fortes,
quer no quadro dos de ordem superior ou deleitosos, quer no âmbito
daqueles que nos podem quebrantar os ânimos. Porque a vida de
trabalhador, de homem desencarnado, nos horizontes paralelos ao plano
da carne mais densa, é muito mais cheia de cambiantes emotivas, de
sensações até mesmo violentas, do que possam imaginar os cérebros
superficiais e deslocados.
Enfrentar um ambiente é sempre um
caso exato. Sua proporção hierárquica em nada cede pelo fato de
ser extraterrenal, precisamente por ser terrenal, em grau de
porcentagem, em ponto gamático ou extratefeito, que condiz com o
estado dos seres, em evolução, usos, costumes, características
psicológicas em geral.
Diremos
que, no céu ou na Terra, um ambiente é sempre um ambiente! O que
alguém tem em si, isso imprime ao meio circundante; muita gente
fazendo esse exercício, por natureza, que acontece? O que acontece é
simples de se supor: o
ambiente exterior será igual ao mundo interior dos seus habitantes.
E vi muito disso já, agora que lhes
falo.
Um
dia, pois, Alencar, o vizinho de casa, avisara-nos de que Teóclito
preparava uma excursão para nós interessante. Ficamos aguardando o
momento de excursionar, embora sem de nada supor, fosse sobre
direção, modo ou fim. Teóclito é poderoso espírito e dócil
amigo, ilustrado mestre e solícito companheiro.
Viajar
com ele ou em sua companhia significa saborear a vida e gozar
expressões inéditas da mesologia fenomênica dos ambientes. Penetra
mais, carrea farnel onde transbordam fatores de sobejo vividos.
Parece ser a experiência personificada! Dizem possuir a intuição
desenvolvida em alto grau,
com qual instrumento capta
a sabedoria na Fonte Original,
na razão direta de ser, daquilo que é, ser ou coisa. Eu não
discuto este ponto por não conhecer o suficiente para falar com
sensatez. Tampouco me aventuro a perguntar, por saber que no momento
exato disso falará por si mesmo, dando provas, fazendo paralelos,
ilustrando de fato a dissertação.
ÀS MARGENS DO MAR MORTO
Dias depois do
aviso de Alencar, à entrada de lindo crepúsculo, chegam Teóclito e
mais três seus amigos, mas de nós ainda desconhecidos. Dolores,
Antônio, eu, Ambrósio e mais dois rapazes, em
caravana,
guiados por Teóclito, marchamos
para a face nebulosa da Terra, para a atmosfera densa e neblinada,
onde os pulmões humanos se nutrem de valores indispensáveis à vida
biológica.
O
luar reverberava no Lago
Salgado.
E a palavra instrutiva de Teóclito punha-nos ao corrente do porquê
de ali estarmos. Um silêncio profundo reinava, só ferido de quando
em quando por algum silvo. A uma observação nesse sentido, feita
por Antônio, Teóclito explicou:
— Há mais que ouvir, ainda...
Fez um longo silêncio, pelo tempo que
durou um olhar observador pela margem do mar. Depois, convidando a
prestar toda a atenção, murmurou pesaroso:
— Este
lugar é muito visitado,
principalmente nos dias de evocações históricas, por vultos de
valor, criaturas que tomaram parte na grande tragédia, amigos do
Senhor e servos humildes de sua Infinita Bondade; mas, também, é
procurado sempre por falanges de infelizes, de duendes da dor, do
retardamento e das atrações inferiores. Reparem como sombras negras
se locomovem, precípites umas, macilentas outras, imprecativas
outras tantas e lamurientas mais ainda. São, na generalidade, seres
que erraram então, ou que vieram a errar depois, no curso dos
séculos, pela mesma razão. E pensando nas coisas do Senhor,
baldeam-se para os lugares onde o Senhor
Diretor Planetário
passou, viveu, ensinou, deixou marcas psicométricas de Sua
Personalidade inconfundível.
— Que horror! — exclamou Dolores,
depois de fixar numa direção o seu olhar.
— Não
se detenha em tal estado de impressão. — recomendou-lhe Teóclito
— O que vamos fazer reclamará de nós todo poder de penetração;
para isso é preciso conservar os centros vibratórios do órgão por
excelência, no
seu ponto ótimo.
Para uma experiência destas, notemos bem, cumpre querer e poder,
pois os ramos emissor
e captador
devem estar em perfeita franquia funcional. Devemos lançar-nos à
pesquisa, pelas
ondas mentais e
também, por esse mesmo meio, ficar ao dispor das respostas
impressivas. Assim se dá no fenômeno psicométrico.
As imagens estão sempre expostas, nos objetos e nos seres. Quem
quiser, porém, aventurar-se a sondá-las, deve, com toda serenidade,
ir ao foco. Nos casos de auxílio superior, pode-se facilitar um
pouco; mas, por que razão fazer mal, quando se pode fazer bem?
Descemos
mais, misturando-nos com os lúgubres andantes do local. Subimos, em
seguida, para o alto de um monte. Ali não havia ninguém. O luar
faria descortinar, aos olhos do mortal que ali fosse, um cenário
estonteante. Para nós, pelo menos para mim, aquele mundo de coisas
impressionava de um modo que não posso definir. Ora o passado
reflorava-me impetuoso, ou de mim mesmo cedia ao imperativo de sua
tremenda capacidade embaladora. Alguém, superior, deve ter feito
aquilo.
Todo
um tempo histórico revivemos!
O mais interessante, porém, não foi reviver o que sabíamos, isto
é, rever-nos como criminosos do Calvário. Já havia lido o meu
relatório e sabia disso muito bem. O que foi bem focalizado foi a
vida de Teóclito, um Nazireu de então, na casa de quem o Divino
Mestre muitas vezes dormiu, comeu, descansou seus doridos pés. Vimos
bem, ouvimos ainda melhor, longa
conversação entre Jesus-Cristo e o Precursor,
nessa residência feliz e acolhedora. Falaram do fim de ambos, como
se daria, como havia de se dar. Por isso mesmo, pelo visto e ouvido,
podem comentar os homens como quiserem; mas os
rumos estavam pré-traçados.
Ninguém abalaria de um milímetro a senda diretriz daqueles vultos.
Dali
partimos e marchamos na companhia do Divino Mestre. Este, não mais
se separou de uma turba ávida de prodígios. Os dias foram
transcorrendo, até
a consumação!
Negras falanges embaixo; iluminados sóis da espiritualidade em cima.
Pareciam estar divididos os ares e os homens entre si.
Maria, ao pé da cruz, estava rodeada
de celestes seres. O clarão destes afugentava os representantes do
crime e das trevas. Nossos olhos existiam para que quentíssimas
lágrimas borbulhassem por eles. Que contrição, meu Deus! Como o
coração ficava comprimido!... Remorsos nos roíam por dentro!...
Ó Espírito Excelso, logo após, foi
conduzido por elevadíssimos seres; os clarões superiores
envolviam-No. A caravana de luz perdeu-se na vastidão profunda do
espaço. As gentes ficaram entregues ao burburinho das coisas do
mundo. Os sábios falam, bem como os ignorantes, dizendo sim e não;
porém, pela disposição das leis superiores, na face da Terra e nos
corações de bem, estão as marcas inconfundíveis da VERDADE QUE É.
Uma
nota interessante:
quando foram dizer a Jesus que o Precursor havia sido morto, Jesus
foi para lugar quieto, tendo-o chamado. Que recolhimento, que
respeito às leis determinantes do fenômeno! Repetiu por várias
vezes o nome de João. Quando este, ou aquela falange de seres
celestes apresentou-se, no meio de quem estava João, sorridente e
feliz, o Espírito de Jesus, suplantando a barreira da carne, como
num transbordar de si, desligou-se e pôs-se a falar. Tudo ficou mais
claro, muito claro, a ponto de nos termos de afastar... Todavia,
ouvimos que Jesus dissera coisas significativas com relação ao
triunfo de Seu Precursor, por ter assim findado sua vida, depois de
fazer sua parte, para a consecução das profecias e cumprimento
delas.
Ao
término da bela retrospecção, enorme multidão de iluminados seres
pairava sobre o monte, sobre nossas cabeças, havendo uma música nos
ares, penetrante ao íntimo de nossas almas, imprimindo-nos uma
sensação indizível. E Teóclito falou; ele que estava
transfigurado:
—
Alguém mais
termina um tempo de provas. Esta visão que nos foi concedida é o
testemunho de que o Senhor está sempre conosco, passo a passo, em
nossas augustas aspirações. Cumpri ordens e dou-me por feliz.
Coloquei-os a par com uma realidade que deveria tornar-se conhecida
de quem a viveu. Devem concordar em que estas coisas estão todas
anotadas nos livros constituintes do Novo Testamento. O que houve foi
apenas o testemunho da revivescência,
nada mais. Para a destruição destas verdades, preciso será
eliminem a Terra e o Seu Cristo. Nenhum homem, contudo, poderia
pretender tanto. Dou-lhes meus votos de felicidade, desejando-lhes
vitórias sobre vitórias, até que possam vencer a obrigação de
encarnar. Que a paz do Senhor reine em seus corações, que Sua
Sabedoria lhes norteie nos caminhos da vida, quer aqui, quer no
mundo, quando em novas experiências. Adeus...
Choraram
nossos olhos, nossos espíritos, de novo, vendo partir tão dócil
amigo, no bojo daquela nuvem de luzes gloriosas. Ambrósio falou
depois de pouco, convidando-nos a partir.
Seguimos vagarosamente em
demanda a nossos lares astrais,
vencendo zonas, transpondo fronteiras... Nossas mentes estavam
absorvidas pelo infinito de impressões recolhidas. Quando alguém se
referiu ao passado, Ambrósio considerou:
— Não
é um caso de passado; é que sobram
matizes por estudar,
por considerar, sempre que se revê um quadro, sempre que nos é dado
observar novamente um feito. Hoje, por exemplo, pude pensar no quanto
os dizeres do Novo Testamento são reais, quando tratam dos pontos
fundamentais da vida do Senhor, de Suas caminhadas, de Seus feitos
mediúnicos, de Sua morte; mas, também, quantos foram trucidados por
aqueles que disso proveito quiseram tirar. Que custaria dizer da vida
do Mestre, de Sua
passagem pela Escola Profética Hebréia,
fundada sob Seus auspícios, desde longínquos dias, desde os Vedas,
para servir de tocha
iluminadora
dos homens, e de onde surgiria, em tempo. Ele mesmo, rasgando o véu
do tempo, escancarando os portais dos cenáculos secretos, enviando à
carne toda o Consolador, o desbravador de desertos, o advogado, o
unificador dos credos?
Uma voz se ouviu, nos espaços, que
reboou como um trovão:
—
Outrossim, quem jamais
conseguiu deter a marcha da VERDADE?...
Nossos
pensamentos fizeram-se unos. Não mais lentamente demandamos a nossos
penates. Num abrir e fechar de olhos, eis-nos
em casa.
A madrugada ia avançada em nossa região; fomos descansar. Nossos
corpos de espírito fremiam, nossos cérebros ardiam, nossas almas
estavam sublimadas.
Os
dias foram-se passando.
Hoje,
nas trabalheiras do Consolador restaurado, em tempo reposto no lugar,
ganhamos nossas palmas de vitória, lenta
mas seguramente.
O que fez, o que faz, o que fará o Espiritismo na carne e por aqui,
disso todos um dia serão testemunhas fiéis. É Causa. Paira acima
dos homens. Os
infiéis migrarão para outros planos,
planos de purgação dolorosa, onde forçosamente trabalharão por
reformas internas, que lhes garantirão, um dia, o direito do mesmo
testemunho em prol da mesma VERDADE. Porque sendo ela uma só, um só
será o testemunho a dar.
Relativamente
aos homens, ou melhor, às suas concepções espiritualistas, temos
que afirmar ser
cedo para uma compreensão uniforme.
O Consolador, que o Divino Mestre instaurou, no dia de Pentecoste,
como se lê no capítulo dois do Livro dos Atos, foi em seguida
truncado em seu poder ilustrador e reformador, pelos homens menos
sensatos.
Debalde
o Apóstolo Paulo escrevera tão bem, ensinando qual o sistema de
culto dos Apóstolos, na primeira carta aos Coríntios, capítulo
quatorze. Aquela disposição aos ensinos da Revelação, muito teria
feito a bem do aprimoramento das gentes, espiritualmente, moralmente,
intelectualmente, cientificamente. Segundo, porém, as previsões do
Mestre, um
dia haveria a reposição das coisas no lugar.
E aí tem o Espiritismo, aquela mesma Doutrina que Jesus viveu nas
ruas, nas praças, nos campos, nas estradas e nos desertos da
Palestina.
Nem
todos os homens, pois, dado a complexidade da mesologia hierárquica
do planeta, poderiam, de chofre, repentinamente,
conceber-lhe a excelsitude. Bem sabemos que os arautos da VERDADE
foram sempre perseguidos; é que a VERDADE fere o homem em sua
incompreensão. Que fazer, então? É simples. Dar
muito e pedir pouco ou nada.
Quem cumpre com o seu dever, faz isso.
E o bom exemplo vencerá o mundo!
Porque,
se no homem há lugar para a moradia dos ronceirismos fanáticos,
retardatários e feios, também no homem reside a lei propulsora do
progresso rumo às finalidades definidas. E como não se pode ir à
VERDADE FUNDAMENTAL, que é de ordem interna, pelos caminhos da
viciosidade sectária, exclusivista e mórbida, certo é que do
íntimo do próprio homem, terá que surgir, na época precisa e
determinadora, o motivo de trânsito à melhor concepção. Fatores
de ordens várias forçarão
nesse sentido, não alimentem dúvidas. Porque as legiões de Jesus,
bem ao rés de suas mais íntimas necessidades, trabalham para que o
momento
transitivo
não se demore em delongas mais sofríveis do que as estritamente
necessárias.
É
preciso, no entanto, que dêem o melhor dos testemunhos, uma vez que
são, presentemente, aquilo
com que conta o Mestre
para o grande serviço de renovação das mentes e das consciências.
FIM
1
Vide — "Um Médium de Transportes" e "A Caminho do
Céu" (do mesmo autor)
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